Desconstruindo o sionismo

Desconstruindo o sionismo

Colonialismo, racismo e apartheid como eixos do sionismo

Frederico Henriques 8 jan 2024, 16:39

Em 11 de janeiro, o Tribunal Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), realizará a primeira audiência para analisar a ação legal apresentada pela República da África do Sul contra o Estado de Israel, acusando-o de genocídio na Faixa de Gaza. Até o momento, a invasão israelense na Palestina, especificamente em Gaza, resultou na perda de mais de 22,4 mil vidas palestinas, deixando pelo menos 57,6 mil pessoas feridas, com cerca de 7 mil desaparecidas.

Além da ação efetiva do governo sul-africano, o que se observa no conflito regional é uma grande contradição. Por um lado, o sionismo enfrenta isolamento nas votações da Assembleia da ONU, com o debate sobre cessar-fogo imediato, visando frear o genocídio e a limpeza étnica na Faixa de Gaza, além de barrar os ataques de colonos na Cisjordânia. Por outro lado, a falta de apoio efetivo do mundo, especialmente dos países árabes e de nações de maioria islâmica, impede que o isolamento político se transforme em uma força persuasiva contra o governo Netanyahu e o Estado de Israel.

Apesar da inoperância de organismos internacionais e governos, a sociedade civil mundial e indivíduos preocupados com a crise na região desempenham um papel crucial, seja pressionando seus governos ou participando ativamente de campanhas de boicote a produtos israelenses, promovidas por movimentos como o Boicote, Desinvestimento, Sanções (BDS). Nesse sentido, busquei ministrar três aulas para a Revista Movimento [1], visando fortalecer essas campanhas ao fornecer fundamentos sólidos para avançar no debate global sobre o tema. Neste texto, resumirei os três pontos principais abordados nas aulas, buscando fortalecer os argumentos em defesa do povo palestino.

1. A falsa singularidade e o colonialismo do século XX

O primeiro elemento a ser desconstruído é a ideia do conflito infinito e milenar entre religiões que acontece naquela região. Pressupor esta dinâmica é levar à ideia de não “meter a colher”, ou quem sou eu para me posicionar sobre isso. No entanto, o que se observa nos estudos históricos é que as três grandes religiões monoteístas conviveram de forma relativamente tranquila, seja no califado, como no Império Otomano. A exceção foram os períodos de Cruzadas, com a ida dos cristãos para tomar Jerusalém na Idade Média.

O centro do debate deve apontar para as similaridades de um processo que ocorre no mundo desde o início do capitalismo mercantil: o colonialismo. Conforme ocorreu em outras colônias de povoamento, uma minoria perseguida na sua região de origem, muitas vezes religiosa, busca novas oportunidades e reconstrução em outras regiões. Isso aconteceu com minorias cristãs na América do Norte, calvinistas na África do Sul e, no caso da Palestina, foram os judeus, num primeiro momento principalmente do centro e leste europeu. No entanto, as potências sempre observavam esses processos como uma oportunidade de negócio, juntando o útil ao agradável e tendo relações privilegiadas com os seus antigos cidadãos, seja para acordos comerciais ou como entreposto geopolítico. O crescimento do movimento nacionalista árabe, e processos de independência de antigas colônias na Ásia Central e Meridional, numa região rica em hidrocarbonetos, faz com que o projeto sionista também fosse muito interessante para as potências desde o fim da Primeira Guerra Mundial. 

Para aproximar do público brasileiro, nas aulas, busquei associar os palestinos aos nativos brasileiros e o processo de colonização portuguesa no Brasil, evocando aspectos religiosos que eram trabalhados naquele momento, como a ideia do fardo do homem branco contra bárbaros e selvagens.

Por fim, também é fundamental desmistificar o sionismo como uma ideologia nacionalista europeia. A ideia de povo escolhido para voltar à terra que pertence a eles, domesticar ou se livrar dos selvagens, permeia de forma mais ou menos contundente todos os momentos dessa ideologia. Com a intensificação da ocupação pós-Oslo, e o enfraquecimento internacional de apoio à Palestina no último período, fez com que inclusive judeus laicos passassem a serem atacados, como bem mostraram as atuais reformas do judiciário e os governos israelenses nos últimos anos.

