Vitória do nacionalismo agressivo na Índia
O primeiro-ministro Narendra Modi reforçou a sua maioria absoluta na Índia.
A maior democracia do mundo demorou um mês a votar. No fim de contas, os cerca de 900 milhões de eleitores de um país muito diverso deram a vitória à retórica homogeneizante do nacionalismo hindu. O Bharatiya Janata Party, BJP, partido do primeiro-ministro Narendra Modi, conquistou 303 em 542 dos assentos parlamentares do Lok Sabha, a câmara baixa do parlamento indiano. Em 2014, tinha totalizado 282. É a primeira vez desde 1984 que um partido consegue duas maiorias absolutas consecutivas.
O seu principal rival institucional, o Partido do Congresso Nacional Indiano, dominado pelo clã Nehru-Gandhi, teve uma derrota simbólica. Apesar de Rahul Gandhi, o seu líder, ter alcançado 52 deputados face aos 44 anteriores, perdeu o lugar de deputado pelo círculo de Amethi, no norte de Uttar Pradesh, um cargo que tem pertencido à família Gandhi desde há quatro décadas. É esperada assim a sua demissão. E se a sua carreira política terminar outra tradição se quebra: na sua linhagem familiar direta o bisavô, a avó e o seu pai todos foram primeiro-ministros.
Na campanha como na governação, o BJP mobilizou o extremismo religioso hindu, acicatou os sentimentos anti-muçulmanos e aumentou as tensões com o vizinho Paquistão. Para além disso, não foi parco em promessas. Todo o programa eleitoral estava cheio de multiplicações: prometeu duplicar os rendimentos dos agricultores, as autoestradas e as exportações, triplicar as instalações de apoio à infância, quadruplicar o investimento em infraestruturas, construir milhares de casas, eletrificar todas as linhas férreas e tornar a Índia a terceira economia mundial até 2030. Mas o mandato anterior de Modi não foi sempre a multiplicar e algumas destas promessas arrastam-se desde 2014.
Com tudo isto desviaram-se as atenções de uma economia a desacelerar, da descida das exportações, da subida do desemprego para a taxa mais alta em décadas (e aos 18,6 milhões de desempregados oficiais juntam-se também 393,7 milhões de empregos altamente precários), da burocratização.
A campanha ficou também marcada pela desinformação massiva via redes sociais. Facebook e Whatsapp juraram ter tomado medidas para tentar minimizar problemas, apagando contas falsas e bloqueando grupos. Oficialmente, os principais partidos investiram milhões de euros em anúncios nestas redes. Isto para além do que terá sido investido nas campanhas sujas e nos boatos que povoaram o quotidiano político.
O WhatsApp faz parte da vida política indiana e tem sido usado ao longo dos últimos ano pelos nacionalistas hindus para lançar boatos anti-muçulmanos. Por exemplo, tem servido para instigar assassinatos de muçulmanos ou dalits, membros da casta indiana mais baixa, acusados de matar vacas, um animal considerado sagrado pelos hindus, para consumo da sua carne. Devido a estes boatos, pelo menos 36 pessoas foram mortas nos últimos três anos, segundo a Human Rights Watch.
E o discurso do partido do governo vai perigosamente ao encontro destes sentimentos anti-muçulmanos mais violentos. Desde a questão da construção de templos hindus em locais onde havia mesquitas, até ao ódio contra os emigrantes. Amit Shah, presidente do BNP, num discurso em abril descrevia os emigrantes do Bangladesh como “térmitas” e prometia a criação de um registo nacional de cidadão que “remova todos os infiltradores, excepto budistas, hindus e sikhs”.
Modi ele próprio tem-se resguardado da retórica mais abertamente cruel. Mas também não a tem condenado suficientemente. Prefere apresentar-se agora como o protetor do país face ao Paquistão e a outras ameaças externas.
O primeiro-ministro indiano cultivou cuidadosamente a sua imagem para chegar ao poder. Com a sua famosa túnica cor de açafrão, em plena campanha eleitoral fez-se filmar por uma televisão a meditar numa montanha. Na passada quinta-feira surgiu para saudar a vitória eleitoral banhado por pétalas de rosa lançadas por centenas de apoiantes. Entre o asceta e o self made man, Modi faz gala de mostrar que não pertence à elite. Filho dos donos de uma pequena loja, vendedor de chá, mobiliza a sua história de ascensão social face à imagem aristocrática e corrupta dos seus principais rivais.
Mas não veio do nada. Militou desde jovem na organização de extrema-direita Rashtriya Swayamsevak Sangh (União Nacional Voluntária) e foi dirigente do BNP em Gujarat a partir dos anos 80. Em 2001 foi eleito primeiro-ministro deste Estado. Foi acusado de estar entre os principais instigadores dos motins e perseguições religiosas em 2002 em Gujarat que causaram mais de mil mortes. Foi ilibado por uma investigação que não convenceu muita gente. Mas continuou a ser posto em causa por, no mínimo, não ter tomado suficientes medidas de proteção da comunidade muçulmana durante os episódios de violência.
É dirigente nacional do BNP desde 2001 tendo feito o neoliberalismo casar bem com o discurso de ódio que o partido utiliza. É, assim, alguém bem diferente do pacífico e humilde meditador de montanha que pretende mostrar.