Sobre a Frente Única e tática eleitoral

Um debate com Valério Arcary e a Resistência.

Estevan Campos 28 abr 2021, 11:58

Em recente artigo publicado no site da revista Jacobin Brasil, Valério Arcary apresenta sua defesa de uma Frente Única com um programa anticapitalista. Do nosso ponto de vista, há uma confusão sobre a tática da Frente Única, que leva Valério a defender uma candidatura única da esquerda, com Lula candidato. Neste ensaio, pretendo demonstrar a base da confusão entre Frente Única e Frente Eleitoral, apontando sua concepção historicamente defendida pelos trotskystas.

Qual é o debate no PSOL?

No início do texto, Valério afirma que as mudanças recentes na conjuntura anteciparam os debates congressuais no PSOL, dividindo o partido em três posições quanto à tática para 2022. Apontando uma posição como oportunista (Freixo), uma sectária (MES e outras organizações) e a sua própria, que seria, na sua compreensão a posição “revolucionária consequente”. Esse é um excelente recurso retórico, mas o fato é que nas grandes polêmicas, como regra, existem duas posições, não mais. Ainda que entre os que defendam uma ou outra posição existam as nuances, diferentes justificativas, tradições, etc. Indo para o concreto, o debate no PSOL neste momento se divide em duas posições: apoiar Lula já no primeiro turno ou lançar uma candidatura própria do partido. Duas posições, não mais, esse é o debate colocado para o PSOL no seu VII Congresso.

Como disse, dentro dessas duas posições, existem nuances. Dentre aqueles que defendem apoiar Lula já no primeiro turno, estão organizações que bebem na fonte do marxismo revolucionário, de tradição trotskista, como a Resistência (de Valério), Insurgência e Subverta, e também organizações reformistas como a Primavera Socialista e a recém fundada Revolução Solidária de Guilherme Boulos. Diferentes tradições, diferentes programas e uma posição. Da mesma forma, além do MES, outras organizações, com diferentes motivos e justificativas, defendem a candidatura própria do Partido. De nossa parte, o ponto de vista do MES para fundamentar essa posição está bem exposto no texto de Roberto Robaina, em resumo: a regra é candidatura própria, podendo haver exceções, a que se aplicaria no Brasil é se a candidatura do PSOL pudesse representar um obstáculo a presença da oposição de esquerda no segundo turno, o que não parece ser o caso, já que o quadro atual aponta para a presença de Lula no segundo turno, com larga vantagem sobre as outras candidaturas.

Digo isso, e acho importante, pois os debates entre MES e Resistência têm sido frequentes dentro do PSOL, muito pelo fato de termos a mesma origem e reivindicarmos a mesma tradição. É um debate entre organizações revolucionárias e, como tal, deve ser feito com respeito e dizendo as coisas como se pensa. A Resistência, assim como outras organizações citadas, são organizações revolucionárias, mas tem defendido posições centristas que se expressam no debate em torno do tema da tática da Frente Única, uma tática cara aos herdeiros do trotskismo e que, como pretendo sustentar nesse texto, tem sido objeto de muitas confusões por parte dos companheiros.

Inicio o debate pelo que entendo serem as confusões em torno do tema, resgatando as formulações de Trotsky sobre o tema. Na sequência aponto alguns outros equívocos e “esquecimentos” no texto de Valério que são detalhes e, como detalhes, revelam muito das posições expostas por ele.

A tática da Frente Única

Para sustentar sua concepção de Frente Única, Valério parte de algumas premissas corretas, com as quais, inclusive, tenho acordo. Em primeiro, coloca que no momento pelo qual passamos, nada é mais importante do que derrotar Bolsonaro; em segundo lugar, que para derrotá-lo, precisamos de ampla unidade no movimento. Tenho total acordo com as duas afirmações. Aliás, para nossa organização, derrotar Bolsonaro “é a prioridade 1, 2 e 3”, mas, para nós, a partir dessa premissa devemos construir nossa posição anticapitalista independente. Mas vamos adiante, afirmando o acordo quanto a esses dois pontos.

