Não escolhemos o campo de batalha

Sobre a flexibilidade tática do movimento Nuevo Perú.

Tito Prado 24 out 2019, 15:47

O acordo do Conselho Nacional MNP de ir a uma aliança eleitoral com PL e JP vem gerando grande polêmica e até um par de dissidências de ex-congressistas em nossas fileiras. Era de se esperar, os giros na situação política, na maioria das vezes, obriga a respostas não-isentas de polêmica. Neste caso o tema ultrapassa o marco orgânico e se transfere para os meios de comunicação antes de esgotadas as discussões. Por que essa velocidade? O tempo dirá, mas o certo é que esta discussão começou em janeiro com o primeiro evento Voces del Cambio em Huancayo. Desde então tem ocorrido idas e vindas até que finalmente foi sendo fechado o acordo entre as três forças políticas PL, MNP e JP, com a exceção única de Fuerza Ciudadana (integrantes de JP) que mostrou sua disposição a ir em outra direção sob a ideia de que era preciso correr-se para o centro.

Selado o acordo, intensificaram-se as reprovações, assim como os respaldos. Vamos nos referir aos primeiros deixando claro que a nosso juízo é uma discussão sobre tática, válida e legítima, que abria várias alternativas. Participar ou não participar, e em todo caso como participar nas eleições de 2020. Nós decidimos estas questões apelando para as bases num longo processo de diálogos e consultas que talvez poderia ter sido mais abarcadora, mas está muito longe de ser uma definição burocrática ou autoritária como as que de praxe nos partidos caudilhistas.

As eleições complementares que vêm, embora não sejam presidenciais deixarão um novo cenário político, um novo congresso e uma nova relação de forças, ao menos na super-estrutura política. Um dos bastiões da máfia laranja, de onde a direita mais retrógrada, reacionária e autoritária pretendia levantar a cabeça foi desativado graças à mobilização e indignação cidadã das quais fomos parte e não vamos deixar agora espaço para que voltem a enchê-las os de sempre. Isso seria um verdadeiro contrassenso que facilitaria o aprofundamento das medidas de corte neoliberal que o grande empresariado busca com agressivo empenho.

Está em jogo quem colhe a vitória democrática que significa o fechamento do Congresso. De seu resultado depende em grande medida o que vai se passar em 2021. Seu caráter transitório colocará o novo parlamento entre o velho por enterrar e o novo por revelar. Nada deve ficar igual a antes, há um conteúdo destituinte/constituinte implícito pelo marco da crise atual. Nesse sentido se converte também em ponto de partida da corrida eleitoral de fundo. Quem fizer o melhor papel contra a corrupção, pelas reformas inacabadas ou pendentes, por relançar a economia sem o custo social que busca a CONFIEP, terá ganhado parte do caminho ao Palácio.

Para a esquerda é uma, dura, duríssima batalha que ficou aberta nas últimas eleições gerais que colocaram Veronika Mendoza como alternativa de mudança no imaginário popular. A persistência do povo peruano, capaz de se recuperar depois da traição de Ollanta Humala para voltar a crer, diz muito de sua radicalidade política acumulada em tantos anos de lutas. Esse povo farto de tanta corrupção e impunidade, de tanto entreguismo e abusos, abre uma nova oportunidade.

Mas enquanto um setor da esquerda aspira a, no máximo, repetir a bancada com novos ou velhos rostos e se entrincheira alheia a toda tentativa de unidade, desde o Nuevo Perú, optamos, já em 2016, por entender o mandato recebido nas urnas, que nos compromete a dar dura luta contra a direita para abrir uma mudança histórica no país. Ser governo com o povo não é um sonho, é um sonho que nos coloca a realidade.

A singularidade da crise política é que não só se trata de uma crise de governabilidade mas de regime ante os olhos de milhões de peruanos. Tudo está apodrecido e é preciso ir a mudanças de fundo, o que põe sobre a mesa a necessidade de uma nova constituição negada em 1000 idiomas pelos defensores do modelo. Justamente entrar nestas eleições nos permite falar sobre isso e ajudar a criar consciência nacional sobre essa peremptória necessidade.

Entretanto como fazemos isso se fomos impedidos de ter registro próprio pelas barreiras postas pela partidocracia que fechou todos os espaços aumentando a cerca? As reformas flexibilizaram mas não resolveram essa contradição de impedir um partido com 10 congressistas de ter registro eleitoral. Os poderes fáticos resistem a nos abrir o caminho porque somos a alternativa de governo que milhões de peruanos aspiram. Ninguém escolhe o campo de batalha. Com ou sem inscrição, tínhamos que gestar uma unidade mais ampla, com maior razão se disso depende nossa participação.

Tentar com os setores que saíram vitoriosos contra as direitas nas contendas regionais era um primeiro passo. Haveria outro caminho? Sim, claro, o silencioso  “plano Lerner ” de ir com Julio Guzmán tão pressionado a envernizar seu rosto neoliberal com algo de progressismo. Esse caminho é o que se descartou, essa corrida ao centro não vai e isso devemos celebrar porque isso teria sido o fim de um projeto de renovação da esquerda que busca abrir caminho próprio sem apelar a “roteiros” com setores liberais que são os que terminam impondo a agenda como ocorreu com Ollanta.

A construção do MNP segue sendo nosso projeto estratégico, por isso seguiremos lutando por sua inscrição. O que pusemos em pé depois de largas jornadas de aproximação é uma frente eleitoral, não um partido único. Simón e Cerrón deram um passo ao lado. Ocorre o mesmo com a Sra. K? Quem não se dá por satisfeito com isso e reclama bastante, o que buscam na realidade é nos afastar do caminho. Assumimos o custo de uma aliança eleitoral com riscos porque o custo de não fazê-lo é pior e dá vantagens ao inimigo.

Agora o que temos é uma plataforma eleitoral que devemos ampliar e fazer representativa de um grande espectro social e político. Nada do que avançamos neste terreno dará um passo atrás. Somos defensores da igualdade e equidade de gênero, combatemos a discriminação em todas suas formas. Brigamos por um novo Estado soberano, democrático e popular. Ir conquistar essa maioria social e cidadã demanda pôr tudo em jogo para dar batalha nas melhores condições. Muitos esperam que Verónika encabece, compartilho dessa esperança que seguramente dará lugar a uma reflexão mais pessoal e coletiva que abordaremos oportunamente.

O que vem ocorrendo no Equador e no Chile abona em favor de uma nova onda de mudanças no continente, esgotado por várias décadas de neoliberalismo. Nessa relação dinâmica, Peru tem que aportar sua parte. Sí, se puede!

Reprodução da tradução publicada pelo Portal da Esquerda em Movimento.

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