Maré verde na Argentina: #abortolegalya

Acontece hoje a aguardada votação sobre a legalização do aborto no país.

Fabiana Amorim 13 jun 2018, 15:17

Talvez mais aguardado do que o dia de abertura da Copa do Mundo, o 13 de junho pode ser um dia histórico na Argentina. Um intenso processo de luta protagonizado por mulheres em defesa de suas vidas hoje desemboca na possibilidade de vitória da ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos, podendo legalizar o aborto de forma irrestrita até a 14ª semana de gravidez. Se a lei passar, a Argentina estará não apenas ao lado do pequeno grupo de países latino-americanos que descriminalizaram o aborto (Cuba e Uruguai), mas também na rota mundial de países em que o movimento feminista comprou este debate com a sociedade e ganha o apoio da maioria da população, mesmo enfrentando setores fortes do conservadorismo organizado. Segundo o Ministério da Saúde da Argentina, são realizados entre 370 mil e 522 mil abortos clandestinos anualmente. Só no ano passado houve 10 mil internações por complicações durante essas práticas, e 63 mortes, entre os números oficiais. Pesquisa recente mostra que 60% da população aprova o projeto de lei que legaliza o aborto.

Boa parte das que têm protagonizado tanto as marchas quanto os debates sobre a necessidade de tornar o aborto legal são meninas de 12 a 17 anos, que organizaram assembleias em suas escolas e que ocupam dezenas delas em vigília à votação que ocorre hoje (13J). A campanha pela ampliação do direito ao aborto legal, massificou-se identificado com um pano verde, utilizado pelas pessoas que apoiam a luta pela legalização do aborto. Os setores mais conservadores, principalmente da Igreja Católica, com importante poder de influência política, se movimentam para barrar o avanço da pauta pela legalização e o poderoso movimento de mulheres. Insistem em negar a realidade, de que independente de nossas opiniões ou crenças, o aborto é uma realidade. O que queremos debater em todos os países que vigoram a proibição, é de que estamos falando em garantir o suporte médico e psicológico para estas mulheres. Aqui vale destacar o papel contraditório que cumpre o papa Francisco: Por ora defensor das minorias, dos mais pobres e contra a barbárie, o papa assim como a cúpula da Igreja, seguem defendendo ferrenhamente a proibição do aborto. Quando ainda cardeal em Buenos Aires, o papa sofreu uma derrota ao ser aprovada, em 2013, pelo Parlamento argentino, a lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo. A espectativa é que seja derrotado mais uma vez.

No início desse mês, marcou-se os 3 anos da explosão do movimento Ni Una Menos, quando centenas de milhares de pessoas foram as ruas denunciar a violência de gênero na Argentina. Após um estupro seguido de morte sofrido por uma menina de apenas 16 anos, as mulheres argentinas formaram um eco potente de voz que grita um basta desesperado contra essa realidade que nos mata apenas por sermos mulheres. O movimento Ni Una Menos rapidamente se espalhou pelo país, formando assembleias feministas para organizar permanentemente a luta das mulheres. A solidariedade feminista em resposta a violência se propagou também para outros países, como Uruguai, Chile, Brasil e Peru, onde também o movimento de mulheres protagonizou importantes lutas. Porém o Chile seja talvez onde o movimento esteja mais diretamente conectado com a Argentina.

Após aprovação em uma assembleia com centenas de estudantes da Faculdade de Direito por ocupar sua universidade, até que a investigação a um cardeal acusado de abuso sexual tivesse alguma conclusão. A mobilização se extendeu logo após para diversas outras escolas e universidades, impondo o debate de uma agenda para pensar o combate ao abuso sexual e a discriminação contra as mulheres. As marchas e ocupações de escolas e universidade que se seguiram exigem a inclusão do debate de gênero no currículo educacional. No início dessa semana, o movimento de mulheres chilenas, que hoje se somam à solidariedade em vigília a votação do aborto na Argentina, conquistou uma importante vitória: o papa Francisco, numa tentativa de acalmar os ânimos da situação chilena, aceitando a renúncia de três bispos responsáveis por acorbertar casos de pedofilia da cúpula da Igreja. As chilenas também nos são um exemplo de radicalidade para lutar e vencer.

A recente aprovação por 70% da legalização do aborto em referendo na Irlanda, anima os ânimos do movimento de mulheres na Argentina no dia de hoje. A espectativa porém, é do mundo inteiro. A greve internacional de mulheres, que surgiu como ideia numa potente articulação de mulheres a nivel mundial, fez com que tivéssemos em 2017 um histórico 8 de março. Mulheres do mundo inteiro, com destaque às espanholas no 8 de março deste ano e às polonesas que pararam contra a retirada de direitos sexuais/reprodutivos, adotaram a paralisação de seus trabalhos como método de luta feminista. O papel da Argentina na difusão deste método foi fundamental, obrigando a sociedade a debater uma agenda urgente de combate a violência contra as mulheres. Estamos falando aqui do direito a vida, que o machismo rouba não somente das que são agredidas, violentadas e assassinadas, mas também das que morrem por aborto ilegal inseguro.

Daqui do Brasil, nos somamos à solidariedade às mulheres argentinas, onde também arduamente batalhamos por abrir um debate em relação a necessidade da legalização do aborto. A ADPF apresentada pelo PSOL ao Supremo, solicitando a descriminalização do aborto foi um passo importante, que precisa ser acompanhado de um processo de mobilização e debate constante com as trabalhadoras, estudantes, mães, e todas as mulheres que sofrem com a violência cotidiana, e que convivem com a insegurança e o medo de ter que realizar um aborto nas condições em que ocorrem hoje: Ou caro para as mulheres que podem pagar, ou inseguro para as que não podem.

No momento em que vivemos de contrarrevolução econômica, com arrocho salarial, retirada de direitos trabalhistas, aumento do custo de vida, cortes nos serviços públicos e privatizações, conquistar o direito de escolher sobre nosso próprio corpo, nos fortalece e nos ensina a também lutar para escolher sobre o rumo de nossos países. O Uruguai, onde entrou em vigência a descriminalização do aborto em 2013, contabilizou uma redução de 33 mil abortos (ilegais) realizados por ano, para 9.500 (legais) por ano, além de se tornar o segundo menor país nas Américas com morte materna. A descriminalização e legalização do aborto é portanto, uma conquista civilizatória necessária para garantir o direito à saúde pública. É por isso que neste dia 13 de junho, estamos juntas por #AbortoLegalSeguroYGratuitoYa, para defender a vida das mulheres e fortalecer a luta feminista mundial, que está conectada e no dia de hoje, com seu coração e suas espectativas lado a lado das milhares que estarão na praça do Congresso Argentino.

Artigo originalmente publicado em juntos.org.br.


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