Além deste ponto, ainda temos acordo em outra premissa da tática da Frente Única, que é não aparecer aos olhos do movimento de massa “como um obstáculo para a luta cotidiana do proletariado”, essas são as palavras de Trotsky sobre o tema. E é aqui que começa a confusão (se intencional ou não, não cabe avaliar) entre Frente Única e Frente Eleitoral, que Valério produz para sustentar sua posição de apoio a Lula já no primeiro turno. No texto, essa preocupação, que foi também de Trotsky ao elaborar sobre a Frente Única, aparece misturando os dois temas, da Frente Única e da Frente Eleitoral: “O PSOL lançou candidatura própria em todos os primeiros turnos desde 2006. Mas, se o fizer em 2022, agora que Lula pode concorrer, corre o risco de ser percebido como um obstáculo para a derrota da extrema-direita, o que seria fatal”.

Mas a confusão se aprofunda em seguida, quando afirma que:

A luta pela Frente Única de classe deve responder à questão que mais interessa às massas: o poder. Quem deve governar? Não podemos responder: o PSOL ao poder. O centro da tática da Frente Única é o desafio que os revolucionários dirigem às lideranças reformistas majoritárias: rompam com a burguesia e assumam um programa anticapitalista. Essa é a maior lição que herdamos de Lênin. Esse foi o segredo da política bolchevique entre fevereiro e outubro. Lenin e Trotsky defendiam a agitação de todo o poder aos sovietes. Quem dirigia os sovietes? As lideranças moderadas mencheviques e esseristas. (ARCARY – Por uma Frente…)

Em primeiro lugar, segundo Trotsky, a FU responde ao impulso e à necessidade de unidade que a classe sente “para as suas ações”. E nem sempre as ações da classe, no enfrentamento contra a burguesia, a questão do poder está colocada. Aliás, na maioria das vezes não está colocada. Ainda assim, “a luta não cessa” nos momentos de preparação. A classe sente a necessidade de ampla unidade em suas ações contra o capital, na defesa de seus interesses, mesmo quando não está posta a questão do poder, “as massas trabalhadoras sentem a necessidade de unidade nas ações, da tanto na defensiva contra o ataque do capital, como na ofensiva contra este”. Esse é um dos pilares da tática da Frente Única.

A questão do poder pode estar posta para a Frente Única, esta é uma tática também aplicada aos momentos de ofensiva da classe. No entanto, não é o que está no centro das preocupações da classe trabalhadora brasileira hoje, infelizmente. O que está em jogo hoje, é a luta pela vacina, contra a miséria (luta pelo auxílio em valor adequado) e pela saída do Bolsonaro, que devemos apresentar como condição para atender as duas demandas imediatas da classe. Esse é um programa possível para uma Frente Única, mas para a ação, não para 2022.

Além de errar quanto a esta ser a preocupação central das massas, Valério comete um erro ainda mais grave para quem quer, como diria Trotsky, “lutar para ampliar sua influência sobre a maioria da classe operária”.

À pergunta “quem deve governar?”, Valério é definitivo ao responder, “Não podemos responder: o PSOL ao poder”. Nada poderia ser mais distante das lições de Lenin. Essa postura me lembrou uma passagem sobre a Revolução Russa, descrita no excelente livro Outubro[1], de China Miéville. Tseretiéli, líder menchevique, confrontado no I Congresso dos Sovietes pelos bolcheviques:

[…] justificou a colaboração do Soviete com a burguesia. “No momento atual”, disse ele aos delegados reunidos, “não existe nenhum partido político na Rússia que diga: Dê-nos o poder”.

Das profundezas da sala veio uma resposta imediata.

“Esse partido existe”, gritou Lenin. (MIÉVILLE, Outubro, p. 146)

“Não podemos responder: o PSOL ao poder” … Quanta diferença.

