O Espectro da Fênix: Liberação e Reconstrução no fim da Guerra

Historiador francês analisa a queda de Hitler.

Pierre Broué 30 abr 2020, 17:11

Certa vez, Hitler afirmou: “quando a URSS entrar em marcha, o mundo reterá sua respiração“. Com o 22 de junho de 1941, data da invasão alemã aos territórios soviéticos, seu prognóstico, para sua desgraça, começa a se concretizar. Inicia-se nesse momento um período que constitui uma espécie de virada na história mundial.

Se a União Soviética fosse derrotada pelos exércitos alemães, o prosseguimento da Guerra poderia se estender com o choque entre o Japão e os Estados Unidos. Entretanto, poderia resultar também em uma trégua no território europeu, marcada pela hegemonia alemã, que implicaria transformações de grande alcance para a política mundial. Essa hipótese pareceu provável a muitos que haviam se impressionado com as derrotas do exército russo na Finlândia. Outras alternativas pareciam ainda possíveis para alguns, em caso de vitória alemã na URSS: o prosseguimento da Guerra na frente Oeste da Europa, que, à médio prazo, criaria uma situação difícil para as potências beligerantes, obrigando os EUA a intervirem como “nação salvadora”; um apoio americano imediato aos ingleses para a abertura de um segundo front, permitindo abater a Alemanha nazista e estabelecer uma barreira contra a URSS na Europa.

No entanto, para surpresa de Hitler e da maior parte dos seus contemporâneos, a partir da Batalha de Stalingrado a União Soviética entra em marcha e faz com que o mundo retenha sua respiração. Parte da burguesia alemã, desesperada, vira as costas para seu líder, na expectativa de uma mudança nas alianças internacionais: esperava-se que os Estados Unidos apoiassem a Alemanha enfraquecida para que esta empreendesse a destruição da URSS. No entanto, esta questão será resolvida pelo ataque japonês aos Estados Unidos, que tornará muito mais difícil uma mudança no sistema de alianças, tendo, ao contrário, consolidado estas alianças.

O ano de 1943 assiste ainda à mobilização dos operários de diversos países, através de greves e manifestações. O sucesso da resistência da URSS e a entrada na Guerra dos EUA deixam entrever a derrota alemã. O arrebentamento da Alemanha nazista, que tem na queda de Mussolini uma conseqüência direta, abre muitas brechas através das quais o movimento das populações pauperizadas e revoltadas procura passar. É o início de um movimento em direção à revolução que será combatido ativamente tanto pelos ocupantes, como pelos Aliados. Os dirigentes do mundo inteiro, incluindo a burocracia do Kremlin, passam a temer o mesmo desfecho da Primeira Guerra Mundial. E, não apenas por ironia, os dirigentes soviéticos decidem pela dissolução da Internacional Comunista, em 15 de maio de 1943.

Mas, apesar disso, existia uma tendência à subversão por parte das direções partidárias e dos setores populares, que se enchem de entusiasmo e determinação em um período de repressão e de afrontamentos. A chama de esperança é tanto mais vigorosa quanto mais sensíveis são os partisans às pressões de seus comandos. O ano de 1943 vê o início da ascensão de um movimento de massa dentro e fora da Europa.

A Segunda Guerra Mundial não findou da mesma forma que a Primeira, mas com uma sucessão de armistícios e de capitulações das forças do Eixo, com um lento processo de decomposição. Por hábito — não desprovido de interesse —, prevaleceu o uso do termo liberação para qualificar sua ruína. De certa maneira, o esfacelamento do aparelho militar e policial do Terceiro Reich ou do Império Nipônico realmente constituiu uma liberação. No entanto, o emprego desta palavra para designar uma realidade infinitamente mais complexa nos levaria para longe da história, em direção ao mito. Seria considerar que a vitória foi do “mundo livre”, quando evidentemente se trata da vitória de uma coalizão heterogênea entre potências que tinham em seus inimigos seu único ponto em comum — o que, aliás, nem sempre se mostrou uma certeza absoluta.

Correndo o risco de chocar, romperemos com uma tradição de linguagem na tentativa de apreender uma realidade política diferente. Estudaremos, portanto, o período dito da “liberação” da Europa, com o ângulo militar como pano de fundo, assim como sob o prisma da realização ou não dos objetivos dos Aliados, no que diz respeito à natureza das forças sociais que substituirão o Estado que desmorona e as forças de ocupação derrotadas.

Momentos finais da Guerra

A partir de 1942, surge uma nova relação de forças, que implica em uma mudança do caráter da Guerra devido à intervenção da produção maciça de armas e à mudança da iniciativa, assim como do papel crescente, da população civil, armada ou não. A Guerra se torna industrial em todos os sentidos do termo: as operações militares nada mais são além de investimentos das forças de destruição anteriormente acumuladas, paralelamente ao esfacelamento das do adversário. No tocante à propaganda, é preciso ressaltar os enormes esforços dos governos Aliados na mobilização de sua opinião pública por trás do tema da “cruzada pela democracia“, como vemos na obra de D. Guérin, Fascisme et Grand Capital. Temas nacionalistas voltam à tona, difundindo e reforçando a idéia de uma “culpa coletiva do povo alemão“.

A ofensiva alemã da primavera de 1942 foi concebida para ser decisiva na destruição das bases da resistência russa e principalmente do petróleo do Cáucaso. Para cobrir esta operação meridional, foi necessário cortar o eixo do Volga e tomar Stalingrado. Segundo o alto comando alemão, os russos se esgotariam na sua defesa. De início, o sucesso da ofensiva foi absoluto, apesar do papel reduzido dos tanques. A infantaria foi fortemente utilizada, implicando em ataques frontais e grandes enfrentamentos de homens e material. Em setembro, a Wehrnacht ocupou a cidade, que foi defendida rua por rua. Depois de uma contra-ofensiva no Noroeste e no Sul, o exército alemão capitulou, no dia 3 de fevereiro de 1943, com um saldo de 200 mil mortos e 91 mil prisioneiros. Além do aspecto material, esta foi sobretudo uma derrota moral, diplomática e política. O mito da invencibilidade alemã cede o lugar ao prestígio dos “vencedores de Stalingrado“.

