Frantz Fanon (em seu centenário)
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Frantz Fanon (em seu centenário)

Uma reflexão para o centenário de nascimento do revolucionário anticolonial

Manuel Desviat 17 abr 2024, 08:00

Imagem: Frantz Fanon. (Suhad Khatib, 2019)

Via Viento Sur

Completam-se 100 anos do nascimento de Frantz Fanon (1925-1961), o autor cultuado da descolonização, cuja obra fez parte da mochila dos revolucionários da década de 1960, como Ernesto Che Guevara, Patrice Lumumba e Nelson Mandela, e ajudou a forjar a ideologia da resistência e das lutas revolucionárias no Sul Global.

Nascido na Martinica, quando a ilha ainda era uma colônia francesa, Fanon tinha uma condição tripla: era negro, psiquiatra e militante da Frente de Libertação Nacional (FLN) durante a guerra de independência da Argélia. Quando adolescente, ele se juntou ao movimento cultural e político da Negritude, promovido por Aimé Césaire – um compatriota que foi seu professor de literatura -, Leopold Sédar Senghor e Léon-Gontran Damas. Césaire, um grande poeta, político e comunista, exerceu profunda influência sobre Fanon, especialmente em seu primeiro livro Pele Negra, Máscaras Brancas, no qual ele trata da alienação dos negros na sociedade branca por meio de observações clínicas, diagnosticando os sintomas patológicos do racismo na vida cotidiana. Ele analisa as relações neuróticas em que o conceito de raça é reproduzido e naturalizado. Sua análise revela uma civilização na qual o sujeito dominado deve se curvar às máscaras brancas do colonizador, adotar seus significados (branquitude) e renunciar aos seus próprios (negritude). Nesse processo de alienação, todos correm para se assemelhar ao branco, imersos na angústia da identidade. É na reivindicação da negritude que Fanon se diferencia de seus mestres, os ideólogos da nação negra, porque ao seu antirracismo ele une a revolução social, a luta por outra sociedade sem opressores ou oprimidos, onde a cor da pele não conta, onde a diferença é aceita.

Fanon estudou medicina em Lyon com uma bolsa de estudos por ter lutado com as forças aliadas contra os nazistas. Especializado em psiquiatria, depois de alguns anos na França com Francesc Tosquelles – psiquiatra catalão exilado após a Guerra Civil, cofundador do POUM e precursor da psicoterapia institucional -, foi trabalhar na Argélia como diretor médico do hospital psiquiátrico de Blida-Joinville, com mais de dois mil pacientes em condições desumanas e falta de equipe médica.

Fanon chegou à Argélia no período que antecedeu a guerra de independência, onde sua filiação inicial à FLN o forçou a combinar seu trabalho como terapeuta com sua militância clandestina, usando o hospital como refúgio e clínica para ajudar os insurgentes. Em sua prática, ele tratava vítimas e perpetradores da colonização, casos clínicos de pessoas afetadas pela guerra, colonos e colonizados, torturadores e torturados. Torturadores que chegam a seu consultório após as sessões de tortura, reclamando de várias doenças que não relacionam com sua, digamos, atividade profissional.

Como psiquiatra, Fanon foi além do que havia aprendido em Saint Alban, antecipando-se a Franco Basaglia – que usaria o exemplo de Blida em sua negação da instituição psiquiátrica – ao afirmar que o microcosmo social da psicoterapia institucional cronifica o detento, que o confinamento sempre limita o valor desalienante da terapia e que o verdadeiro meio socioterapêutico é a sociedade. Isso o leva a buscar tratamento fora do manicômio, promovendo uma terapia que confronta o sujeito com o conflito que provocou a crise, com a toxicidade da realidade. A mesma realidade que, como militante clandestino, o obrigou a se exilar na Tunísia, onde fundou o primeiro hospital-dia psiquiátrico da África e atuou como estrategista e teórico da revolução, porta-voz do Governo Provisório da República da Argélia em toda a África negra. Uma revolução que Fanon espera que se torne a vanguarda da revolução em toda a África.

Foi seu último livro, Os Condenados da Terra (cujo título se refere à primeira estrofe da Internacional), escrito quando ele já estava sofrendo de leucemia – morreu aos 36 anos em 1961 -, pelo qual se tornou mundialmente conhecido. Nela, ele nos mostra que a violência da barbárie colonial se manifesta não apenas em massacres genocidas, mas, sobretudo, na imposição aos povos e raças colonizados de uma dependência servil e degradante e que, por essa mesma razão, como a privação e a submissão são revestidas de humilhação, a resposta libertadora, a emancipação, sempre terá de ser uma insurgência violenta.

Mais de seis décadas após a morte de Fanon, a diferença entre riqueza e pobreza no mundo foi reconfigurada, assim como o colonialismo, persistindo em formas de racismo, xenofobia e exploração, salvo na Palestina, onde a ocupação de fato continua. Uma ocupação genocida que o governo israelense defende como um direito para salvaguardar a civilização ocidental, com base na crença consolidada de que esse direito prevalece sobre o de outros povos que podem ser arrasados. Enquanto a Europa pede “moderação nos massacres” e o mantém como parceiro comercial, inclusive de armas.

Hoje, muitos de nós estaríamos com Fanon quando ele renega a Europa, uma Europa que trai seus valores, aqueles que ele foi defender nas trincheiras quando adolescente e cuja verdadeira face ele espalha por todo o mundo ocidental.

Há dois séculos – escreve ele naquela que talvez tenha sido sua última carta, que conclui Os Condenados da Terra e que nos parece premonitória – uma ex-colônia europeia decidiu imitar a Europa. O sucesso foi tão grande que os Estados Unidos da América se tornaram um monstro no qual os defeitos, as doenças e a desumanidade da Europa atingiram proporções terríveis.

O fato é que, com as imagens de Gaza naturalizando a desumanidade dia após dia, as bandeiras da pátria fechando fronteiras e promovendo uma extrema direita claramente fascista, ao reler Fanon quando ele diz: “O colonialismo não pode ser entendido sem a possibilidade de tortura, estupro e assassinato” (Fanon F., Para la Revolución Africana, México, FCE, 1974, p.71), não podemos deixar de pensar que as democracias liberais em que vivemos e que mantemos não podem ser compreendidas sem a exploração, a alienação social e a guerra inerentes ao capitalismo que as constitui.

A habitabilidade social deste planeta só será possível com a subversão da ordem existente, e isso exige uma tomada de consciência coletiva.


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