O mais contraditório é que mais adiante no texto, no tópico sobre estratégia, ele afirma que “precisamos de uma esquerda com instinto de poder”. Valério deveria ouvir seu próprio conselho.

Isso significa que o PSOL está pronto? De maneira alguma! Os bolcheviques em junho também não estavam prontos. Naquela oportunidade, tinham apensas 105 dos 777 delegados do Congresso, o que não impediu Lenin de afirmar o partido como uma alternativa de poder, “esse partido existe”.

Antes de seguirmos, não poderia deixar de registrar, ainda sobre o mesmo parágrafo, o quanto é descabido comparar a exigência bolchevique de “todo poder aos Sovietes” com o “Lula lá”. A exigência era para fazer uma revolução, construir um outro Estado, ainda que a maioria na direção do novo Estado soviético fosse, naquela oportunidade, composta por mencheviques e SR’s. Querer comparar isso a uma eleição é a confusão (intencional ou não) que leva Valério a uma posição centrista.

Valério afirma ainda que o centro da tática da Frente Única é a política de exigências às direções reformistas. Isso está longe de ser o centro da tática da FU, como coloca Valério. O centro da tática da FU, pelo menos para Trotsky, é a “luta para ampliar sua influência sobre a maioria da classe operária”, para isso, podem servir exigências às direções, cartas abertas, os chamados às bases…

No restante do tópico “Tática”, são apresentadas uma série de análises que parecem responder mais aos anseios do autor do que à realidade, como afirmar que não existem setores da burguesia dispostos a apoiar Lula. A entrevista de Walfrido dos Mares Guia, mostra que, ainda que não sejam muitos, grandes empresários dispostos a apoiar Lula estão aí. Da mesma forma, afirmar que um giro de Lula à esquerda, às massas, é uma necessidade para a vitória eleitoral. Isso é mais um desejo do que análise.

Lula foi claro em seus pronunciamentos após a anulação das condenações e da suspeição de Moro. Quer repetir 2002, deseja um novo empresário ou empresária para ocupar sua vice, defendeu a privatização (abertura de capital) da Caixa Econômica Federal. Mas não precisamos nos estender afirmando o que todos sabemos, Lula não defende, não quer e não vai defender um programa de esquerda, quanto mais anticapitalista.

Frente Única e eleições

Quando avança para o tópico “Estratégia”, mais uma vez, o autor parte de premissas com as quais temos acordo, como a que Lula é o nome mais forte entre os partidos de esquerda e que nenhuma organização de esquerda pode ser um obstáculo para que uma candidatura de esquerda chegue ao segundo turno. Além disso, uma afirmação óbvia, de que em um ano e meio, até a eleição, muita coisa deve mudar, ainda mais no Brasil, marcado pela instabilidade.

O problema não está nestas afirmações, mas nas conclusões que o autor tira das mesmas. Que não devemos ser obstáculo para a chegada ao segundo turno de Lula, como nome mais forte da esquerda, temos acordo. A questão é: uma candidatura do PSOL é um obstáculo para isso? Não nos parece, e as pesquisas mais recentes apontam que se há alguém entre Lula e Bolsonaro com risco de não ir ao segundo turno, é genocida que ocupa a presidência. Hoje é isto que está posto.

As condições podem mudar? É evidente! Aliás, como sempre. A questão é que enquanto tudo isso ocorre, as condições mudam, ou não, para onde mudam, quais tendências se sobrepõe, se o enfraquecimento de Bolsonaro, se uma terceira via burguesa, se Lula consolida um setor do empresariado com ele ou não, enquanto tudo isso ocorre, Valério propõe que a política do PSOL em relação ao tema eleitoral se resuma a fazer exigências à Lula para que assuma um programa anticapitalista, colocando o Partido em uma posição completamente passiva.