Em outro quadrante, no início de 1942, houve uma nova ofensiva do Afrika Korps de Rommel contra o Egito. Porém, devido à falta de homens, de material e de combustível, os alemães capitulam novamente, diante da contra-ofensiva do 7º Exército do General Montgomery. No dia 8 de novembro do mesmo ano, é executada a Operação Torch contra Casablanca, Orão e Argel, marcando a entrada da África do Norte francesa na Guerra, inicialmente sob a insígnia do Almirante Darlan e da “revolução nacional“. Devido à campanha da Tunísia, na seqüência, o Eixo abandona a África.

Nessa conjuntura, verifica-se uma mudança na relação de forças na guerra aérea. Iniciam-se os bombardeios noturnos na Alemanha e, em seguida, o bombardeio estratégico pela frota de fortalezas e super-fortalezas, na tentativa de abalar as populações civis. Com o acréscimo do raio de ação da aviação e a utilização dos porta-aviões como escolta, os Aliados são finalmente senhores do mar e dos ares. Graças ao aperfeiçoamento do sistema de detecção, o Asdic, a frota submarina alemã entra em decadência. Enquanto isto, os Aliados iniciam a produção, em larga escala, do material que permitirá um grande desembarque, a exemplo dos landing ships.

Na frente russa, onde a infantaria desempenha novamente um papel decisivo, entram em cena o tanque Stalin, de 57 toneladas, e o avião Stormovik. Após uma nova ofensiva alemã em julho, que aniquila 30 de suas divisões, as forças se encontram irremediavelmente desiguais: 5 milhões de soldados russos contra 3 milhões de alemães extenuados. A superioridade material russa é reforçada pelo caráter absurdo das ordens de Hitler, proibindo o recuo. Ofensivas russas libertam definitivamente a Criméia, a Ucrânia e a cidade de Leningrado.

Paralelamente, na Itália, uma segunda frente de porte menor é improvisada. Em julho de 1943, o Sul é invadido em dois pontos: na Sicília e em Salerno. No entanto, as Tropas Aliadas são contidas na península por várias vezes, até a primavera de 1944. No Pacífico, vencedoras em duas batalhas aeronavais, as tropas americanas começam a se aproximar da costa japonesa.

Do lado Oeste, em dezembro de 1943, a Conferência de Teerã decidia pelo desembarque na Normandia. No dia 6 de junho de 1944, 4.700 navios desembarcavam com 75 divisões em dois portos artificiais. No Sul da França, na costa provençal, um segundo desembarque ocorre no dia 15 de agosto. Combinando a ação da Resistência com a utilização das tropas aerotransportadas e os bombardeios maciços, Paris é libertada das tropas alemãs, no dia 25 deste mês. Em fins de novembro de 1944, a França e a Bélgica já haviam sido reconquistadas.

No Leste, no início do verão do mesmo ano, as linhas de 1941 foram parcialmente reconstituídas. Em conseqüência de uma grande ofensiva na Europa oriental, a Romênia e a Bulgária assinam o armistício, a Hungria é invadida, e a Iugoslávia e a Albânia, apoiadas pelo exército russo, são libertadas pela ação dos partisans. Em dezembro, os blindados russos já se encontravam às portas de Varsóvia. Enquanto isto, as tropas britânicas retomam Creta.

Finalmente, depois da breve, porém violenta, contra-ofensiva alemã na região das Ardenas, em dezembro de 1944, a Vitória Aliada se torna incontestável por toda parte: Mussolini é derrotado pelos partisans italianos, Hitler se suicida em seu bunker, no dia 1º de maio, Berlim capitula no dia 2 de setembro, e o General Keitel assina a capitulação incondicional no dia 8.

Resta apenas o Japão, contra quem a União Soviética entra em guerra em 7 de agosto. Após a bomba atômica sobre Hiroxima e Nagasaki — 6 e 9 de agosto —, no dia 15, o Imperador Hiroito aceita o ultimato, lançado em Potsdam, de uma capitulação também incondicional que será assinada no dia 2 de setembro de 1945.

As duas bombas atômicas foram os “fogos de artifício” finais dessa Guerra atroz. Foram aproximadamente 200 mil vítimas em Hiroxima, 100 mil em Nagasaki, um saldo tragicamente aumentado pelo número de todos aqueles que sucumbiram à ação da bomba, 20 anos mais tarde. Não podemos deixar de lembrar que os dirigentes americanos, quando deram a ordem de lançar as bombas, estavam cientes de que o Japão queria negociar sua rendição. A partir de então, as experiências atômicas passarão a equivaler à explosão de cinco bombas de Hiroxima por dia.

Liberação e contra-revolução

Quanto à “liberação”, esta não constituiu simplesmente para as populações européias o fim de um pesadelo. Com a destruição ou a partida das tropas alemãs, o problema principal deixou de relevar a ordem militar, e passou a ser uma questão sobretudo política. Em todos os países da Europa, o Estado, destruído pela ocupação e seu governo desacreditado pela colaboração — como foi o caso de Vichy —, se torna de certa maneira ausente. Ele não poderia ser, pura e simplesmente, substituído, sem riscos, por uma administração direta das autoridades militares.

O maior perigo residia na subversão: por toda parte surgem movimentos operários, levantes populares, milícias e tropas armadas de partisans, organismos insurrecionais e comitês de fábricas. É o aparecimento de um movimento revolucionário, e por conseqüência do perigo possível de uma “dualidade de poderes“, e, no mínimo, de um choque violento com as tropas “libertadoras”. De um modo geral, onde isto lhes parecia indispensável, os Aliados enfrentaram esta situação com “soluções de substituição“. Por exemplo, na França, o governo provisório de Argel, dirigido pelo General De Gaulle, obteve, não sem dificuldade, seu reconhecimento. O General que, em 1940, queria apenas continuar o combate, se apresenta como a encarnação da continuidade do Estado. Na Bélgica, na Noruega e na Grécia, os Governos Reais, exilados em Londres, retornam com as Tropas Aliadas. Na Itália, um governo de União Nacional, dirigido por Bonomi que sucede a Badoglio, tem por missão, sob o rígido controle dos Aliados, assegurar a continuidade. Nos outros Estados europeus destruídos pelo nazismo, os tratados de Yalta prevêem a constituição de governos de união nacional, associando os partidos comunistas a todos os outros, e especialmente aos governos em exílio, como foi o caso da Polônia, da Iugoslávia e da Tchecoslováquia. Nos países aliados ao Eixo, a potência ocupante praticou uma política similar.

Na França, o prestígio do General De Gaulle cresceu de tal modo que obteve o apoio de diversos grupos e se tornou um símbolo nacional para todas as formações da resistência pertencentes ao CNR (Conselho Nacional da Resistência), presidido por Georges Ridault. Além disto, ele tinha a seu favor, apesar de seus conflitos particulares com Roosevelt, o reconhecimento e, portanto, um certo apoio por parte das Nações Aliadas. Outro apoio fundamental com que podia contar era o das forças armadas regulares nacionais: a divisão de Leclerc, o exército de Lattre. Setores decisivos da burguesia, que souberam passar para o lado da Resistência a tempo, também optaram por apoiá-lo, já que, para alguns, ele era uma espécie de salvador e, para os outros, “dos males o menor“. Por outro lado, todos os membros dos partidos políticos que hostilizaram ostensivamente Vichy, ou ao menos se identificaram pró-Aliados, também se mostraram favoráveis a De Gaulle.

No entanto, toda essa sólida retaguarda não se revelou suficiente para aliviar o General de dois de seus maiores temores: a criação em Paris de uma Comuna, e a influência do Partido Comunista Francês. Trata-se de um momento de intensos conflitos. O verão de 1944 é marcado por grandes movimentos de massa em todo o país. A importância política e militar do PCF e sua independência de ação preocupavam grandemente De Gaulle. Com efeito, o papel desempenhado pelos militantes do PCF nas organizações e nos organismos da Resistência foi preponderante: eles se encontravam, em maioria, na sua instância militar, CONAC, e estavam à frente de várias forças francesas do Interior, em um grande número de regiões. Por outro lado, nos últimos meses, assistiu-se à formação e ao armamento de milícias operárias patrióticas nas fábricas, o que permite uma concepção um pouco revolucionária da ordem. Finalmente, a partir do verão de 1944, o afluxo de adesões é crescente, não somente à CGT — dirigida pelo líder do Partido Comunista, Benoît Frachon —, mas também ao próprio PCF.

A proposta de De Gaulle é impor a unidade do Estado. Para combater os elementos do “segundo poder“, o apoio aberto dos dirigentes do PCF se torna uma condição sine qua non. Desta forma, a presença dos ministros comunistas no governo é mantida, e as milícias patrióticas contra as quais o PCF faz campanha são dissolvidas. Dentro desta mesma linha de ação, Maurice Thorez é anistiado. Este, por sua vez, em seu discurso de janeiro de 1945, decreta as novas palavras de ordem do partido: “Um só Estado! Uma só polícia! Um só exercito! Unir-se, combater, trabalhar: batalha da produção“. Ele denuncia, assim, a “greve — arma dos trusts“, e conclama todos a “arregaçar as mangas!“.

Em abril do mesmo ano, no Norte da Itália, explode uma insurreição operária, apoiada na greve geral, dispondo de 300 mil partisans armados. Durante dez dias, as Comissões Operárias permanecem à frente das fábricas. As CDL, onde estão representados principalmente os comunistas, os socialistas e o Partido de Ação, lideram as cidades e aldeias. Porém, assim que chegam as Tropas Aliadas, o Comitê Aliado, do qual participa um representante da União Soviética, ordena a dissolução do Comitê de Liberação da Itália do Norte, órgão da insurreição, assim como de todas as CDLN e a anulação de suas decisões. Também é declarado estado de guerra, o que permite suspender as liberdades reconquistadas, inclusive impondo o desarmamento dos partisans. Porém, houve resistência em aceitar estas medidas: um grande número de fábricas permaneceu nas mãos de operários, e regiões inteiras nas das CDL. Da mesma forma, muitos partisans não entregaram suas armas. A classe operária italiana, de um modo geral, apenas acatou as decisões sob pressão dos dirigentes do PC, ainda membros do governo. Aliás, graças ao apoio dos operários, o PCI, que em abril contava com 400 mil membros, em dezembro de 1945, vê o número de adesões crescer para 1,7 milhão. A CDL, por sua vez, ultrapassa os cinco milhões de membros. Este movimento, ao qual até uma parte da pequena burguesia aderiu, leva a direção do PCI a combater a presença em suas fileiras de “aventureiros e esquerdistas“, segundo a expressão de Togliatti, em seu discurso de 15 de maio, em Turim.

Na Bélgica, o Governo Real, dirigido pelo social-cristão Pierlot, juntamente com socialistas e comunistas, aplica uma política de “união”. No início de novembro, é decidida a dissolução das FI, o que, adicionado à situação econômica, gera uma explosão popular. Segue-se um grande movimento de manifestações de massa, imediatamente contido pelas forças britânicas. Os ministros comunistas pedem demissão. O governo Pierlot mantém os direitos ao trono de Leopoldo III.

No que diz respeito à liberação da Europa do Leste, segundo declaração de Molotov, em abril de 1944, os dirigentes da União Soviética asseguram a todos a sua vontade de não transformar o regime político e social dos países onde o Exército Vermelho tivesse penetrado. No entanto, The Economist, de fevereiro de 1946, mostra que

… o Exército Vermelho era precedido pelo mito revolucionário, e a certeza de sua chegada encorajava os elementos mais radicais da classe operária a ações revolucionárias (…) O esfacelamento do nazismo foi seguido de manifestações de um espírito de revolução social. Os operários tomavam as fábricas e resolviam entre eles o destino dos executivos nazistas ou nazificados.

Na Romênia, diante do avanço russo, das manifestações e dos levantes populares, o Rei Michel dá um golpe de Estado, manda prender o ditador Antonescu, e denuncia sua política pró-Alemanha. Ele forma, então, um governo de união, presidido por um General, que abre espaço para os sociais-democratas e, em seguida, em novembro, para os comunistas. Com a chegada do Exército Vermelho, a ordem é restabelecida. Quinze dias depois de Yalta, após o ultimato russo lançado por Vychïnsky, em março de 1945 é formado um Governo de Frente Nacional Democrática, dirigido pelo líder camponês Grozea, com três ministros comunistas.

Na Bulgária, no último momento, o governo declarou guerra à União Soviética. Com a aproximação das tropas russas, inicia-se uma greve geral, seguida de manifestações: finalmente, a bandeira vermelha é desfraldada em Sofia. No dia seguinte à entrada do exército russo, em maio de 1945, foram organizados um golpe de Estado e um governo de Frente Patriótica, dirigido pelo Coronel Georgiev, homem de direita, pelo líder agrário Petkov e por comunistas. Imediatamente, recorrem à dissolução das milícias e ao desarmamento dos operários.

O mesmo processo ocorre na Hungria: um governo provisório é criado em meio ao caos sangrento decorrente da instalação, em outubro de 1944, de um governo fantoche alemão. Composto por representantes de quatro grandes partidos antinazistas, este governo provisório é liderado pelo General Mitlos e instalado em Budapeste em fevereiro de 1945, em um quadro de absoluta ruína do país.

Nos outros países do Leste europeu, devido à diversidade de condições em que se encontravam, o processo de liberação se revelou bastante diferente. Na Tchecoslováquia, por exemplo, o governo de Londres de Edvard Benes é reconhecido por todos os Aliados e apoiado pelo partido comunista, o único que, apesar da repressão — três Comitês Centrais sucessivos detidos —, conservou uma organização no país. Foi apenas no último momento que se constituiu o Conselho Nacional Tcheco, dominado pela personalidade de seu vice-presidente, o comunista Josef Smrkovsky. Mais uma vez, The Economist descreve a verdadeira revolução que ocorreu no país com o esfacelamento do nazismo:

Os conselhos estavam estabelecidos em todas as cidades, vilarejos e bairrosos comitês que, haviam tomado praticamente todas as empresas durante a revolução, resultavam da ação dos comunistas clandestinos.

Na realidade, os Conselhos Nacionais e os Comitês Operários detinham o poder, contando com o apoio e o entusiasmo de uma população que aspirava em sua maioria ao socialismo, “talvez a única oportunidade de revolução social“, como escreveu F. Fejtö. Em março, Benes negocia em Moscou a nova formação de seu governo (dos 25 ministros, oito são comunistas), e a entrada de seu próprio partido na Frente Nacional dirigida pelo comunista Gottwald. O governo é presidido pelo social-democrata Fierlinger, ex-Embaixador em Moscou. Instalado em Kosice, no fim do mesmo mês, ele publica seu programa: restabelecimento do Estado tcheco; expulsão das minorias alemã e húngara; reforma agrária; controle estatal dos bancos e indústrias-chaves; aliança com a União Soviética. Em relação à situação que de fato vigora, ele é considerado por todos como minimum minimorum. Todos os que o observam — Ripka, Barton, Mnacko — reconhecem nele um freio no tocante ao movimento revolucionário.

No dia 5 de maio de 1945, Smrkovsky lidera uma insurreição em Praga, com o apoio de uma greve geral. Após quatro dias de combate, as tropas do General Koniev entram na cidade. E, em seu grande discurso, Gottwald declara que “não se trata de fazer uma revolução socialista“. Considerados um “segundo poder“, os sindicatos da cidade são dissolvidos, e uma progressiva ofensiva é dirigida contra os comitês de fábrica.

Na Polônia, a situação extremamente difícil gera uma divisão entre os Aliados. A tradicional violência dos sentimentos anti-russos dos nacionalistas poloneses é acrescida pelas execuções recentes de poloneses pelos russos e mais ainda pela repressão da Insurreição de Varsóvia, em 1944. O Governo no exílio em Londres possui um forte caráter anti-russo. Além disto, dispõe, no Ocidente, de forças armadas (o Exército de Anders), e é tido como autoridade reconhecida pelo Exército Interno (AK) esmagado em Varsóvia, mas durante muito tempo força motriz da Resistência. Os comunistas não têm força, foram perseguidos no período anterior à Guerra e seus líderes fuzilados por Stalin, em 1938. O Partido, ele mesmo, havia sido dissolvido por ser considerado um ninho de espiões. Reconstituído na Polônia, especialmente por Gomulka, ele criou suas próprias unidades, o Exército Popular (AL), que buscava o apoio dos operários e dos camponeses mais pobres, mas freqüentemente entrava em conflito com o AK, o Exército Interno. Depois da Insurreição de Varsóvia, ocorre um processo de transformação da Guerra em guerra civil: o AK constitui a NIE que mantém contra os russos a resistência armada, com formações mais à direita como o NSZ. Durante o inverno de 1944, os russos apóiam o Partido Operário e a União dos Patriotas, formada em Moscou. Ambos constituem um Comitê Polonês de Liberação Nacional, cujos marcos mais importantes se encontram nas mãos dos comunistas. Instalado em Lublin, este comitê vai estendendo sua autoridade ao país inteiro. Em Londres, assistimos à cisão entre a maioria do Governo em exílio (Arciszewski) e o líder camponês Mikolajczyk, que aceita, sob a pressão dos Aliados, o compromisso de Yalta e volta à Polônia, em junho de 1945, como Vice-presidente do Conselho. Na realidade, trata-se de uma verdadeira guerra civil — ações armadas, represálias, punições, repressão feroz e extermínio do que restou do AK — que constituiu o pano de fundo da instalação de um governo que se diz de união, mas que na verdade desfralda a bandeira de uma oposição armada. Esta situação permanece ainda em 1947, quando um dos chefes militares poloneses, o General Walter, cai em uma armadilha dos Brancos, provavelmente antigos integrantes do AK. Trinta mil resistentes pedirão, em 1949, o benefício da anistia então decretada.

A situação na Europa ocidental se mostra, de uma forma geral, ainda bastante precária. Em nenhum país é possível entrever a reedificação a curto prazo. No plano político, a herança dos governos de união é absolutamente catastrófica. No tocante à indústria, é dada prioridade ao armamento; o processo de readaptação é muito lento diante dos danos sofridos nas minas: a carência de carvão atinge cruelmente as fábricas, assim como os civis. Além disso, há também que enfrentar um problema que se alastra por toda parte: a depuração provocada pelas divisões profundas que se instalam nas relações políticas. Esta depuração sumária dos colaboradores dos alemães atinge também os representantes das classes dirigentes. Os esforços dos governos de união em extirpar a vingança dos tribunais populares e fazer exercer a justiça pelos tribunais regulares são muito mal recebidos, visto que o corpo dos magistrados se mantêm intacto. Na Itália e na Alemanha, os antigos fascistas e nazistas encontram apoio e até mesmo refúgio na Administração Militar Aliada.

