Sara Azevedo entra com representação no STF contra Zema
A professora da Rede Estadual de Minas Gerais e militante do PSOL-MG deu entrada em ação popular para impedir que o governador Romeu Zema permita que estudantes não vacinados frequentem as escolas
A professora da Rede Estadual de Minas Gerais e militante do PSOL-MG Sara Azevedo deu entrada, nesta terça-feira (6), em uma ação popular para impedir que o governador Romeu Zema (Novo) permita que estudantes não vacinados frequentem as escolas estaduais de Minas Gerais, que vive atualmente uma epidemia de Dengue.
Zema anunciou a medida em vídeo divulgado nas redes sociais e amplamente difundido pela imprensa na última semana, em que, ao lado do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), afirmou que os jovens não precisavam da vacina para voltar às salas de aula na rede pública do estado.
Assim, tendo em vista a grave conduta dos parlamentares, que violaram as orientações do Ministério da Saúde e propagaram o discurso negacionista que já causou sérios danos à população brasileira durante a pandemia de Covid-19, além da ação popular, que pede que os estudantes devam apresentar seus cartões de vacinação, Sara Azevedo também pede, por meio de uma ação criminal, a responsabilização dos três pelo uso de suas posições enquanto figuras públicas para difundir um discursos com conhecidas consequências danosas para a coletividade.
Apresentada ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), na Comarca de Belo Horizonte, a ação popular tem como base o seguinte:
- a obrigatoriedade de vacinação protege não apenas o vacinado, mas também aqueles que com este convivem, prevenindo epidemias, endemias e pandemias;
- por afetar a coletividade, a vacinação não é um direito do qual se pode abrir mão, sendo, concomitantemente, um direito e um dever;
- a Constituição Federal prevê a obrigação do Estado de prestar assistência à saúde da população, inclusive sob a forma preventiva, como é o caso da obrigação do Estado de compelir as pessoas a se vacinarem;
- o dever do Estado de prevenir doenças, inclusive por meio da vacinação, decorre também das previsões constitucionais do princípio da dignidade da pessoa e da construção de uma sociedade solidária, de modo que o Estado não pode permitir que uma pessoa, em razão de convicções pessoais, propague doenças, especialmente tratando-se de convicções de cunho negacionista;
- a Constituição garante o direito à liberdade de crença com limites no que diz respeito ao bem comum, proibindo portanto, expressamente, que alguém invoque sua crença para se eximir de obrigação a todos imposta;
- a Constituição Brasileira tem bases iluministas e, portanto, prevê o princípio da laicidade, do qual se extrai o princípio do primado da razão, de modo que as crenças religiosas e não-científicas são permitidas apenas para fins de foro íntimo, não podendo estas basearem a elaboração de políticas públicas;
- os mecanismos de prevenção a doenças são financeiramente menos onerosos para o Estado do que os mecanismos curativos, de modo que a vacinação gera economia de recursos, permitindo que as verbas que seriam gastas com meios curativos tenham outro destino, racionalizando a gestão financeira do Estado;
- o STF, em 2020, ao declarar inconstitucionais dispositivos de lei federal que proibiam Estados e Municípios de fazerem lockdown sem o aval do Governo Federal, decidiu que o Poder Judiciário deve intervir nas políticas públicas elaboradas pelos poderes Executivo e Legislativo quando estas colocarem em risco a saúde coletiva.
A representação criminal será apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de distribuição ao Ministro Alexandre de Moraes, e tem por base os argumentos da ação popular, acrescidos do seguinte:
- Nikolas e Cleitinho, no vídeo, exaltaram a promessa de Zema de liberar a frequência de alunos não vacinados nas escolas, alegando respeito à liberdade, não apenas apoiando a medida como incentivando a liberdade de escolha acerca da vacinação;
- sua fala, além de contribuir para que outros estados permitam alunos não vacinados nas escolas, incentiva as pessoas em geral a não se vacinarem e propaga a ideia de que quem não se vacina está exercendo um direito legítimo;
- em razão do exposto, Zema, Nikolas e Cleitinho cometeram o crime de tentativa de epidemia (já que, ao defender a liberdade de propagação de germes patogênicos, assumiram o risco de causar uma epidemia), cuja pena varia de 3 anos e 4 meses a 10 anos; ou, se vier a ocorrer de fato uma epidemia em razão da decisão de Zema, os três respondem pelo crime consumado de epidemia (causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos), cuja pena varia de 10 a 15 anos, se a epidemia não causar morte, e de 20 a 30 anos, se esta causar morte. Estes crimes são todos abrangidos pela Lei da Ficha Limpa e, em caso de condenação, os três políticos ficarão inelegíveis desde a primeira condenação por tribunal até o decurso de 8 anos após o término do cumprimento da pena;
- cabe ao STF processar e julgar os três políticos neste caso, porque dois deles (Nikolas e Cleitinho) são deputado federal e senador, respectivamente, tendo portanto foro privilegiado no STF, e Zema, por ter cometido crime em conluio com os dois, deve ser julgado também no STF;
- na representação, além da condenação criminal dos três políticos, será pedido também que o relator, por decisão monocrática, decrete medida cautelar para proibir que Zema permita que crianças não vacinadas frequentem a escola;
- a representação deve ser distribuída ao Ministro Alexandre de Moraes por ser este o relator do Inquérito nº 4.888, que investiga fake news propagadas por Bolsonaro para desincentivar a vacinação contra Covid-19, uma vez que Nikolas é aliado de Bolsonaro e, portanto, o vídeo gravado por Nikolas com Zema e Cleitinho deve ser parte de uma articulação política de Bolsonaro e seus aliados contra a vacinação, de modo que a representação apresentada é conexa ao citado inquérito;
- o Ministro Alexandre de Moraes, caso julgue cabível, deve instaurar inquérito contra Zema, Nikolas e Cleitinho, independentemente de pedido da Procuradoria-Geral da República, uma vez que a representação, como explicado, é conexa ao Inquérito nº 4.888 (fake news de Bolsonaro contra a vacina da covid-19), que, por sua vez, é conexa ao Inquérito 4.781, que investiga fake news e ataques de Bolsonaro contra o STF, de modo que a norma que permite ao STF abrir inquéritos independentemente de pedido da PGR em caso de crimes praticados contra o tribunal aplica-se à representação, em razão da conexão.