Segundo o texto, quem defende a candidatura própria do PSOL em 2022 o faz por subestimar a capacidade de Lula ocupar o espaço de oposição de esquerda. De maneira alguma. A definição sobre ter ou não candidatura própria não se dá, afinal, pelo espaço eleitoral que pode ter o Partido. Se assim fosse, o companheiro deveria rever suas avaliações sobre 2018. Por este critério, teria sido um erro o lançamento de Guilherme Boulos em 2018, pelo fato dele ter ficado em 10º lugar, com apenas 0,58% dos votos, no pior resultado eleitoral do PSOL. De nossa parte, avaliamos que a candidatura teve erros, como abrir mão de pontos programáticos importantes como o não pagamento e auditoria da dívida pública, mas se aquela candidatura teve um acerto, foi de existir.

Mas vamos adiante, afinal, a tática da Frente Única implica em Frente eleitoral? Ou ela exclui essa possibilidade?

Trotsky defendeu a tática da Frente Única em diversas ocasiões, seus principais escritos que tratam do tema são os livros sobre a Alemanha (Revolução e Contra-Revolução na Alemanha – cuja maior parte foi republicado em “Como esmagar o fascismo[2]”), Espanha (La revolución española[3]) e França (Aonde vai a França?[4]), além dos textos escritos para a Internacional Comunista. Em todos os escritos de Trotsky encontramos somente uma exceção em que defendeu uma candidatura comum da Frente Única: na França. Já voltamos a este caso. Antes, é preciso ver em outros escritos anteriores o que defendia o líder da Revolução Russa:

Frente única quer dizer unidade das massas trabalhadoras comunistas e sociais-democratas, e não uma transação de grupos políticos desprovidos de massa. […] A propaganda deve apoiar-se em princípios claros, num programa definido. Marchar separadamente, lutar juntos. O bloco é unicamente para ações práticas de massas. Os acordos de cúpula, sem base de princípios, não trazem outra coisa, senão confusão.

A ideia de propor o candidato à presidência pela frente única operária é uma ideia radicalmente errônea. (TROTSKY, “E agora? A revolução alemã e a burocracia” em: Como esmagar o fascismo, p. 154)

E no texto que serviu de base aos debates da Internacional Comunista sobre a Frente Única:

Assim, portanto, a questão da frente única, tanto por sua origem quanto por sua essência, não é em absoluto uma questão sobre as relações entre as frações parlamentares comunista e socialista, entre os comitês centrais de um partido e outro, entre o Humanité e o Populaire [jornais do PCF e PS, respectivamente]. O problema da frente única – apesar da divisão inevitável nessa época entre as diversas organizações políticas que se fundamentam na classe operária – surge da necessidade urgente de assegurar à classe operária a possibilidade de uma frente única na luta contra o capital. (TROTSKY, Sobre a frente única)

Na Espanha, criticou a adesão do POUM ao bloco eleitoral “do povo”, do qual participavam comunistas e socialistas. Em nenhum escrito, além de “Aonde vai a França?”, a unidade eleitoral é apresentada como política para a Frente Única. O seguinte fragmento é apresentado como sustentação da política de unidade eleitoral:

O objetivo da Frente Única dos partidos socialista e comunista não pode ser outro que um governo desta Frente, isto é, um governo socialista-comunista, um ministério Blum-Chachin. É preciso dizê-lo abertamente. Se a Frente Única toma a si mesma seriamente – e esta é a única condição para que seja tomada a sério pelas massas populares – não pode furtar-se à palavra de ordem da conquista do poder. (TROTSKY, Aonde vai a França?, p. 56)

Porém, é necessário apresentar o que Trotsky coloca no texto imediatamente antes de fazer tal defesa, pois a proposta de candidatura própria decorre do apagamento da diferença programática entre o PCF e o PS:

Não falamos de partidos socialista e comunista em separado, pois, politicamente, ambos renunciaram a sua independência em favor da Frente Única. Desde o momento em que dois partidos operários, que competiam vivamente no passado, renunciaram a criticar-se mutuamente e a conquistar, cada um, os adeptos do outro, por essa mesma circunstância deixaram de existir como partidos distintos.

