Rio de Janeiro e o “legado” de Lula

O Rio de Janeiro pensado a partir da atuação das forças políticas do país.

Honório Oliveira 26 nov 2019, 18:45

Em meio ao debate sobre como melhor fazer a resistência aos ataques de governos de extrema-direita como os de Bolsonaro e Witzel, além da necessária unidade, o nível de politização da sociedade exige respostas corretas.

O Rio de Janeiro é um dos pontos centrais desse embate. A grave situação do estado e o avanço das milícias sobre o território fluminense são reflexo de um pacto de governabilidade que durou longos anos. O PT e Lula utilizaram o estado como moeda de troca com o PMDB, aliado importante dos governos petistas de Lula e Dilma. Em função deste acordo, sempre foram lenientes com o domínio territorial, econômico e bélico das milícias, que eram uma das bases concretas da hegemonia do PMDB na política do Rio de Janeiro.

Desde 1998, com Lula comandando a intervenção partidária no estado, o arco de alianças do PT se vincula às oligarquias políticas locais. Primeiro com Garotinho, para depois dar um salto com Cabral e Paes. Essa aliança levou a um projeto que teve à frente a casta corrupta do PMDB, envolvida em escândalos de enriquecimento ilícito.

Durante os anos de parceria entre governos do PT e PMDB, as milícias avançaram em todos os sentidos, ampliando suas atividades econômicas, crescendo em número de integrantes e domínio territorial. Hoje, estima-se que mais de 2 milhões de pessoas residam em territórios dominados por grupos milicianos. O poder político desses grupos também cresceu. Tudo isso apesar da CPI presidida por Marcelo Freixo. Faltou vontade dos governos petistas para enfrentar o problema, o que implicaria em questionar frontalmente o PMDB do Rio de Janeiro.

A gravidade da situação política do estado teve um salto de qualidade após a execução de Marielle Franco, um crime político brutal que significou um avanço no modus operandi destes grupos. A tendência de endurecimento contra a esquerda e ativistas de direitos humanos se confirmou com a eleição de Bolsonaro e a revelação da íntima ligação da família com milicianos de alta periculosidade. Isto sem contar o desastre que foram os megaeventos (Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016), rios de corrupção e aperfeiçoamento do aparato de repressão estatal contra o povo carioca, sobretudo a parcela mais pobre, habitante das periferias.

Diante deste cenário, é necessário que o PSOL e seus militantes lutem para construir todo tipo de unidade de ação democrática, mas, ao mesmo tempo, que o partido se afirme como alternativa anticapitalista e não entregue todo o prestígio social acumulado a duras penas durante os últimos anos. O adesismo ao lulismo vai nos levar a uma derrota eleitoral e política. No sistema de alianças táticas e estratégicas para combater a extrema-direita, é necessário que o PSOL mantenha sua independência e leve em conta os balanços históricos que fizeram a extrema-direita crescer no Brasil. Os governos do PT seguramente contribuíram sobremaneira para que isso ocorresse.

Esta leitura em nada impede a possibilidade de unidade, mas preserva o perfil do PSOL como partido independente, algo fundamental na quadra histórica em que nos encontramos. A linha de adesão de Marcelo Freixo e a hipótese de reivindicar o “legado” de Lula colocam em risco essa independência. Nós estamos dispostos a construir unidades, mas com base em um debate programático claro, conscientes do papel que cada um cumpriu até aqui e tentando superar os limites do projeto daqueles que governaram o Rio de Janeiro durante todos esses anos.

A necessidade de um debate programático profundo se ressignificou no Rio de Janeiro. Com a liberdade de Lula, está lançado o desafio de postular uma nova esquerda capaz de não ser sectária, mas que possa ser portadora de novidade, não reproduzindo velhos arranjos e tendo a consciência sobre que caminhos nos trouxeram até aqui. Certamente, um dos “legados” do lulismo deve ser não reproduzir o que ele tem de pior, os acordos de cúpula sem princípios e a ausência completa de projeto independente de organização e mobilização permanente dos de baixo. Aí reside a única hipótese de vencermos: fazer o povo acreditar em sua própria força.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi