A visita de Bolsonaro a Israel é um desastre

O que assistimos nos últimos dias deveria envergonhar a todos os brasileiros.

Charles Rosa 2 abr 2019, 13:56

A viagem de Jair Bolsonaro a Israel escancara outra vez o aspecto mais coerente deste governo: consegue ser desastroso, desequilibrado e injusto em todas as esferas em que atua. O que assistimos nos últimos dias deveria envergonhar todos os brasileiros. Sem qualquer justificativa ética, política ou econômica, Bolsonaro subordina os interesses nacionais à meia-dúzia de ideólogos fundamentalistas, jogando mais nitroglicerina numa região de alto nível de complexidade.

O plano de rebaixamento internacional do Brasil inaugurado há algumas semanas em Washington com Donald Trump teve sequência nesta segunda-feira. Jair Bolsonaro fez junto ao primeiro-ministro israelense a primeira visita oficial de um Chefe de Estado a Jerusalém Oriental (território palestino ocupado por Israel desde 1967), à revelia da Autoridade Palestina. Em Jerusalém, cidade de grande valor simbólico para bilhões de pessoas e disputada por israelenses e palestinos, foi anunciada ainda a abertura de um escritório voltado para negócios com Israel. Ante a pressão dos países árabes e de maioria muçulmana, responsáveis por um bilionário superávit de nossa balança comercial, esta medida foi interpretada pelos analistas internacionais como um recuo de Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral prometeu reconhecer Jerusalém como capital israelense. Em todo o caso, os líderes da bancada fundamentalista, que pressionam Bolsonaro para seguir adiante em sua promessa inicial, declararam à imprensa que encaram o gesto de Bolsonaro como um passo preliminar do processo de transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para a “Cidade Sagrada”.

Depois de cumprir sua vocação de “elefante numa loja cristais” no cenário internacional, o presidente brasileiro ainda teve tempo para fazer sua tradicional apologia às armas, posando para fotos com uma submetralhadora, dessas que snipers israelenses usam para atingir crianças e jornalistas palestinos numa manifestação em Gaza ou dessas que snipers da polícia de Witzel usam nas favelas do Rio de Janeiro. Isso tudo após assinar alguns acordos de “cooperação tecnológica e “segurança pública” com Netanyahu (em outras palavras, compra de armamentos produzidos por Israel e testados sobre a população palestina que deverão ser destinados na crescente militarização da segurança pública do Brasil).

O fato é que a insensatez do governo brasileiro indispõe o nosso país com o povo palestino e a comunidade árabe internacional, historicamente vinculada ao Brasil por laços de amizade e parceria político-comercial. Dos 7 milhões de refugiados palestinos espalhados pelo mundo hoje, milhares deles encontram-se no Brasil em busca de vida digna e na esperança de que algum dia seus territórios sejam descolonizados. Na semana passada, vale recordar, os funcionários de Ernesto Araújo já haviam votado na ONU contra uma resolução que pedia o fim da ocupação das tropas israelenses nas Colinas de Golã, território pertencente à Síria. Foi mais um agrado de Araújo à linha estratégica de Donald Trump para o Oriente Médio, colocando o Brasil num grupo minoritário de países que ainda fazem vistas grossas para as transgressões de Israel.

Acima de tudo, a aproximação cada vez mais despudorada entre Brasil e Israel revela a nula preocupação do governo Bolsonaro com a matéria dos direitos humanos. Conforme já constatado por alguns relatórios de agências vinculadas a ONU e a União Europeia nos últimos anos, Israel estabeleceu um regime de apartheid nos territórios roubados da Palestina, concretizando um prognóstico de 1967 feito por Ben Gurion, o pai fundador do Estado sionista. Na Cisjordânia atual, cerca de 2,5 milhões de palestinos são privados de seus direitos civis básicos e submetidos à jurisdição militar ditada pelo Ministério da Defesa israelense. Em Gaza, a população palestina, além de ser vítima de crimes contra a humanidade durante manifestações, sofre com o bloqueio econômico duplo (de Israel e Egito) que empurra para a pobreza cerca de 2 milhões de pessoas.

Movidos pelo alinhamento automático com os governos de extrema-direita existentes hoje no mundo e desconhecedores de nossa própria história diplomática, Jair Bolsonaro e seu estapafúrdio chanceler vandalizam décadas de equidistância do Itamaraty nos conflitos do Oriente Médio. E pior, assim o fazem, se posicionando, sem qualquer justificativa prática, ao lado do Estado mais forte e menos comprometido com o respeito aos direitos humanos e às resoluções da ONU. Nem mesmo a ditadura militar admirada por Bolsonaro e Araújo cometeu o erro de se curvar aos interesses de Israel e dos EUA na região (vide a resolução assinada por Ernesto Geisel em 1975 que equiparava a ideologia sionista ao racismo, numa tentativa de alcançar um descolamento geopolítico em relação à Casa Branca). E igualmente pior, às vésperas das eleições israelenses, Bolsonaro e Araújo colocam a imagem do maior país da América Latina a serviço da reeleição de Netanyahu, um político ultraconservador e corrupto, responsável por aprofundar a opressão estrutural de Israel contra os palestinos. Um político que, não nos esqueçamos jamais, qualificou o Brasil de “anão diplomático” em 2014, após o governo brasileiro repudiar os bombardeios em Gaza que vitimaram mais de 2.000 pessoas.

De nossa parte, nos resta retribuir a solidariedade do povo palestino que se manifestou contra Bolsonaro no último domingo com cartazes que nos lembraram que as “armas de Israel matam na Palestina e nas favelas cariocas”. Ninguém com o mínimo senso de justiça no século XXI pode ficar indiferente à causa palestina e seu direito a constituir um Estado livre e soberano nos territórios que lhe foram usurpados. Por isso, não hesitamos em denunciar o apartheid israelense, reivindicar o direito dos refugiados palestinos ao retorno e pedir a liberdade dos 6000 presos políticos palestinos (dentre os quais, cerca de 400 crianças!)

Viva a Palestina Livre!

Artigo originalmente publicado no site da deputada Sâmia Bomfim.

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