8M: Mulheres na linha de frente para derrotar o neoliberalismo e o autoritarismo no mundo

A crise do sistema capitalista é um motor para a mobilização feminista.

Clara Baeder e Sara Soares 8 mar 2020, 15:25

Atualmente acontecem grandes rebeliões de mulheres nas ruas de vários países do mundo contra o feminicídio, por mais direitos, em uma intensa luta contra o patriarcado e a exploração capitalista. Podemos caracterizar, sem dúvidas, que o feminismo hoje não assume posições estáticas. Pelo contrário: se organiza, se levanta e não silencia frente às reivindicações aprofundadas pelas contradições estruturantes que o capitalismo é incapaz de diluir. As mobilizações de mulheres foram definitivas para o desenvolvimento de importantes processos históricos que culminaram em avanços para a luta dos trabalhadores, desempenhando papéis centrais na Revolução Russa, por exemplo. Nesse sentido, o movimento das mulheres é também uma vanguarda do internacionalismo, ao expressar sua solidariedade ativa e espelhar as lutas de outros países. Sobretudo, o feminismo em sua totalidade é uma luta estratégica para a resistência frente à atual conjuntura mundial e para a construção de uma alternativa em um momento de interregno. Nesta perspectiva, a crise do sistema capitalista, especialmente por seus reflexos no âmbito de reprodução da vida, é também um motor para a mobilização feminista. A consciência das mulheres não aceita retroceder facilmente – as mobilizações se alastram internacionalmente, fazendo com que a diminuição do ritmo da luta em alguns países não implique em um estancamento global e que a mobilização local que tenha “esfriado” seja logo acesa novamente por inspiração de outros países ou de novos ataques.

Como exemplos da força da luta feminista dos últimos anos, podemos lembrar que na Espanha as mulheres construíram uma potente greve no dia 8 de março em 2018, exigindo igualdade salarial e contra o feminicídio. Na França, Macron foi colocado contra a parede pelas manifestações feministas exigindo políticas públicas frente ao aumento de feminicídios no país. Nos EUA, Trump presenciou a Marcha das Mulheres já no primeiro dia de governo. Certamente, o fortalecimento da candidatura de Bernie Sanders é também reflexo da resistência ao machismo e ao projeto neoliberal e imperialista pelo atual presidente do país. Outro terreno que merece ser destacado nesta breve retrospectiva é o da luta contra a mudança climática. Protagonizada justamente por Greta, que se tornou um símbolo da disposição de luta da juventude, e tendo sua linha de frente predominantemente feminina em um movimento que se materializou em uma greve internacional pelo clima, contando com a participação de mais de 100 países. As argentinas também se organizaram e fizeram história com o Ni Una Menos, pela vida das mulheres, e a defesa do direito ao aborto – processo que estimula a indignação geral e ajuda no desgaste do neoliberalismo e posterior derrota de Macri em 2019. Além das lutas citadas, as mulheres protagonizaram as mobilizações contra os ataques no plano da economia, em uma luta por emancipação na totalidade: no Equador, foram às ruas contra o ‘Paquetazo’; nas rebeliões do Chile contra as AFPs e a violência policial. No mesmo período, nasce uma marca dessa integração entre o movimento geral e a luta feminista internacional: viraliza a performance “El Violador Eres Tú”, uma forte denúncia dos estupros e, particularmente, daqueles praticados por policiais durante a repressão aos atos chilenos.

Continuando a retrospectiva, voltamos ao Brasil. Em 2015 houve um dos pontos altos nacionais dessa grande rebelião internacional de mulheres. Foi estimulado por uma discussão mais tradicionalmente feminista – o direito à pílula do dia seguinte – mas também teve como base uma ofensiva que derrotou o Eduardo Cunha, na época presidente da Câmara dos Deputados, que se materializava em um pacote completo juntando a misoginia à disposição de atacar o povo e à corrupção. Já em 2018, as mulheres tiveram papel central rechaçando Bolsonaro nas eleições com a consigna do #EleNão. Essa luta, contra a misoginia, o racismo, a LGBTfobia, o projeto autoritário e de retrocessos que o então candidato representava, foi uma das principais barreiras para o que poderia ter sido uma vitória no primeiro turno. Em 2019, a luta das mulheres se expressou em um combativo 8 de março contra Bolsonaro e, ainda no mesmo ano, destacou-se a marcha das mulheres negras e a luta das mulheres indígenas por mais direitos, em defesa do clima e contra os ruralistas, luta que ganhou destaque com os incêndios na Amazônia e a marcha a Brasília que explicitava as contradições do atual governo.

Após um ano sob o governo bolsonarista, os ataques prometidos em campanha já estão sendo efetivados e há abertura para maiores retrocessos. Sofremos a derrota da reforma da previdência e o crescimento econômico prometido provou-se uma farsa – e a vítima principal é o povo pobre, as mulheres e a negritude. Além dos retrocessos econômicos, o governo se empenha em consolidar a disputa ideológica indicando ao Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos uma representante orgânica da bancada fundamentalista. Soma-se a isso o envolvimento cada vez mais claro de Bolsonaro e de sua família com a milícia – envolvimento que, por sua vez, aponta para uma relação entre o clã e o assassinato de Marielle Franco, principalmente após a morte de Adriano da Nóbrega (uma provável queima de arquivo). Somado a isso, o desemprego continua com números alarmantes e a segurança pública segue baseada na necropolítica: esse governo impulsiona o genocídio e buscam justificar com a guerra às drogas o extermínio da juventude negra periférica, expresso nos mais de 1000 assassinatos por policiais no Rio de Janeiro em 2019 e no assassinato de 9 jovens em um baile funk na comunidade de Paraisópolis em SP. Além disso, próximo ao dia internacional das mulheres, Bolsonaro demonstra a misoginia de seu governo fazendo ataques machistas à jornalista Patrícia Campos Mello, responsável por tornar públicas as investigações sobre o uso irregular do Whatsapp durante a sua campanha. Dentre todas as contradições inaceitáveis, o presidente ainda ousa acirrar as disputas ideológicas da sociedade convocando graves manifestações golpistas conta o congresso e o STF – mais um crime de responsabilidade.

O dia internacional das mulheres, assim como caracterizado em sua origem na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em 1910, tem neste ano uma grande responsabilidade segundo a concepção socialista e sob a perspectiva internacionalista. Este dia de luta deve ser mais que uma comemoração ou uma defesa fragmentada dos direitos das mulheres. Observando a retrospectiva feita neste texto, é possível perceber a enorme importância da luta das mulheres: a mobilização feminista abarca as reivindicações pela construção de uma sociedade livre do machismo, mas também iniciativas contra a opressão de outros setores da sociedade e a luta mais geral contra a exploração sob o sistema capitalista. Estes movimentos – feminista, os que lutam contra outras opressões e o anticapitalista – são indissociáveis. Destruir figuras como Trump, Macron e Bolsonaro está diretamente relacionado com o avanço das lutas feministas. Neste sentido, o 8 de março precisa servir como uma ferramenta contra todo e cada governante autoritário e neoliberal. No Brasil, temos a tarefa central de derrotar Bolsonaro e a tentativa de fechamento do regime, em uma agenda de lutas cujo primeiro dia é o 8M. É o momento de ocuparmos as ruas como principal espaço de reivindicações, por mais direitos, em defesa da vida das mulheres, a partir da consigna #EleNãoPodeContinuar pois o avanço da luta das mulheres – e de todos os outros setores da sociedade (a negritude, a juventude, os trabalhadores) – no Brasil está relacionado diretamente à derrota deste governo e de tudo que ele representa.


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