Um canto para Bolívar
Uma homenagem pelos 188 anos da morte do libertador.
Este canto foi lido por seu autor no Anfiteatro “Bolívar”, no ato celebrado pela Universidade Autônoma do México, na tarde de 17 de dezembro de 1941, CXI aniversário da morte do Libertador Simón Bolívar. O contexto era a Guerra Civil Espanhola, conflito em que Neruda se engajou ao lado dos republicanos contra o franquismo.
PAI nosso que estás na terra, na água, no
ar
o estanho bolívar tem um fulgor bolívar,
de toda a nossaextensa latitude silenciosa,
tudo leva teu nome,pai, em nossa
morada:
teu sobrenome a canalevanta à doçura
o pássaro bolívar sobre o vulcão bolívar,
a batata, o sal, as sombras especiais,
as correntes, as listras de fosfórica pedra,
tudo nosso vem de tua vida apagada:
tua herança foram rios, planícies,
torres:
tua herança é o pão nosso de cada dia,
pai.
Teu pequeno cadáver de capitão valente
estendeu na sua imensa forma metálica:
Logo saem dedos teus entre a neve
e o meridional pescador tira à luz
rapidamente
teu sorriso, tua voz palpitando nas redes
De que cor é a rosa que junto a tua alma
levantamos?
Vermelha será a rosa que lembrará teu passo.
Como serão as mãos que tocam tuas cinzas?
Vermelhas serão as mãos que em tuas cinzas nascem.
E como é a semente do teu coração
morto?
É vermelha a semente do teu coração vivo.
Por isso é hoje a sentinela de mãos junto
a ti.
Junto a minha mão há outra e há outra
junto dela,
e outra mais, até o fundo do continente
escuro.
E outra mão que tu não conhecestes então
vem também, Bolívar, a estreitar a
tua.
De Teruel, de Madrid, de Jarama, de
Ebro.
Do cárcere, do ar, dos mortos da
Espanha
chega esta mão vermelha que é filha da
tua.
Capitão, combatente, onde uma boca,
grita Liberdade, onde um ouvido escuta,
onde um soldado vermelho rompe uma frente
escura.
Onde o louro dos livres brota,
onde uma nova
bandeira se adorna com o sangue da nossa
insígnia aurora,
Bolívar, capitão, se avista teu rosto,
Outra vez entre a pólvora e fumaça tua espada
está nascendo.
Outra vez sua bandeira com sangue se
bordou.
Os malvados atacam sua semente de novo:
cravado em outra cruz está o filho do
homem.
Mas até a esperança nos conduz tua
sombra:
o louro e a luz do exército vermelho
através da noite da América com tua
olhada.
Teus olhoes que vigiam além dos mares,
além dos povos oprimidos e feridos,
além das negras cidades incendiadas,
tua voz nasce de novo, tua mão outra vez nasce:
teu exército defende as bandeiras sagradas:
e um som terrível das dores precede
a aurora avermelha da pelo sangue do
homem.
Libertador, um mundo de paz nasceu em
teus braços.
A paz, o pão, o trigo do teu sangue nasceram:
de nosso jovem sangue vindo do teu
sangue
surgirá paz, pão e trigo para o mundo
Que faremos.
Eu conheci Bolívar em uma manhã longa
em Madrid, na boca do Quinto Regimento
“Pai”, lhe disse, “és,ou não és ou quem
és?”
E olhando o Quartel da Montanha,
falou:
“Desperto a cada cem anos quando desperta
o povo”.