“Feminização do Trabalho”, educação e o papel da escola

A escola é pilar estruturante da divisão sexual do trabalho.

Sara Azevedo 23 maio 2020, 14:16

Por séculos, as mulheres exerceram (e ainda exercem) o papel de reprodução da vida, sobretudo a partir de uma lógica calcada na repressão, que buscou mantê-las compulsoriamente limitadas à esfera doméstica ou reprodutiva. Com o avanço da luta feminista por inclusão no mercado de trabalho, o sistema capitalista-patriarcal disputa a manutenção da “divisão sexual do trabalho” com a romantização da vida doméstica, do lar. E isso fica mais evidente nesse momento de isolamento social, no qual os trabalhos produtivos e reprodutivos se acumulam. E, em face da pandemia e da crise do capital, com a  necessidade de mão de obra barata para o pós-pandemia com vistas à manutenção do sistema econômico, volta a cena, de maneira impositiva e brutal, o trabalho da reprodução.

Aliado ao labor doméstico, o trabalho do cuidado, que, como pontua Tithi Bhattacharya, compreende atividades ou instituições voltadas para a produção da vida, evidencia o trabalho de reprodução social da vida no centro da manutenção e sobrevivência humana. Quanto maior o nível de cuidado do trabalho, maior a precarização, maior a exploração e maior o perigo na política de reprodução social da mão de obra para a manutenção do sistema. O mundo do trabalho do cuidado é composto de postos laborativos majoritariamente femininos e extremamente pauperizados, com os menores salários e as piores condições.

Nesse espaço, a escola se torna uma estrutura fundamental, como um pilar estruturante da divisão sexual do trabalho, no qual ela é organizada e há a preparação para o trabalho. Ademais, é o local em que se desenvolve o projeto ideológico de subordinação da vida à lógica do lucro. É nesse espaço que se avança na formação da classe trabalhadora, o que, no capitalismo, se constitui enquanto a preparação para a produção de coisas ou do lucro. E é nesse contexto que se constroem e se estabelecem projetos de educação e perpetuação da ideologia dominante e da regulação das massas. 

Todo esse debate não surge do nada. Em um momento de pandemia, é o trabalho do cuidado e da reprodução da vida que são requeridos. Manter a vida e reproduzi-la para a manutenção do sistema é uma necessidade inerente ao seu próprio funcionamento.

O capital minimiza os custos e maximiza os lucros. Na educação, aparecem as propostas de teleaulas e de educação à distância (EAD). Trata-se da flexibilização para a dominação e o controle dos corpos. A profetização de uma docência arcaica e ultrapassada existe para a construção e o domínio da política de diminuição de custos e da prevalência da informação em detrimento da formação humanística. 

Vivemos um processo acelerado de modernização da educação e da escola. Ou seja, uma nova preparação técnica e ideológica da nova trabalhadora na cena do pós-pandemia. Uma modernização conservadora, mantendo estruturas pedagógicas atrasadas, instituindo um processo de ensino e aprendizagem fundados em meros conteúdos e aulas expositivas, o que Paulo Freire já chamava de “educação bancária”.

Questionar o modelo de educação e de sociedade são fundamentais. Aqui se encontram as teorias feministas marxistas e da educação transformadora. É preciso olhar para a educação com a lente do feminismo. A modernidade necessária está na caracterização do papel da escola e da educação no mundo do trabalho do cuidado. Tal espaço requer uma mudança qualitativa em torno de sujeitos e paradigmas. 

A formação transformadora e emancipadora precisa estar a serviço da mudança na perversa lógica da divisão sexual do trabalho e no trabalho reprodutivo. Portanto, estamos disputando o futuro. As medidas de emergência são fundamentais como garantias de condições básicas à formação e à informação. Assim como a alimentação garantida pelo Estado a todas as crianças e adolescentes, medidas protetivas sociais para todos e ainda a negação a esses projetos privatizantes de educação. Porém, é crucial a disputa do papel da educação e sobre que bases se dará o ponto de inflexão desse novo futuro, de forma que o “amanhã não seja só um ontem com um novo nome” (Amarelo, Emicida).

Referências

MARCELINO, G. Capitalismo, reprodução social e uma agenda feminista para a crise. Revista Movimento, 2020. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2020/05/capitalismo-reproducao-social-e-uma-agenda-feminista-para-a-crise/

BHATTACHARYA, T.; JAFFE, S. Reprodução social e pandemia – entrevista com Tithi Bhattacharya. Revista Movimento, 2020. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2020/04/reproducao-social-e-a-pandemia-com-tithi-bhattacharya/.

SOARES et al.Coronavírus, educação e luta de classes no Brasil. Editora Terra Sem Amos: Brasil, 2020. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/coronavirus-e-a-luta-de-classes/


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi