“Quanto mais longa a explicação, maior a mentira”. Provérbio popular chinês
Ainda sobre a necessidade de uma política independente
Valério Arcary escreveu um artigo intitulado “Sobre Manobras Táticas e Alckmin”. O texto tece várias explicações – nem todas rigorosas – sobre uma série de conceitos políticos, mas seu objetivo é dizer que a posição a favor de Alckmin ser vice de Lula é um erro. A questão toda é que erros ou acertos não podem ser analisados sem ligação com os objetivos, com o programa e a estratégia decidida. Aí é que Valério passa a atribuir ao PT programas e estratégias que não são as decididas pelo partido e julga o PT por parâmetros que são, no máximo, desejos dele de que o PT os tenha.
Quem acompanha os debates no PSOL sabe que Valério tem sido, no partido, um dos mais entusiastas defensores de uma frente eleitoral com o PT. Mas Valério tem afirmado que a aliança não é incondicional. Defende que deve ser baseada num programa de esquerda capaz de ser a base de uma frente de esquerda. Os artigos acerca do programa defendidos por Valério são realmente de esquerda e, caso suas propostas fossem assumidas, a candidatura Lula teria um programa de esquerda. Só que não. A cúpula petista não tem se ocupado com os textos de Valério nem com suas propostas de programa. Até o momento, a direção do PT sequer se reuniu com a direção do PSOL. Mas se a cúpula do PT não se ocupa, nós temos o dever de nos ocuparmos. Se não fosse por respeito, e este já é motivo suficiente, há razões de peso ainda maior. Afinal, embora a tendência de Valério seja minoritária no partido, com aproximadamente 6% da direção, é justamente essa tendência, somada a seus aliados, que chegam a 13%, o fiel da balança na definição acerca da tática do PSOL no processo eleitoral. Afinal, 44% dos delegados do congresso do partido defenderam apoiar Lula no segundo turno das eleições, mas apresentar o programa e o candidato do partido no primeiro turno, contra 56% (entre os quais estão 13% da articulação animada por Valério) que votaram a favor de apoiar Lula desde o primeiro turno. Mas os que apoiaram a tática de defesa de Lula no primeiro turno disseram que não era incondicional: afirmaram a necessidade de negociar alianças e programa de esquerda. Desses setores, Valério tem o mérito de ter apresentado boas propostas de programa para a negociação da aliança, enquanto outros se limitam a defender o fim do teto de gastos, medida que setores burgueses já encamparam. A questão é que nem negociação de programa teve. O que, sim, ocorreu foi o movimento de lançamento da política de alianças entre Lula e Alckmin. Esse movimento já ganhou amplo apoio no PT e é claramente a política decidida por Lula. Valério chama tal movimento de manobra tática. Diz que pode até ser inteligente tentar esvaziar a terceira via, mas toma o assunto como superado e afirma que é um erro porque não é necessária para vencer as eleições, é perigosa para governar e atrapalha o entusiasmo necessário da campanha Completa dizendo que a manobra é um movimento surpreendente. Logo em seguida, faz considerações abstratas sobre programa e estratégia. Se de fato o lançamento semioficial da chapa foi uma surpresa, é preciso dizer que tal posição apenas pode ser instalada rapidamente porque há acordo, entre Lula e Alckmin, com a essência do programa que a chapa defenderá.
Como todos sabem, Lula tem se recusado a apresentar sua proposta de programa econômico. Alckmin escolhido representa a Carta ao Povo Brasileiro de 2003. Não se trata apenas de um rebaixamento programático, como diz Valério. É uma questão de natureza de classe. O sinal de que o projeto de Lula será de defesa da lógica do capital já é muito forte sem Alckmin. Com então não precisa nem escrever o compromisso. Valério argumenta que Lula não precisa de Alckmin para vencer as eleições. Lula sabe disso. Mas Lula sabe também que para fazer um governo capitalista precisa de capitalistas dispostos a governar com ele. E quanto mais atrair fortes políticos capitalistas, tanto mais claramente capitalista será seu governo e mais a governabilidade capitalista estará garantida. Quem melhor do que um ex-governador de São Paulo, que por 16 anos foi o principal gerente dos negócios do capital no principal estado do país? O entusiasmo na cúpula petista é evidente por isso. Os sinais de que Lula pode ganhar no primeiro turno apenas confirmam esse entusiasmo e creditam ainda mais poder para Lula decidir sem sequer discutir no PT, que tem uma minoria sem qualquer peso para alterar o que Lula quiser fazer. E o entusiasmo na campanha, todos sabem, está garantido pela imensa vontade de massas de tirar Bolsonaro e da consciência de massas de que Lula é o nome para isso. O PT sabe que não precisa de um programa de esquerda. Até a esquerda do PT sabe disso e protesta apenas para limpar a cara. Valério ainda se entusiasma com essas resistências no PT talvez porque já não conheça tanto a dinâmica interna do partido, totalmente subordinado a seu líder máximo. É lógico que muitos ativistas, milhares até, dispostos a estar com Lula independentemente das alianças e do programa, percebem que Alckmin pode ser o símbolo de um novo golpe como ocorreu em 2016. Este é o ponto forte que Valério se apoia para dizer que é um erro a escolha. Lula também sabe disso e confia em Alckmin. Confia e aposta. Neste ponto, é preciso saber que não se trata de ilusões da cúpula petista de que um setor da classe dominante pode aceitar um programa de transformações estruturais que rompam com o domínio do capital ou que façam os mais ricos pagarem pela crise. Trata-se de um acordo de programa que se limita a pensar em políticas de investimentos públicos que fortaleçam o estado como indutor do desenvolvimento econômico. E tal programa é compatível com setores burgueses, como mostra a própria política de Biden nos EUA.
Então, na cúpula petista não há ilusões. Ilusões ainda têm, ou sem tê-las mesmo assim as propagam, aqueles que dizem ser possível fazer uma frente e um governo de esquerda com o PT. Atenção, quando alertamos contra os propagadores de ilusões não queremos com isso negar o apoio eleitoral a Lula. Ao contrário do que diz Valério em seu artigo, os setores do PSOL que defendem candidatura própria não negam a natureza neo-fascista do Bolsonarismo. Valério não precisava perder seu brilho com mentiras. Pensamos que Bolsonaro é o inimigo a ser derrotado precisamente pela natureza fascista de seu projeto. Por isso, para apoiar Lula não precisamos embelezar o líder petista. Não precisamos tratá-lo como nosso líder, nem líder da esquerda socialista brasileira. Se tivesse risco de Lula não ir ao segundo turno, nem cogitaríamos candidatura própria do PSOL no primeiro turno. Mas esse risco não existe. Então, acreditamos que o PSOL pode e deve apresentar um programa de esquerda na eleição. Uma política independente. Com Alckmin sendo escolhido, esta necessidade vai ficar ainda mais evidente, porque a escolha de Alckmin já é a definição de um programa burguês da candidatura Lula. Este programa burguês não nos impedirá de votar em Lula para derrotar Bolsonaro. Mas não aceitamos que chamem um programa burguês por outro nome.
Valério pode nos ajudar na explicação paciente acerca da necessidade de um projeto de ruptura com a burguesia. As eleições são um momento privilegiado para dizer o que somos e pelo que lutamos.