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De um modo geral, a chave da normalização se encontrava nas mãos dos partidos operários, o PS e sobretudo o PC, cuja única e enorme influência — devida ao jogo de prestígio da União Soviética, a seu papel na Resistência e à implantação de sindicatos —, pode explicar a relativa calma que impera nesta zona decisiva, durante este período crucial. Mas esse esquema de liberação não se aplicou a toda a Europa: certas regiões fugiram do padrão determinado pelos Aliados e não seguiram a política por eles proposta até o fim, como foi o caso do PC iugoslavo e do movimento de massas na Grécia. Por outro lado, a Espanha franquista constitui um exemplo típico de não-aplicação da liberação esquemática.

Vejamos, primeiramente, como se deu o desenvolvimento original que abalou na Iugoslávia os planos de partilha e criou o fundamento de um grave conflito futuro com a União Soviética. Em um momento inicial, Tito ameaça resistir pelas armas a um possível Desembarque Aliado no território iugoslavo. Ocorre, então, uma verdadeira competição de velocidade dos partisans com o exército russo para a liberação de Belgrado. Os dirigentes do PC iugoslavo protestam oficialmente contra o comportamento do exército russo, a exemplo da prática de estupros. Em Yalta, os Grandes decidem a aplicação imediata do acordo Subastich-Tito, e este cede, apesar da indignação de seus partisans. No entanto, Subastich não tem base nem força armada, e não pode, por conseqüência, impedir a caça aos chetniks e a Mihailovic. Eles se juntam pela emigração para o grupo de políticos que pleiteiam uma Intervenção Aliada, inviável neste momento. O PCI e seus aliados da Frente Popular alcançam a maioria esmagadora com a Constituinte eleita em janeiro de 1945. Rapidamente o país entra, por meio de nacionalizações e de uma reforma agrária radical, no processo de “construção do socialismo”. Não se trata aqui, como se pensou na época, de uma vitória de Stalin, mas de uma derrota que ele nunca esquecerá. Ela implicara no prolongamento da política de ruptura com a burguesia, começada durante a guerra pela atuação dos partisans.

Sobre a Grécia, é preciso ressaltar a contradição existente entre as decisões tomadas pelos Aliados e a vontade popular, expressa na ELAS, que os primeiros se esforçam em aniquilar. Após a evacuação alemã de Atenas, no dia 12 de outubro de 1945, a ELAS se apossa do país, em nome do governo Papandreou, que chega no dia 18, seguindo o exército britânico de Scobie. Porém, rapidamente o descontentamento se propaga: a economia se encontra em uma situação caótica, o governo protege os colaboradores e conserva os sinistros Batalhões de Segurança. Prevendo um choque, Churchill envia do Egito a Brigada de Montanha, a tropa de guerra civil.

Em 28 de novembro, Papandreou anuncia a dissolução de todos os grupos armados da Resistência. Os comunistas aceitam mas exigem também a dissolução da Brigada de Montanha. Em seguida, pedem demissão. No dia 3 de dezembro, o PC grego e o EAM organizam uma greve geral e manifestações que são reprimidas pela polícia, com um saldo de 28 mortos em Atenas. Iniciam-se, então, os combates entre a ELAS e as tropas britânicas, assistidas pelos corpos regulares e os colaboradores. Em seu discurso às Comunas, Churchill anuncia:

Trata-se de um combate de três ou quatro dias destinado a prevenir um massacre horrendo nos centros de Atenas, de onde todas as formas de governos foram varridas, e onde havia o risco da instalação do Trotskysmo nu e triunfante.

Depois de 33 dias de combate, a ELAS, derrotada apenas em Atenas, assina um armistício, sob a pressão do PCG. Em 12 de fevereiro, fixando as modalidades do desarmamento da ELAS, o adiamento das eleições e a não-participação da EAM no governo, são assinados os Tratados de Warkitsa com o governo Plastiras. Simbolicamente, Kapitanios Aris Velouchiotis — que condena esses acordos como uma capitulação — é denunciado pelo PC como traidor, caçado pelos brancos que triunfam sob a asa dos britânicos e assassinado no dia 16 de junho de 1945, sendo sua cabeça exposta em praça pública.

Ressaltemos o fato da revolução e da contra-revolução terem sido mal contidas na Grécia. No final de 1946, apesar das reticências do PC grego, como reação defensiva ao Terror Aliado, e, sem dúvida, sob a pressão do PC iugoslavo, um exército de partisans é reconstituído nas montanhas sob o comando do General Markos, beneficiado com a ajuda iugoslava.

Quanto à Espanha, seu caso foi levantado em Potsdam por Stalin, mas não foi solucionado. Este preferiu não insistir. Apesar da presença na frente russa da Divisão Azul espanhola, ela não foi beligerante, e, portanto, não havia necessidade de uma liberação. O PCE fracassou no objetivo de formação de uma união nacional, à qual se opunham socialistas e anarquistas. Em setembro de 1944, a tentativa de aproximadamente vinte mil resistentes espanhóis vindos da França de penetrarem em território espanhol — que conta com a reticência do PCE — é mal sucedida, chocando-se com o exército de Yague. Ela tem seu fim na ordem formal de retirada de Santiago Carillo.

Durante os anos de incerteza — a noche negra — que se anunciam, o regime se sustenta pela repressão e pela convicção dos Aliados de que ele, ao menos, garante a ordem. Logo no início de 1945, a aviação dos Estados Unidos utiliza, na Espanha, aeródromos que se tornarão bases militares. O apoio dos Estados Unidos a Franco já é então explícito. No N. Y. Journal América, de 14 de fevereiro de 1945, lemos:

Com a derrota iminente da Alemanha e sua destruição enquanto bastião contra o comunismo, a Espanha e Portugal assumem o papel de barreira contra a onda vermelha“.

Da mesma forma que não houve um V Day, mas uma série de capitulações que se prolongaram durante meses, a “ordem” não foi restabelecida em pouco tempo na Europa. Até mesmo na Grécia, onde o conflito se tornou uma verdadeira guerra, os partisans retomarão as armas dois anos após sua derrota. Será preciso aguardar durante mais de vinte anos, até o golpe de Estado dos coronéis, para destruir, apenas por alguns anos, o movimento operário e popular. Na França e na Itália, durante praticamente três anos, a burguesia teve de continuar recorrendo aos ministros comunistas. Desse ponto de vista, a longa reconstrução da Europa, incluindo a liberação da Bélgica e seu interminável problema Real, dá uma idéia da dificuldade.

No momento em que a revolução consegue ser contida na Europa, ela abala novamente, com sua atuação na Ásia, a partilha do mundo e as concepções conservadoras da “Santa Aliança” de Yalta. Com efeito, Yalta e Potsdam foram os cenários escolhidos pelos grandes para disporem do mundo que, de acordo com o que acreditavam, estava à sua disposição. No entanto, para que isso fosse verdade, seria necessário paralisar o curso da história ou, se preferirmos, congelar o conflito entre as classes, gerado por contradições reais, ainda mais agravado pela Guerra.

Apenas dois anos após o final oficial da Guerra, o frágil equilíbrio então é questionado de novo no mundo inteiro. Apesar do apoio à “ordem” dado por Stalin e pelos partidos comunistas nacionais, as barreiras se revelam por demais insuficientes: as transformações na Europa do Leste são profundas e não correspondem ao plano pré-estabelecido; a difícil reconstrução obtida na Europa ocidental se mostra extremamente frágil; brechas preocupantes são abertas na Ásia no sistema Yalta-Potsdam. Como conseqüência desse novo pano de fundo, inicia-se uma outra espécie de guerra, “fria“, na qual se engajam os Estados Unidos, decididos a assumir a hegemonia mundial e as responsabilidades que dela decorrem.

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Na Ásia, ocorre um processo que leva o continente — que praticamente não conheceu trégua — da Guerra à guerra civil. Os dois anos que seguiram o final da Guerra se mostraram bastante semelhantes aos acontecimentos ocorridos na Grécia e na Iugoslávia, pela precariedade da paz que se instalou. Mas, na realidade, a situação foi muito mais complexa devido a certos fatores como: a atitude ambígua do Japão; a solidariedade asiática a alguns de seus comandantes locais; a oposição que surge entre as antigas potências da Europa ocidental, que procuram fórmulas para conservar seu Império e o imperialismo norte-americano, anticolonialista, cuja proposta é aniquilar todas as barreiras que se opõem à sua expansão; o esfacelamento do sistema colonial que, após a capitulação japonesa, abre um vazio político no qual se precipitam os povos asiáticos colonizados, levando consigo os dirigentes dos movimentos nacionalistas e dos PCs, muito além do que eles gostariam.

Na Indonésia, os nacionalistas (Hatta, Sukarno), levados pelos japoneses e pelo movimento popular, proclamam a independência. O governo holandês se esforça em retomar sua posição, menos em Java. Mas, em outubro de 1946, são feitos os Acordos de Linggadgati, que reconhecem a independência. Novos empreendimentos holandeses levam à ruptura dos Acordos e à retomada dos combates armados em seqüência às operações de polícia visando a integração da República numa Federação. O poderoso PC indonésio sustenta o governo nacionalista do PNI, cujos compromissos são criticados à esquerda pelo partido Marba do velho comunista Tan Malakka. Quando a Guerra Fria começa, a guerra ainda não havia cessado e o massacre dos comunistas, em 1947, é apenas o primeiro de uma longa lista.

Na China, assistimos ao fracasso da “união sagrada”. Logo no início de 1944, os esforços do General americano Stilwell para reconciliar nacionalistas e comunistas vai de encontro à intransigência de Chang Kai-Chek, apesar da boa vontade e das concessões dos dirigentes comunistas, que apenas recusam entregar-se. A partir de agosto de 1945, ocorre uma verdadeira caça aos territórios. O território ocupado pelos japoneses é confiado a seus colaboradores chineses, encarregados de assumir o comando para evitar a ocupação pelos comunistas. Esta transmissão de poder é assegurada pela ponte aérea americana que conta com 80 mil homens. Mas os comunistas, não obstante estarem sem acesso às cidades e muitas vezes retidos, até mesmo pelo exército russo, continuam a estender sua influência. Nas cidades que foram por eles retomadas, Chang organiza uma repressão feroz, especialmente em Xangai onde ele esmaga uma greve geral. As negociações continuam nesta “paz estranha”, mas são rompidas em outubro de 1945.

O General Marshall é então incumbido de uma missão extraordinária na China: os esforços são concentrados no projeto de formação de um governo de união. Mas Chang se opõe obstinadamente a uma conciliação com os comunistas. Sob suas ordens, cresce a repressão às manifestações nas cidades de Xangai e de Pequim. Enquanto isso, a China se submete a uma situação de hipocolônia dos Estados Unidos, que a apóiam (57 divisões são armadas e equipadas pelos Estados Unidos), apesar do fracasso da tentativa de conciliação destes. Em janeiro de 1947, quando chega ao fim a Missão Marshall, a guerra civil, que até o momento havia prosseguido numa sucessão de tréguas, generaliza-se ininterruptamente.

Já na Índia, a situação se revelou bastante tensa desde a repressão ao levante de agosto de 1942. Apesar do progresso da industrialização, a inflação assola a população. O ano de 1943 é marcado pela fome do século em Bengala, onde os circuitos de distribuição foram bloqueados para as requisições. Para muitos britânicos, a Índia é apenas um grande fardo (a dívida britânica ultrapassa os 4 bilhões de dólares em 1945) e a persistência do terrorismo alimenta a vontade de descolonização. Em março de 1946, Attlee envia uma missão ministerial para negociar a independência — projeto de união federal que concedia às províncias muçulmanas um status diferenciado, sem, contudo, permitir o rompimento. Mas no dia 10 de julho do mesmo ano, a necessidade da soberania da Constituinte prevista é reafirmada na declaração de Nehru. Alguns dias depois, a Liga Muçulmana rompe o acordo e se pronuncia em favor de um Paquistão separado. Menos de um mês após o pronunciamento (16 de agosto), explodem manifestações sangrentas na cidade de Calcutá, com um saldo de seis mil mortos. Conflitos e motins se sucedem nas unidades indianas do exército. Aos aviadores e marinheiros de Bombaim juntam-se os operários. A volta dos homens do INA, defendidos pelo Congresso, provoca grande agitação.

