Guerra contra a Ucrânia: Um desastre também para a África
A invasão da Ucrânia pelo exército de Putin terá consequências para a África. O risco mais óbvio é o de uma crise económica e alimentar que pode atingir duramente o continente. Esta invasão também realça as rupturas políticas, particularmente na área de influencia africana da França, que ilustram o seu enfraquecimento em África.
Como sublinhado pelo website do jornal Madagascar Tribune1, teve lugar uma romaria incessante de diplomatas russos e ocidentais no palácio presidencial em Anosy. O objetivo? tentar influenciar Madagáscar durante a votação na Assembleia Geral das Nações Unidas no 2 de março sobre a condenação da invasão da Ucrânia. No final, a Grande Ilha juntou-se aos 17 países africanos que se abstiveram. Enquanto se esperava que o Mali e a República Centro-Africana se recusassem a condenar a Rússia, que é agora o seu principal parceiro militar, mais surpreendente foi a votação no mesmo sentido do Senegal, Togo, Camarões e República do Congo, ou a não participação do Burkina Faso ou da Guiné. Tradicionalmente, estes países estavam em simbiose com a França, a antiga potência colonial. Quanto à Organização Internacional da Francofonia (OIF), que é considerada a ala armada da diplomacia francesa, recusou-se a tomar uma posição. Isto ilustra a crise específica do imperialismo tricolor em África.
Fartos do Ocidente
O fato de metade dos países do continente se recusarem a condenar a Rússia revela a dimensão do ressentimento em relação ao Ocidente. Alguns falam mesmo de vingança contra a NATO, que atacou a Líbia para derrubar o regime de Kadhafi, que gozava de uma popularidade usurpada, mas muito real. OU de aborrecimento de assistir a uma grande mobilização em favor da Ucrânia, o que nunca foi o caso de guerras tão mortíferas como as do Sudão, Etiópia ou Camarões. Para alguns, é uma espécie de satisfação ver um homem capaz de se opor ao poder da União Europeia e dos EUA. Além disso, o tratamento escandaloso dos refugiados africanos e asiáticos na Ucrânia e o acolhimento diferenciado de ucranianos e outros refugiados expuseram o racismo da Europa. Assim, alguns dos líderes africanos colaram aos sentimentos do seu povo, especialmente porque muitos países têm agora ou se preparam a ter relações comerciais e militares tanto com a Rússia como com o Ocidente.
Um risco económico importante
Esta precaução justifica-se, uma vez que a crise económica é susceptível de atingir duramente o continente. As economias africanas já estão lutando para sair da crise sanitária da Covid-19. O declínio da procura global de matérias-primas, a recessão virtual do turismo, o enfraquecimento das cadeias de valor globais, e a redução de quase 40% do IDE (investimento direto estrangeiro) enfraqueceram a saúde económica dos países africanos.
A guerra provocada por Putin terá consequências para todos os países africanos, mesmo que sejam diferenciadas. Países produtores de petróleo e gás como a Nigéria, Angola e Argélia beneficiarão de preços mais elevados, mas em breve poderão ser apanhados pela escassez de produtos agrícolas, uma vez que são grandes importadores de alimentos. Outros países africanos com uma orientação agrícola serão afetados por aumentos extremamente elevados dos preços da energia. Em qualquer caso, dada a fraqueza das finanças no continente, os choques são susceptíveis de ser violentos para as populações.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) já assinalou que mais de trinta países africanos estão sofrendo de escassez alimentar. As causas são múltiplas. Pode haver conflitos, como na República Centro-Africana, Níger, Chade, República Democrática do Congo (RDC), Etiópia e Sul do Sudão. As alterações climáticas provocam secas, como no Quénia, Somália e sul de Madagáscar, ou chuvas torrenciais, como no Burundi, Djibuti e Congo, ou ciclones, como no Moçambique e no leste de Madagáscar.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) lançou o alarme sobre a situação de stress alimentar em abril para muitos países. O risco hoje em dia com a guerra iniciada por Putin é uma fome em grande escala em África.
1 « Madagascar intimado de condenar a invasão russa da Ucrânia? », madagascar-tribune.com, 1ero de março 2022.