[…]

Além disso, o bloco puramente defensivo contra o fascismo poderia bastar somente se, em todo o resto, os partidos conservassem uma completa independência. Mas não, temos uma Frente Única que abrange quase toda a atividade política dos partidos e exclui sua luta recíproca para conquistar a maioria do proletariado. (TROTSKY, Aonde vai a França?, p. 55-56)

Como vimos, o centro da tática da Frente Única é disputa para ampliar a influência sobre a maioria da classe. Para tanto, se justifica a tática da Frente Única, para não romper com a classe diante de sua necessidade de unidade para a ação. Mas para disputar a influência, há que se falar à classe quais são nossas diferenças com outros partidos que tem bases de trabalhadores, não é à toa que em todos os casos em que Trotsky defendeu a aplicação da tática da Frente Única essa orientação era acompanhada da defesa de o Partido manter a “independência completa”, “marchar separadamente”, com “um programa definido”. Sem essa separação, sem essa independência, o Partido não disputa a maioria da classe. Fica evidente que a defesa de uma candidatura, de um governo da FU na França, decorria deste erro fundamental por parte do PCF, de aceitar um pacto com o Partido Socialista de não criticar-se mutuamente.

Detalhes não tão pequenos…

Como de costume, compartilhamos algumas premissas de Valério e sua organização. Em seu texto, Valério defende que apoiar ou não uma candidatura de Lula é um debate tático. Mas que participar de um eventual governo Lula, um governo de colaboração de classes, seria uma diferença de princípios. Temos total acordo neste ponto. Este, inclusive, é um debate atual no PSOL, pois o partido aprovou, em suas instâncias municipais, a participação nos governos petistas de Mauá (SP) e Diadema (SP), diante do que o MES se posicionou publicamente contra. Seria muito importante rejeitar não só a participação em governos que estão por vir, mas também as que já acontecem.

Outros pontos do texto de Valério chamam a atenção, os quais não aprofundarei, pois o objetivo do texto é debater as confusões entre Frente Única e Frente Eleitoral.

Ao apresentar seu texto, o autor aponta “três grandes acontecimentos” que mudaram a conjuntura no Brasil: a piora da pandemia, a contração econômica e as decisões do STF que anularam as condenações de Lula. Todos os três acontecimentos têm, de fato, relação com as recentes mudanças na conjuntura. O que chama a atenção é a ausência do cenário internacional. Em nenhum momento do texto a derrota de Trump e o enfraquecimento internacional da extrema-direita aparecem como possíveis motivos do enfraquecimento de Bolsonaro.

Talvez pelo fato de que tanto a derrota de Trump, quanto os eventos da América Latina, não corroborem a análise de que a situação é “reacionária, portanto, defensiva” e nada mais. Ainda que estejamos em uma situação defensiva, ela é marcada pela instabilidade, por explosões, e a marca da instabilidade tem se sobreposto à reacionária. Internacionalmente e no Brasil também. É impossível compreender o enfraquecimento da extrema direita sem colocar na equação o levante negro internacional, após a morte de Geroge Floyd.

Outro ponto que se destaca, é que ao citar a sua ideia de Frente Única, Valério, cita na sua composição as “organizações e movimentos sociais populares, de juventude, feministas, negros e ambientais, mas também do PSOL com o PT e PCdoB”, deixando de fora de sua Frente Única com programa anticapitalista os anticapitalistas PCB e PSTU, que são aliados históricos do PSOL. Mas pode ser “apenas um detalhe”, mas, como diz o ditado, o diabo mora nos detalhes.