Em 20 de fevereiro de 1947, Attlee anuncia nas Comunas que as autoridades britânicas, em junho de 1948, desvencilhar-se-iam de suas responsabilidades no território indiano. A independência, doravante certa, será o início de uma guerra civil, de um banho de sangue provocado pelos antagonismos religiosos e nacionais. Eles não serão, no entanto, os únicos fatores. A agitação camponesa no Telengana (província de Hyderabad) se transforma no mesmo ano em uma insurreição, com redistribuição de terras e execuções dos landlords e funcionários.

Em todo caso, para os amadores de filosofia da história e especialmente aqueles para quem as revoluções não passam de um caos sangrento, cabe relembrar, aqui, as conseqüências de uma independência conquistada sem revolução social, em um quadro determinado pelo imperialismo colonizador.

A independência da antiga Índia inglesa rasgou tragicamente o território em três fragmentos: o Ceilão, a nova Índia e o Paquistão. A transferência se deu sob a autoridade do Lord Mountbatten, último governador geral. Durante meses, os conflitos religiosos e radicais transformam o país em uma “Índia de fogo“: uma dupla guerra civil assola a fronteira do Punjab que corta ao meio o território habitado pelos sikhs. Aproximadamente 500 mil pessoas morrem nessa sucessão de massacres e os êxodos maciços são a solução encontrada pelos cinco milhões que deixam o Paquistão para a Índia e pelos seis milhões que de lá fogem. Apenas em janeiro de 1948, após consideráveis esforços pela paz, especialmente de Gandhi, uma ordem relativa se instala. O assassinato de Gandhi, no dia 20 de janeiro de 1948, por um fanático nacionalista hindu, talvez seja o maior símbolo da extrema complexidade da situação que descrevemos.

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As conseqüências na Europa também não seguiram o curso que se esperava, de acordo com o mito que representava a liberação. Esta não significou uma mudança rápida das condições de vida mas, obviamente, se fazemos a abstração dos sofrimentos diretos causados pela Guerra, sua agravação. Durante os dois anos que seguem o fim das operações, após a contenção vitoriosa da revolução, a situação econômica e social européia beira a catástrofe. Um indício significativo deste processo é a data das primeiras eleições que visavam formar um governo “democrático”, de acordo com a promessa que havia sido feita. Na Holanda, elas ocorrem doze meses após a liberação de sua capital; na França, treze meses depois; na Tchecoslováquia, quatorze; na Bélgica, dezessete; na Itália, apenas dois anos depois.

Não pretendemos recorrer a um estudo exaustivo para mostrar a situação complexa em que se encontrava a Europa ocidental no pós-Guerra imediato, mas nos contentaremos em fornecer alguns números indicativos e exemplos obrigatoriamente limitados. Primeiramente, no que diz respeito à economia, apesar da batalha pela produção abraçada em todos os países pelos chefes do movimento operário, a situação se caracterizou pela extrema lentidão da reconstrução. Na França, a produção industrial de 1944 não passa dos 30% da produção de 1938 e atingindo apenas 50% em 1946. A Holanda alcança os 60% em janeiro de 1946. A Alemanha que, pela guerra em si, perdeu mais de um terço de seus homens adultos e 50% de suas riquezas naturais, vê-se privada do valor de 300 milhões de dólares na zona ocidental e 4 bilhões para a zona russa, ou seja, 70% do potencial industrial. O balanço acusa, portanto, uma situação financeira catastrófica, um déficit gigantesco no orçamento (seis vezes superior ao de 1938 na França), uma circulação fiduciária excessiva que gera uma inflação galopante. O problema do abastecimento se agrava. O mercado racionado oferece aos alemães apenas 1.000 calorias diárias contra as 1.500 necessárias e aos franceses apenas sete quilos de açúcar por ano no lugar dos 25 de antes da Guerra. Os dois outros mercados, o cinza, baseado no sistema alemão de troca, e o negro, oferecem praticamente tudo a preços astronômicos, absolutamente fora do alcance dos assalariados e da massa da população. De um modo geral, houve um aumento salarial após a liberação, mas que não acompanhou, em hipótese alguma, os preços, e, em relação ao período anterior à Guerra, o salário real sofreu uma queda de 50%. O desemprego continua: 300 mil desempregados na Bélgica em 1945, 4 milhões na Itália em 1946.

Essa crise que se alastra por todo o território europeu lembra, de forma trágica, a situação da Alemanha depois do fim da Primeira Guerra Mundial: as regiões bombardeadas e os centros industriais estão à mercê de uma assustadora crise de moradia (na Alemanha, apenas 1/4 das habitações foram reconstruídas em dezoito meses); a mortalidade, especialmente a infantil, e as doenças progridem impiedosamente; e, finalmente, os fenômenos de decomposição: bandos de crianças abandonadas circulando na Itália e na Alemanha (em Brandeburgo o número é avaliado em dez mil), prostituição em larga escala, tráficos de toda espécie e fortunas insolentes constituídas às custas do mercado negroThe Economist faz um balanço da situação alemã no final de 1946, cunhando a expressão acumulação apocalíptica de desastres, para caracterizar o caos reinante. Quanto ao Manchester Guardian, de 8 de fevereiro de 1947, lemos:

Apenas o terrível frio, a apatia por estar continuamente esfomeado e uma miséria humana além de todo o pensamento de revolta impedem a exploração de levantes desesperados.

A situação da França não é tão desesperadora quanto a alemã. No entanto, homens políticos e de negócios, em 1946, chegam a compará-la à Alemanha de 1923 ou, ao menos, evocam sua falência financeira.

Em grande parte da Europa, no âmbito político, assistimos ao desgaste dos governos de coalizão. Os partidos operários, socialistas e comunistas participam destes governos, já que sua presença parece necessária — após a liquidação dos elementos de “duplo poder” — para dar uma coloração “socializante” às medidas de proteção à economia e às nacionalizações. Com efeito, as reformas constituem uma das conquistas operárias mais perigosas (as comissões internas italianas são transformadas em comitês de empresas). A participação efetiva desses partidos se revela indispensável para moderar, e até mesmo impedir, quando necessário, as reivindicações operárias e para convencê-los da necessidade dos sacrifícios para reconstrução da economia.

