Resistir com os curdos contra a sanha militarista da burguesia mundial

Em contribuição, o autor analisa a atual conjuntura política internacional apontando os possíveis rumos da esquerda em tal cenário.

Kennedi de Oliveira 25 abr 2018, 15:59

O povo curdo deu um passo à frente

Acossados pela perseguição turca de um lado, pelo autoritarismo de Assad por outro, e sofrendo pela bárbara opressão imposta pelo Estado Islâmico, se insurgiram e puseram fim ao califado do terror.

O protagonismo para isso foi das bravas mulheres curdas, que armadas do marxismo-leninismo e do feminismo, não só enxotaram a ameaça do Estado Islâmico, como se auto-organizaram e construíram um Governo Revolucionário na parte norte da Síria, radicalmente democrático, onde outrora reinava o terror. Elas construíram Rojava.

Numa Síria destruída pela guerra imperialista, Rojava se impõe como um exemplo a ser seguido por todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores da Síria, mostrando que é possível enfrentar as agressões imperialistas, radicalizando a democracia.

Os revolucionários de todo o mundo tem muito a aprender com a rica experiência de Rojava, no que tange à radicalização da democracia e um debate classista de gênero.

Por que Rojava está sob ataque?

Rojava se situa no curdistão sírio, território no norte do país. Reúne uma parte do povo curdo, que está distribuído também entre o curdistão turco, situado ao sul da Turquia, e pelo curdistão Iraquiano, situado ao norte do Iraque.

O governo do ditador Recep Tayp Erdogan da Turquia, anunciou uma ofensiva sobre os territórios do norte da Síria ocupados pelos curdos, na intenção de expulsá-los e criar uma faixa entre as tropas curdas e a fronteira da Turquia. Para isso, mirou em Afrin, cidade muito importante para Rojava, que, após uma heróica resistência que durou mais de dois meses, caiu e foi ocupada pelas tropas turcas algumas semanas atrás.

Desde que Erdogan iniciou esse ataque desproporcional e descabido, internacionalistas do mundo todo demonstraram solidariedade ao povo Curdo e pressionaram pelo fim dos ataques. No Brasil não foi diferente, a militância do Movimento Esquerda Socialista (MES) esteve acertadamente protestando contra a invasão turca, em frente à embaixada da Turquia em São Paulo.

A questão entre a Turquia e Rojava tem desdobramentos na geopolítica local e internacional. Em primeiro lugar, Erdogan é guiado por um sentimento anti-curdo nutrido pelo Estado turco, que considera as organizações do povo.

Curdo como terroristas. Ele teme que os Curdos consigam construir um Estado autônomo na região, o que fatalmente levaria a perda de territórios ao sul da Turquia por parte desta.

Porém, todo o ocidente vê os curdos como aliados na luta contra o Estado Islâmico, sendo que estes fazem parte da coalizão internacional sob influência dos EUA e da OTAN, além do fato de que eles também lutam contra Assad ao lutarem por seus territórios na Síria.

Sendo assim, a Turquia, como membro pleno da OTAN, ataca uma organização considerada aliada por essa aliança. Isso criou um mal-estar muito grande entre os EUA e a Turquia, que só cresce conforme Erdogan faz discursos inflamados questionando a falta de comprometimento da OTAN para com a sua investida contra Rojava.

Embora Trump tenha se mostrado disposto a dialogar com Erdogan, o impasse está longe de ser solucionado. Uma vez que tropas americanas já planejam criar um corredor de isolamento entre as tropas Turcas e Curdas, e pretendem fazer isso em Manbji, cidade que, segundo Enrdogan, seria a próxima a ser sitiada após a queda de Afrin.

Isso, somado a tentativa de golpe sofrida por Erdogan em 2016, em que o governo turco suspeita de participação americana, afasta gradativamente a Turquia da influência americana e a empurra para a Rússia, o que muda radicalmente a correlação de forças local.

A questão curda, a defesa de Afrin, Manbji e de Rojava estão no centro da disputa imperialista na região. É papel de todo revolucionário ao redor do mundo se somar nessa luta pelo direito à autodeterminação do povo curdo.

Resistiremos com os curdos!

A questão Ucraniana

Quando Viktor Yanukovich foi derrubado em 2014, parte da esquerda correu para caracterizar isso como o resultado da escalada de neonazistas na Ucrânia. Yanukovich era alinhado com Moscou e foi um fiel defensor dos interesses russos na Ucrânia. Acusado de corrupção ao receber subornos para defender os interesses do Kremlin, Yanukovich hoje vive em Moscou.

Em seu lugar foi eleito Petro Poroshenko, um ferrenho defensor do alinhamento ucraniano com a OTAN e com o ocidente. Putin respondeu a isso anexando a Crimeia, numa manobra ilegal aos olhos do direito internacional.