Concluindo

A tática da Frente Única é cara aos trotskistas. É uma ferramenta fundamental para coordenação das ações da classe, a ser utilizada em diversos momentos da luta de classes, na qual, os revolucionários disputam os rumos apresentando sua política, seu programa, suas propostas. No entanto, ao longo da história, houve equívocos na aplicação desta tática. Trotsky apresenta duas “espécies” de erros quanto a Frente Única. De um lado, uma aplicação formal, que consistia em se dirigir aos reformistas “com propostas de lutarem conjuntamente por palavras de ordem radicais, que não decorriam da situação e não correspondiam à consciência das massas”. De outro lado, alertava para um outro erro, “muito mais fatal”, de a FU tornar-se “uma busca desesperada de aliados, conquistados à custa da independência do partido comunista”. (TROTSKY, E agora?… P. 125)

Ao ver a exigência ao PT, de Lula, de uma “Frente Única com um programa anticapitalista”, não consigo não pensar na aplicação completamente formal da tática. Para piorar, ela é acompanhada do abandono da nossa independência política ao defender que não lancemos uma pré-candidatura. Impressiona (negativamente) a ausência de críticas à experiência petista nos governos. Como diria Trotsky, diferenças que “não se manifestam aberta e ativamente” são como “tesouros que repousam no fundo do mar”. O apagamento das diferenças programáticas sim, pode levar a uma candidatura única da frente, mas só como consequência deste erro que é abrir mão de disputar a influência sobre a classe. Talvez estejamos diante de uma inédita combinação dos dois erros na aplicação da tática da FU, a aplicação formal acompanhada do comprometimento da independência política.

A criação da Frente Única, de órgãos e espaços comuns de organização da ação da classe, não depende exclusivamente da vontade das organizações, ainda que sem essa disposição, também não avancem. Sovietes, comitês de fábrica, juntas obreras, dependem mais do impulso à ação da classe do que da vontade das organizações. Esses impulsos ocorreram no Brasil recentemente, na greve geral de 2017, no #EleNão de 2018, no tsunami da educação de 2019, nos atos antifascistas de 2020. Em todas essas oportunidades estivemos presentes, construindo a ação unitária da classe. Não se pode colocar o carimbo de “sectário” ou “esquerdista” em quem não se soma à diluição programática e à perda da independência. A questão que se coloca é: qual o impulso da classe para a ação unitária que ocorre hoje, neste cenário de pandemia em que as ruas estão bloqueadas?

Como pretendi demonstrar, não há ligação entre a tática da Frente Única e a construção de uma Frente Eleitoral. Resta que apoiar-se neste conceito, nesta tática, para defender a política de diluição do PSOL levada adiante pelas organizações reformistas do PSOL, corresponde ao papel de “capa de esquerda para o reformismo”, historicamente cumprido pelo centrismo.

Se queremos disputar a influência sobre a maioria da classe trabalhadora, é nosso dever apresentar o que pensamos, o que defendemos, nosso programa. Bem como nossas diferenças com as demais organizações dos trabalhadores. Sem aparecer como obstáculo à chegada de outro partido de esquerda ao segundo turno. Isso não é impossível como os companheiros fazem parecer. Ou será que é impossível imaginar uma pré-candidatura do PSOL que diga: “sou candidata/o pois o PSOL defende um programa diferente de todos os outros partidos, nós somos contra as privatizações, somos contra o pagamento da dívida externa, somos contra a aliança com a burguesia. No segundo turno estaremos unidos contra Bolsonaro, apoiando a candidatura de Lula, mas acreditamos que o programa que o Brasil precisa é o nosso”? Isso é o ABC do marxismo. Afirmar seu programa, afirmar seu partido. Valério diz que “precisamos de uma esquerda com instinto de poder”, o que precisamos é que o PSOL tenha instinto de poder!


[1] China Miéville – “Outubro: história da Revolução Russa” – Boitempo, 2017.

[2] Leon Trotsky – “E agora? A revolução alemã e a burocracia” – em: Como esmagar o fascismo. Autonomia Literária, 2018.

[3] Leon Trotsky – “La revolucion española” – El Yunque Editora, 1973.

[4] Leon Trotsky – “Aonde vai a França?” – Editora Desafio, 1994.


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Pedro Micussi