Concentração industrial e poder de mercado
A concentração industrial aumentou, e o poder de mercado das empresas dominantes também.
Até a década dos anos 1970 os estudos sobre organização
industrial cobriam temas como a concentração e o poder de mercado, os canais de
concorrência, escalas de produção, integração vertical e horizontal, as
empresas multiproduto e suas economias de alcance. Talvez faltasse na paisagem
o vínculo com o sistema financeiro, porém pelo menos o poder que vem associado
à concentração industrial era uma parte crucial da preocupação dos economistas.
No entanto nos anos 1970 esse tipo de
estudo foi se eclipsando e na pesquisa somente restou espaço para os estudos
que glorificavam as virtudes do livre mercado. A própria nomenclatura de organização industrial foi sendo utilizada cada vez mais para referir-se a um campo de estudos que mostravam que os principais postulados da teoria neoclássica seguiam sendo válidos.
Hoje, as coisas estão mudando. Muitos economistas se deram conta de que não podem tapar o sol da evidência com o frágil dedo da teoria neoclássica. Os estudos sobre estruturas e dinâmicas industriais tomam novos rumos e mostram, sem dúvida, que aumentou a concentração industrial e que o poder de mercado das empresas dominantes também cresceu. As forças que explicam este aumento da concentração industrial são variadas e muitas têm a ver com fenômenos bem conhecidos na história do capitalismo industrial. (Por certo, a concentração industrial é um fenômeno que se apresenta também, e com grande intensidade, nos serviços: a terminologia de ‘concentração industrial’ não é a melhor).
No entanto, muitos organismos vinculados com o mundo da política econômica resistem a encarar a realidade. O informe sobre a economia mundial deste ano do FMI dedica um capítulo ao tema da concentração e o aumento do poder de mercado das grandes corporações. Infelizmente, o FMI acredita que o aumento da concentração é moderado, o que não concorda com a maioria das pesquisas no mundo acadêmico. Além disso, para o FMI as forças que explicam a concentração industrial têm mais a ver com o bom desempenho de algumas corporações e menos com fenômenos perversos como a construção de barreiras para a entrada ou com o mundo das práticas desleais no comércio. Para o FMI a introdução de tecnologias da informação foi um forte estímulo para o aumento da concentração industrial. Segundo o organismo, esse resultado se encontra respaldado por um interessante estudo de Mordecai Kurz, da Universidade de Stanford. Entretanto, esta pesquisa apresenta um quadro mais alarmante do que quer reconhecer a leitura do FMI. Finalmente, apesar de lhe dedicar um capítulo em seu informe sobre a economia do planeta, o FMI acredita que o aumento da concentração industrial teve um efeito modesto a escala macroeconômica.
A realidade contrasta com o informe do FMI. A vinculação mórbida com fontes de crédito, assim como a fusão e a aquisição de empresas para aumentar suas economias de escala e das chamadas economias de alcance, são dois processos típicos que promovem a concentração e não são precisamente bons para a saúde macroeconômica. Ambos estão relacionados com o poderio do setor financeiro e contribuem para mudar o modus operandi das grandes corporações que terminam por privilegiar os lucros de muito curto prazo, abandonar os projetos de longo fôlego e, evidentemente, sacrificando o meio ambiente. As ondas de fusões e aquisições dos anos anteriores à crise de 2008 são claro testemunho disso.
O mais importante neste tema é que a concentração industrial está intimamente vinculada com a crescente desigualdade e com o desempenho da economia mundial. A evidência de numerosos estudos revela que as grandes corporações utilizam seu poder de mercado para manipular preços, elevar suas margens de lucros sobre os custos e para impor menores salários e direitos em mercados laborais cada vez mais fragmentados. O golpe nas classes trabalhadoras é uma carga dupla que passa pelos preços e os salários.
Outros instrumentos que contribuíram para elevar a concentração industrial incluem a longa duração das patentes e dos contratos de licenças que envolvem todo tipo de restrições para os licenciatários. A mudança na legislação que permitiu ampliar a duração das patentes reflete o poder que tiveram as grandes corporações para moldar a agenda do Poder Legislativo.
A interpretação das leis antimonopólio vem se debilitando desde há muito tempo. Alguns casos observados, nos quais se envolveram algumas poucas corporações gigantes, não devem enganar: as leis antimonopolio são, na atualidade, uma caricatura do que foram há quatro décadas. Tudo isso serve para recordar que, em sua evolução, o capitalismo vai modificando a estrutura do Estado.