A OTAN deslocou Strike Groups compostos por militares dos exércitos dos países membros da aliança para a fronteira dos países do leste europeu sob influência americana com a Rússia, ou países sob influência russa, como no caso da Bielorússia.

A Rússia passou a financiar separatistas no leste ucraniano a fim de desestabilizar o governo de Poroshenko. Desde então teve início um conflito armado entre os separatistas pró-Rússia e as forças regulares ucranianas. Esse conflito tem se acirrado e se mostrado como um dos maiores desestabilizadores da região.

Numa conjuntura tão complexa, não podemos achar que é nosso dever apoiar um ou outro imperialismo. Não achamos boa a interferência yanke na política interna da Ucrânia, nem de nenhum país, tampouco aprovamos a mesma interferência vinda da Rússia.

A questão do Mar da China

A China passou os últimos anos construindo silenciosamente ilhas artificiais no mar da China, para construção de bases militares. Tal tática visava reivindicar para si todo o mar da china, uma zona onde passa 30 por cento do comércio marítimo mundial, além de rica em petróleo e gás natural.

Por meio dessa forte presença militar, a China reclamou para si áreas de mar a mais de mil quilômetros de sua costa, mas apenas poucas centenas, ou até mesmo dezenas, de quilômetros da costa de países como o Vietnã, Filipinas e Malásia. Essa manobra também abriu caminho para o que o ocidente está chamando de “colar de pérolas”, uma tática chinesa que sufocou a Índia cercando-a de bases militares chinesas distribuídas pelo Oceano Índico.

A Índia protestou contra esse cerco, e também contra o avanço da influência Chinesa sobre países do Sul da Ásia, como o Butão, Bangladesh e Sri Lanka. Toda essa tensão fez com que a Índia se aproximasse ainda mais dos EUA, numa tentativa de se defender da gigantesca vizinha. O projeto de hegemonia chinês está passando por cima de vários povos, e um confronto aberto, embora não iminente, não está descartado.

Questão Coreana

Nos últimos meses surpreendeu ao mundo um discurso de paz por parte do ditador norte coreano Kin Jong Un. Ele propôs a Trump se encontrar para negociar, o que levantou a possibilidade de um acordo que previsse a desnuclearização da península coreana. Porém, após tantos avanços no programa nuclear norte coreano, não se imagina uma completa desnuclearização, mas alguns congelamentos no programa, em troca do levantamento de algumas das sanções econômicas que sufocam a Coréia do Norte.

A participação da Coréia do Norte nas olímpiadas de inverno, sediadas na vizinha do sul, mostrou um novo capítulo nessa complexa trama. Ao manterem um tom de diálogo com a Coréia do sul, na esteira do fato político que virou a participação da Coréia do norte nas olimpíadas, Pyongyang imagina que colocará os interesses dos EUA em xeque, ao negociar um acordo que garanta paz na península, sem abrir mão do seu programa nuclear e de mísseis balísticos intercontinentais.

Essa avaliação nasce da leitura de que a vizinha do sul não aprova a escalada do tom de Trump na questão coreana. Afinal, é a própria Coréia do Sul que tem em suas fronteiras a maior concentração de peças de artilharia norte-coreanas, voltadas para Seul.

Uma corrida armamentista em ensaio

Trump enviou ao congresso, e o congresso aprovou, um monstruoso orçamento militar de 700 bilhões de dólares para o ano de 2018. Xi Jinping anunciou também um gigantesco orçamento militar de 175 bilhões de dólares.

A Rússia, embora tenha dito que reduziria seu orçamento militar, recentemente anunciou o que pode se chamar de um sprint nesse ensaio de corrida armamentista que se forma. Anunciou um míssil balístico e um de cruzeiro, que usam propulsão nuclear. Mísseis inéditos e com uma capacidade bélica sem igual, virtualmente indestrutíveis, assim como o já em uso T-90 Armata Russo, um blindado virtualmente imune as atuais armas anti-tanque da OTAN.

A China também anunciou o TIPO 003, um novo porta-aviões mais moderno que os porta-aviões americanos, assim como um blindado que deve iniciar uma nova geração de modernos blindados de combate.

As potências estão se armando e analistas militares preveem uma escalada nessa corrida armamentista nos próximos anos. Junto a isso, a disputa por mercados fica cada vez mais acirrada, como nos mostra a guerra civil Síria. Os EUA intensificam programas de auxílio e doação de peças militares para países sob sua influência, como é o caso do Brasil, que recebeu tanques M109 e remuniciadores blindados este ano.

É função da esquerda radical estar atenta a isso, denunciar a corrida armamentista da burguesia mundial, enfrentar os discursos nacionalistas belicosos e denunciar a escalada das tensões militares mundo afora. Nossa classe não será mais uma vez bucha de canhão para o lucro dos senhores da guerra!


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