2. Racismo como mecanismo de subordinação

Todo o processo de colonização está ancorado na ideia de uma superioridade moral, cultural e, muitas vezes, racial. A necessidade de se impor fisicamente e culturalmente é construída a partir da depreciação e/ou apagamento de outras formas de viver e povos existentes num determinado território.

Nesse sentido, na segunda aula, busco trabalhar a forma como o racismo contra os povos indígenas e os povos escravizados vindos da África operou aqui e foi fundamental também para legitimar o processo de colonização do território palestino. Também busco apresentar como, nas redes sociais, até hoje esses estigmas são reproduzidos, trazendo exemplos de correntes que influencers israelenses e sionistas trabalham, assim como a grande mídia tradicional relata o tema. Ou seja, a forma como os aparelhos privados de hegemonia reiteram um racismo estrutural sobre os nativos locais.

Ao final, aponto como a indústria bélica e de armamentos não-letais israelense está conectada diretamente aos processos de repressão ao povo negro e outras minorias sociais ao redor do mundo. As “experiências” repressivas das forças sionistas na Palestina são exemplos imitados por elites locais em diversos países. A luta contra o racismo sofrido pelo povo palestino não finda em si mesma, mas é fundamental para o combate do sistema que reproduz o racismo estrutural em todo o globo.

3. Apartheid como tática de eliminação de um povo

Como justificativa para cometer todas as atrocidades possíveis contra o povo palestino, os sionistas utilizam a barbárie do Holocausto como escudo, seja banalizando as referências do evento, como utilizando de forma oportunista o termo antissemitismo para atacar quem discorde do sionismo. No entanto, existe outro consenso internacional de prática não aceitável de brutalidade na história recente: o apartheid.

Nesta última aula, busco fazer paralelos com a África do Sul e Israel, que inclusive cooperaram em programas estratégicos como o nuclear no período da Guerra Fria. Além das similaridades no processo de colonização e racismo, foco de maneira mais assídua na caracterização do apartheid.

Existem dois elementos principais a serem destacados. O primeiro é dentro de um mesmo país, a construção da ideia de dois tipos de cidadania, como o caso dos brancos e dos negros, ou dos israelenses e dos “árabes israelenses”, que têm uma série de direitos a menos e são tratados de forma institucional discriminatória, como aconteceu até a década de 1960 nos EUA e na África do Sul até o início dos anos 1990. O segundo ponto é a criação de territórios/Estados fantoches, no caso da África do Sul eram os Bantus e, no caso da Palestina, são Gaza e Cisjordânia. Apesar de supostamente ser a terra dos nativos, toda a administração civil, política e militar perpassa pelo governo dos africâneres ou por Israel. Ou seja, esses territórios com falsa autonomia se transformam em guetos sob a supervisão dos colonizadores.

Além da força da luta do povo sul-africano e de Mandela, o resgate do apartheid também aponta para o limite da proposta de dois estados e a dificuldade de um país árabe se estabelecer sem a tutela de Israel.

Em suma, infelizmente, o processo de invasão sionista está longe de um desfecho, e a revelação do seu caráter mais brutal e cruel no último período faz com que seja necessário intensificarmos na propaganda e agitação contra esse regime de morte. Dessa forma, creio que a utilização desses três eixos consegue desmistificar o massacre que acontece na região e cada vez mais pressionar uma posição de nossos governos. Além disso, é fundamental fortalecer as iniciativas do BDS que vêm se multiplicando nos últimos meses.

[1] Aula 1 – https://www.youtube.com/watch?v=BHdqB_FhmOw

Aula 2 – https://www.youtube.com/watch?v=h1GxJhukJ3M

Aula 3 – https://www.youtube.com/watch?v=yvQPpWWF3Oc


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi