Peru: O povo contra Boluarte e o Congresso golpista
Peru.jpg

Peru: O povo contra Boluarte e o Congresso golpista

O golpe parlamentar contra o presidente peruano Pedro Castillo, que agora está preso, levou a um governo autoritário que já matou mais de 20 manifestantes.

Johnatan Fuentes 22 dez 2022, 09:15

Via Jacobin America Latina

Em apenas dezesseis meses do governo sitiado de Pedro Castillo, quatro moções de vacância [impeachment] do presidente se seguiram uma após a outra, desatando a raiva popular no contexto de uma crise política permanente que também reflete o antagonismo entre Lima e o resto das regiões do país. A oligarquia racista e o Congresso golpista finalmente estabeleceram um regime autoritário com Dina Boluarte à frente, que agora está tentando esmagar a rebelião popular em curso e, com ela, a possibilidade de um momento constituinte no Peru.

Golpe parlamentar contra Pedro Castillo

A tentativa do Presidente Castillo de dissolver o Congresso ocorreu em um contexto de cerco permanente por parte dos golpistas parlamentares, do Ministério Público e da grande mídia, que nunca tolerou um presidente que fosse um ex-líder sindical de professores de origem camponesa. A quarta moção para a vacância presidencial, apresentada em 7 de dezembro, foi redigida imediatamente após a frustrada medida excepcional de fechamento do Congresso, que representou as expectativas de algumas facções das classes populares regionais.

A vacância de Castillo é claramente um golpe parlamentar, que foi aprovado em nove minutos, sem direito a defesa e ignorando os procedimentos regulares estabelecidos nos regulamentos do Congresso. É um golpe que a esquerda como um todo deve repudiar, independentemente das críticas à gradual direitização e capitulação do governo. Longe disso, pressionados pelo ultraje da mídia, alguns parlamentares de esquerda do Perú Libre, Nuevo Perú e do Bloco Magisterial acabaram votando a favor da vacância.

A medida de urgência de Castillo pode ser explicada no contexto de um Congresso obstrucionista, mas é claro que lhe faltava uma correlação política favorável e não tinha uma sólida base popular de apoio, o que consequentemente acelerou o triunfo do golpe de Estado como resultado de uma manobra improvisada e precipitada deste governo caracterizado por um populismo de baixa intensidade.

O regime autoritário de Dina Boluarte diante da rebelião popular em curso
Boluarte, ex-vice-presidente e ex-militante do Perú Libre, tomou posse com o apoio das forças políticas do congresso golpista e apresentou seu gabinete em 10 de dezembro, quando a polícia já havia matado publicamente manifestantes em Andahuaylas, capital da região Apurímac, o epicentro das mobilizações populares contra o golpe parlamentar.

Nos primeiros quatro dias de protestos, a rebelião popular se espalhou por todo o Peru, enquanto a repressão governamental aumentou. Nas regiões de Apurímac e Arequipa, numerosos manifestantes morreram como resultado da ação criminosa das forças policiais que usaram helicópteros para disparar pelotas e bombas de gás lacrimogêneo nas mobilizações. As pessoas em luta decidiram tomar as estradas, aeroportos (em três regiões) e delegacias de polícia como resposta a um governo usurpador e fantoche do Congresso do golpe. Em Puno, os manifestantes anti-governamentais ocuparam as pontes, agitando por uma greve total na costa, nas terras altas e na selva. É evidente que as classes populares se mobilizaram em todo o país com o objetivo explícito de encerrar o Congresso golpista, liberando Pedro Castillo e exigindo uma Assembleia Constituinte para estabelecer uma nova constituição.

A Assembleia Nacional dos Povos (ANP) – formada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP), a Central Nacional Única de Rondas Camponesas e Urbanas do Peru (CUNARC) e a Federação Nacional de Trabalhadores da Educação do Peru (Fenatep), entre outras organizações populares – finalmente convocou uma jornada nacional de luta no dia 15 de dezembro, levantando os slogans de fechamento do Congresso, novas eleições e liberdade para Castillo. A resposta do governo criminoso de Boluarte foi a declaração do estado de emergência nacional por 30 dias a partir de 15 de dezembro, intensificando a repressão estatal para níveis similares aos dos anos do conflito armado interno (entre 1981 e 1986).

No âmbito do estado de emergência, seguiram-se dez dias de manifestações populares, brutalmente reprimidas pelas forças militares, deixando um trágico número de 20 mortos: 8 em Ayacucho (no chamado massacre de Huanta), 6 em Apurímac, 1 em Arequipa, 3 em La Libertad, 1 em Huancavelica e 1 em Junín.

A crise política permanente e as possibilidades de um momento constituinte

Antes das graves violações dos direitos humanos perpetradas contra o povo peruano, que agora exige a renúncia de Boluarte com maior força, apenas dois ministros do Gabinete renunciaram, numa clara demonstração da indolência do Estado peruano. A presidente usurpadora optou por propor a antecipação das eleições para 2024, sem contar com o voto de confiança que lhe permitiria pressionar o Congresso a convocar novas eleições presidenciais. Isto deixa claro as táticas protelatórias dos poderes legislativo e executivo, assim como o apoio das forças repressivas e do imperialismo norte-americano na sustentação do regime autoritário que instalaram.

Em sua estratégia de contenção, a coalizão golpista, o governo e o Congresso mobilizaram manifestantes em Lima e em algumas regiões sob os slogans da paz e do apoio às forças militares e policiais. A velha APRA e o Partido Popular Cristão se uniram a esta tática para ganhar as ruas e estigmatizar os manifestantes anti-governamentais. Estas são as mesmas bases sociais da ultra-direita que se mobilizou anteriormente contra a vitória eleitoral de Castillo e depois por sua destituição do cargo, e que são apoiadas pela grande mídia e pelos influenciadores macartistas.

Castillo foi detido primeiro na Divisão Nacional de Operações Especiais (Dinoes), e depois transferido para a prisão de Barbadillo, onde está detido sob a acusação de rebelião, rapidamente tratado pela Procuradoria Geral da República e pelo judiciário. Um setor dos manifestantes se dirigiu à prisão para expressar sua solidariedade e organizar concentrações em apoio ao presidente deposto, confirmando que frações do campesinato e do sindicato dos professores mantêm seu apoio a Castillo durante esta situação crítica, embora o populismo de baixa intensidade de seu governo nunca tenha se empenhado seriamente em estruturar uma força que multiplicasse sua implantação social e seu peso político, com consequências muito graves que hoje condicionam suas possibilidades de sobrevivência política.

Se considerarmos as consignas levantadas pela maioria das classes populares das regiões, a chegada de um momento constituinte no Peru (onde tivemos seis presidentes em sete anos) pareceria estar muito próxima. Mas as características da espontaneidade e uma certa dispersão do processo de luta mostram as limitações de hipóteses muito otimistas sobre o nível de consciência política alcançado nas ruas pelas classes populares ao desafiar um regime autoritário e assassino como o de Boluarte, que ainda hoje tenta se estabilizar. O resultado ainda está em aberto.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi