A censura direcionada àqueles que lutam contra injustiças
“Fui julgada e penalizada na Alesp por ter defendido que São Paulo continua a ser palco de racismo institucional.”, diz a deputada Mônica Seixas
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Na mesma semana em que vimos o presidente Lula ser atacado por defender o fim do genocídio do povo palestino, que um homem negro foi preso após ser esfaqueado por um homem branco, uma Escola de Samba ser constrangida por criticar uma polícia passível de críticas, fui julgada e penalizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) por ter defendido que, para além de figuras alegóricas, São Paulo continua a ser palco de racismo institucional.
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Alesp votou na terça (20), a absurda acusação por falta de decoro parlamentar contra mim, após eu ter questionado o racismo institucional na falta de recursos destinada à Secretaria de Políticas Para Mulheres numa reunião da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher, à própria secretária em exercício, durante sua prestação de contas ao Legislativo.
Vocês conhecem essa história. Ela estampou os jornais no último ano. Embora celebrada como grande inovação, a Secretaria de Políticas para Mulheres não existia no caminho de dinheiro, e a secretaria não existiu para além do nome num momento em que vemos casos de violência contra mulheres baterem recordes no Estado; que a situação de acesso à saúde básica como ginecologia, obstetrícia e até pré-natal falta em muitos pontos do Estado de São Paulo. Quando falamos de mulheres negras, cresce a fome, a violência urbana e a morte de seus filhos e companheiros em operações policiais que não resolvem o problema da violência, mas trazem ainda mais dor e violência aos territórios periféricos. E é justamente contra esse estado de coisas que estão lutando as mulheres negras. E por me somar a elas disse e repito do absurdo que é ter uma secretaria apenas ocupada de forma figurativa, sem possibilidade de atuação efetiva por falta de verba.
O processo de quebra de decoro contra mim não é só uma violação à minha atividade parlamentar, mas também se insere no bojo da grande ameaça aos distritos democráticos em nome de um método de punição e tortura. Ainda que o golpe planejado pela extrema direita brasileira não tenha se concretizado, a verdade é que quando se persegue entidades culturais, políticos em sua liberdade parlamentar, processos arbitrários e até mesmo exceções de pessoas no campo da segurança pública significa que um ESTADO democrático já não é tão democrático assim.
Hoje esse processo de chantagem contra nós terminou – e muito embora a pena tenha sido amenizada graças a pressão popular, já que a intenção inicial era me afastar das minhas atividades parlamentares por ao menos 90 dias -, é absurdo pensar que ao denunciar que, apesar da propaganda de inclusão, o governo Tarcísio continua a praticar inúmeras violências ou desassistência a mulheres, sobretudo a mulheres negras.
Pessoas que lutam contra o racismo muitas vezes enfrentam criminalização e retaliação, especialmente em sociedades onde as estruturas de poder estão enraizadas em sistemas racistas. Minha punição foi justamente uma forma de reforçar as estruturas de poder existentes e manter o status quo já que fui punida por denunciar o racismo institucional que atravessa governos e se perpetua na gestão atual.
A falta de recursos para a Secretaria de Políticas para Mulher, que é uma pasta criada para cuidar da saúde, garantir a segurança, capacitar e investir no potencial econômico e criativo das mulheres, é a clara negação de direitos às mulheres negras já que são essas mulheres, em todos os indicadores sociais, que enfrentam os maiores desafios e desigualdades estruturais, sendo, portanto, a principal destinatária de políticas públicas.
A escolha de uma mulher negra para ocupar tal pasta não impede que desigualdades com base em raça sejam perpetuadas. A ilusão de diversidade que o governo do Estado promove com a inclusão superficial de membros de grupos minoritários se desfaz quando se percebe que o simples fato de uma mulher negra ocupar um espaço de poder não traz automaticamente impacto significativos na vida das mulheres que esta deveria representar, pois o racismo institucional segue enraizado nas práticas governamentais.
A minha fala reflete não somente a minha luta, mas de todas as mulheres para que a sociedade reconheça como o racismo se manifesta e meu desejo é continuar trabalhando para reformar e transformar as instituições para que sejam mais equitativas e inclusivas para todas as pessoas.
Contudo a falta de letramento racial suficiente para interpretar questões raciais de maneira crítica e compreender como o racismo opera nas estruturas da sociedade continuará permitindo a criminalização de esforços antirracistas e retaliações como esta que sofri hoje.
Esse ataque, porém, só fortalece minha determinação e necessidade de seguir lutando contra o racismo e outras formas de opressão contra as mulheres. E a ampla mobilização das mais de 10 mil pessoas que pressionaram e repudiaram a tentativa de nos tirar o mandato nos manterá aqui firme na luta.