Pouco a pouco, o mapa político adquire novas formas. A direita quase desapareceu e o que ainda resta dela aderiu, de um modo geral, aos novos partidos cristãos: PSC na Bélgica e na Alemanha, MRP na França e DC na Itália. Os movimentos de resistência perdem sua definição e seus chefes passam a integrar os partidos tradicionais. Os partidos de coalizão — inclusive os comunistas — gabam-se, no entanto, do programa da Resistência que não vai além de um certo número de reformas de estrutura. As batalhas políticas travadas em torno das novas Constituições apresentam cisões: por um lado, o Rei Leopoldo III da Bélgica cristaliza à sua volta os elementos das classes dirigentes que querem um Estado forte, mas terá de ceder diante das manifestações de rua; por outro, o General De Gaulle entra em conflito com o regime de partidos, deixa o poder com a coalizão tripartide, colocando-se na reserva, como campeão de um regime bonapartista.

A inflação e a queda do nível de vida provocam, na França, um levante operário que a polícia sindical não consegue impedir. As greves da imprensa e, em seguida, dos correios, são combatidas com afinco pela direção da CGT e pela fração comunista dessa confederação. Em fevereiro de 1947, a greve da Renault, na qual aparecem os trotskystas, vai de encontro às diretrizes da CGT e do PCF. Ela é um exemplo da onda de greves que durante meses abarca todas as corporações.

Na Itália, em 1945, havia sido necessária a atuação do PCI para efetuar o desarmamento parcial das unidades de partisans. Seu descontentamento, alimentado pela miséria e pelo desemprego, cresce à medida que a imprensa os ataca, denunciando seus crimes e a depuração contra os fascistas, que possui um caráter bastante limitado. Em 22 de agosto de 1946, começa o que o historiador Piscitelli chama de “rebelião partidária“: centenas de partisans armados ganham a montanha e proclamam o Comando Geral dos Partisans Revolucionários. O movimento se estende por todo o Norte do país. Em Pallanza, uma prisão é atacada para libertar partisans acusados. O governo de Gasperi negocia com uma delegação vinda de Roma e faz importantes concessões materiais. O Partido Comunista e o Partido Socialista conseguem, com muito esforço, convencer os líderes dos partisans a porem fim à insurreição.

Na Alemanha, depois do terrível frio do inverno de 1946-1947, também começa uma onda de greves. No dia 2 de abril, 300 mil grevistas se reúnem no Ruhr contra a fome (a ração alimentar havia caído para 800 calorias na zona americana e 750 no Ruhr), e mais 250 mil outros manifestantes se aglomeram nos grandes centros urbanos. Os dirigentes sindicais sociais-democratas se vêem submersos pelo movimento que escapa a seu controle, atingindo inúmeras cidades, e que reivindica a abertura dos livros contábeis e o controle operário.

Na Espanha, onde ainda há 200 mil prisioneiros políticos, e onde, neste mesmo ano de 1947, Manuel Rodriguez e Cristino Garcia são fuzilados, inicia-se, no dia 1º de maio, em Bilbao, a primeira grande greve depois da Guerra Civil. Ela contou com a participação de sessenta mil grevistas e, no dia 7 de maio, resultou em seis mil prisões.

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Dessa forma então, dois anos após o final da Guerra, a população se levantava contra às próprias direções dos partidos que lutaram pela união e a paz civil. Não seria este o espectro da revolução que ressurgia?

Os governos de “união” do Leste não tinham a revolução social em seu programa, mas apenas o estabelecimento de regimes aliados à União Soviética. Lá também, os PCs, que se beneficiaram da presença e do apoio do exército russo, tiveram de pagar um alto preço. Na Alemanha , os comitês antifascistas são dissolvidos; lá e na Tchecoslováquia, os conselhos de empresas são integrados, os sindicatos reorganizados (a direção do ROM tcheco passa a ser designada pelos partidos de coalizão). No entanto, a desagregação da burguesia após a ocupação e a derrota alemãs, a necessidade de controle pelos ocupantes, e a necessidade de responder, ao menos aparentemente, às aspirações das massas que esperam da democracia popular a aniquilação da burguesia e da aristocracia fundiária levam, num primeiro momento, à nacionalização dos bens industriais e comerciais pertencentes aos nazistas, aos seus colaboradores e a outros alemães, em outras palavras, das empresas privadas. A realidade precedeu a lei. Paralelamente, ocorre uma reforma agrária que expropria sem indenização as terras dos junkers, dos magnatas ou ainda das minorias alemãs expulsas. A média, quando ela subsiste, e a pequena burguesia aliam-se aos partidos camponeses de inspiração social-cristã, membros da coalizão: Partido Popular, na Polônia; Partido Socialista Nacional, na Tchecoslováquia; Partido dos Pequenos Camponeses, na Hungria; Partido Nacional-Camponês, na Romênia; Partido dos Agrários, na Bulgária. Estes partidos obtêm resultados nas eleições — nas quais eles se apresentam separadamente, quando é possível — que não podem ser negligenciados. Os PCs que, em geral, controlam a polícia, constituem o núcleo de organizações e dos partidos sociais-democratas com os quais, muitas vezes, chegam a fusionar.

Em todos os países do Leste, são executados planos que, a curto prazo, visam a reconstrução. Quando analisados em relação à situação inicial precária e ao ponto de partida catastrófico, os resultados se revelam positivos. O nível de vida dos operários aumenta na Polônia e na Hungria e não diminui na Tchecoslováquia. O mercado negro é severamente punido, muitas vezes com medidas extremas, como o bloqueio das contas bancárias na Alemanha do Leste. Por outro lado, na Iugoslávia, onde o conjunto da indústria havia sido nacionalizado desde 1946 e a burguesia cassada da vida política, um plano bem mais ambicioso, calcado no modelo russo, é adotado. É um início de revolução, limitada e estreitamente controlada, que se realiza nesses países. Paralelamente, no entanto, inicia-se o desenvolvimento de uma burocracia de Estado pletórica, que absorve grande número de elementos instruídos das antigas classes detentoras, sempre submetida a um controle rigoroso por uma polícia política controlada pelos dirigentes dos PCs e sob o domínio soviético.

Artigo extraído do portal marxists.org.

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