Da fenomenologia ao fim da história

Da fenomenologia ao fim da história

O conceito hegeliano de “fim da história”, recuperado por Francis Fukuyama, é a expressão antagônica do marxismo revolucionário.

Bruno Meirinho 21 jan 2022, 11:38

Quando Lenin embarcou rumo à Estação Finlândia, trouxe na sua bagagem um novo item para a revolução, um item que não estava com ele quando saiu da Rússia para o exílio.

Ao lado da coragem e da indignação, que Lenin já portava desde 1905, agora ele trazia consigo a filosofia.

No exílio, Lenin estudou com afinco a filosofia hegeliana, além de outros textos filosóficos, como descrito no livro de Adolfo Sanchez Vazques, Filosofia da Praxis. Ao adquirir, por completo, a fenomenologia da classe revolucionária, Lenin tornou-se o líder da revolução. Embarcou para 1917, para sair do exílio e entrar para a história.

Marx é o filósofo mais influente da história, e sua filosofia é tributária de Hegel que, por sua vez, teve discípulos com outras perspectivas. Deve-se dizer que a filosofia máxima produzida pela burguesia está em Hegel, que é, portanto, a fonte filosófica da revolução e da contrarevolução. Inevitável para o mestre que ensinou a dialética.

O conceito hegeliano de “fim da história” foi resgatado por Francis Fukuyama, que decretou que a paisagem do mundo depois da queda do muro de Berlim era a paisagem da história que tinha chegado ao fim. Daquele momento em diante, não existiria mais passo além que a humanidade pudesse dar. Acabou-se a história.

O marxismo revolucionário é a expressão antagonista dessa conclusão. Afinal, enquanto houver luta de classes, há história. Como disseram Marx e Engels no Manifesto, “a história do mundo é a história da luta de classes”, devemos, como Lenin, buscar Hegel para dizer que a história da luta de classes é a história da filosofia.

E a classe trabalhadora se vê enfraquecida na luta de classes na mesma proporção em que a fenomenologia da classe trabalhadora está enfraquecida. Ou seja, a filosofia serve, em primeiro lugar, para fazer a luta.
Quando Marx escreve, ao final das “Teses sobre Feuerbach” que “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas o que importa é transformá-lo”, houve intérpretes apressados que viram desprezo pela filosofia nessa frase. À primeira vista, a filosofia estaria em oposição à transformação. Se somos revolucionários, não queremos interpretar, mas mudar as coisas. Contudo, na realidade Marx não desprezava a filosofia, mas sim uma determinada classe de filósofos. Não há, especialmente em Marx, transformação sem filosofia. Mais ainda, só é filosofia aquela que transforma.

A queda das torres gêmeas em Nova Iorque marcou o mundo. De George Bush a Slavoj Zizek, não houve quem tenha ficado passivo. Antes disso, o mundo só se aterrorizava diante de problemas banais, tais como “o bug do milênio”, que afinal, nem ocorreu.

A reação dos Estados Unidos foi atacar o Afeganistão, governado por fundamentalistas religiosos do Talibã, que teriam abrigado e concedido espaço para os treinamentos de Osama Bin Laden e dos terroristas que atacaram as Torres Gêmeas.

A invasão militar dos EUA no Afeganistão trouxe para o marxismo revolucionário um grande desafio. Afinal, qual partido devemos tomar nesse contexto específico? De um lado, o poderio bélico estadunidense vem municiado com toneladas de filosofia do “Fim da História”, de outro lado, o Talibã é o maior representante vivo da filosofia trevosa da Idade Média.

O marxismo sempre admirou a revolução burguesa, que inaugurou um novo tempo e deu origem ao novo sujeito da revolução, o proletariado, que pode conduzir o mundo ao futuro comunista. Essa característica deu origem a pensamentos socialistas etapistas, que defendiam, em determinadas realidades sociais, a necessidade de revoluções burguesas contemporâneas que pudessem criar o terreno para a futura revolução socialista.

Nesse sentido, derrotar o Talibã é um objetivo do marxismo revolucionário, visto que são representantes de toda forma de atraso. A posição anti-burguesa, anti-capitalista e anti-estadunidense do Talibã não tem ponto de encontro com os mesmos adjetivos da posição do marxismo revolucionário. O Talibã quer conduzir a sociedade para trás, o marxismo-revolucionário, para frente.

A tarefa histórica de derrotar o Talibã autorizaria uma aliança com o “Fim da História” estadunidense? Os marxistas revolucionários podem ter se dividido entre várias respostas diante dessa pergunta, e ainda hoje só é possível tatear o gabarito. Passaram-se 20 anos, e os EUA bateram em retirada do Afeganistão deixando-o governado pelo mesmo Talibã.

O “Fim da História” é uma filosofia estéril, que não se propõe a produzir história, como seu próprio enunciado diz, e, portanto, não consegue intervir em coisa alguma.

Em 2001, a posição marxista revolucionária que mais me interessou foi “nem EUA, nem Talibã, todo poder ao povo afegão”. O enunciado certamente contempla o irreal. Não há dúvidas de que EUA e Talibã são reais, e você pode escolher qual deles apoiar. A questão é: e se eu inventar um terceiro sujeito, para decidir que vou apoiá-lo?
Todo ponto imaginário sempre tem duas vertentes, uma de pura imaginação sem ação; outra de ação revolucionária. Só há ação revolucionária com imaginação.

A ação revolucionária, de todo modo, deseja ser real. Mas não pode ser tão real que seja estática, nem tão irreal que seja delírio. Há, portanto, uma zona proximal entre o real e o irreal, que é o ponto imaginário da revolução.

Desde o Fim da História decretado por Fukuyama, o marxismo revolucionário tenta encontrar uma luz nessa zona proximal. O fim do Socialismo Real trouxe o estigma da falta de realidade para todo o pensamento socialista.
E assim, não raras vezes nos encontramos no dilema de escolher entre o Fim da História estadunidense, e a barbárie do atraso medieval.


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Camila Souza