Os limites do PT de Quaquá no combate estratégico às milícias no Rio de Janeiro
20210818060852_c6d87ed4-6c45-4192-bb5f-d8d63a538fd8

Os limites do PT de Quaquá no combate estratégico às milícias no Rio de Janeiro

As posições do atual vice-presidente do PT representam a dimensão da adaptação do partido no Rio de Janeiro

Honório Oliveira 11 abr 2024, 14:43

Foto: Brasil 247

A prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco soou como um grito sufocado por seis anos. Ainda não foi a solução integral do caso e tampouco da metástase que assola o Rio de Janeiro.

A detenção dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa é apenas uma camada de uma situação complexa, de coexistência, no estado e especialmente na capital fluminense, entre o capitalismo neoliberal e outro decadente, bárbaro, de acumulação primitiva, produto também do processo de reprimarização do país e do lugar que essa grande fazenda em que se transformou o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho.

Prova disso, por exemplo, é que no Rio coexistem o Grupo Globo, maior conglomerado de mídia e comunicação do Brasil e da América Latina, símbolo do neoliberalismo progressista que ajudou a derrotar Bolsonaro, junto com as milícias. Um processo de desenvolvimento desigual e combinado que acumula contradições abissais. Aqui, são raros os partidos que não estejam vinculados a grupos milicianos. Com representação parlamentar, o PSOL é uma dessas raríssimas exceções.

Na ocasião do anúncio da prisão dos mandantes do crime que resultou no assassinato de Marielle e Anderson, o ministro Lewandowski, como expressão dos limites que o regime brasileiro tem no combate ao crime organizado, anunciou a versão do governo de que o caso estava encerrado. Não é razoável dar como encerrado um caso que levou seis anos para ter seus mandantes revelados e cujo inquérito foi comandado por cinco delegados durante esse período. O que o ministro fez foi descartar uma obviedade que se coloca com a imponência de um edifício: além dos irmãos Brazão e de Barbosa, existe certamente uma rede de cooperação, corrupção e prevaricação que operou não só a obstrução de justiça deste caso, mas de muitos outros.

A versão de encerramento do caso é de um ministro do governo Lula, eis um limite concreto. Essas são as contradições do governo Lula, que, embora fundamental na derrota de Bolsonaro, não pode ir a fundo em nenhuma questão estrutural, por sua natureza de unidade nacional, de uma concertação entre classes. Isto é, foi uma composição fundamental para derrotar eleitoralmente o neofascismo, mas que seguirá acumulando profundas contradições. Uma parcela da burguesia brasileira está vinculada a este modo de acumulação primitiva: o agronegócio e as milícias do campo, o garimpo e os madeireiros na Amazônia, no Rio de Janeiro, todos sabemos como negócios, crime, polícia e política se relacionam. Neste quadro, o PSOL do Rio de Janeiro terá uma dura tarefa, que não tem só a ver com os processos eleitorais, mas é nesses processos que as coisas costumam ficar mais evidentes.

Em 2024, é certo que o PSOL não terá apoio formal de nenhum partido com representação parlamentar à candidatura de Tarcísio Motta. Quase a totalidade dos partidos que compõem a base do governo Lula vai apoiar Eduardo Paes – dentre eles, o PT. Paes é criatura do processo que expandiu as milícias como portadoras e afiançadoras do poder público carioca e fluminense. Isso não é novidade para nenhum carioca, o vínculo de Paes com as milícias vem de longa data e seus três mandatos na Prefeitura do Rio são a maior prova disso – há pelo menos duas décadas nenhum prefeito é eleito aqui sem apoio de milicianos. A equação é simples: por meio do controle e exploração do território, se controla o voto – e hoje as milícias controlam 57% do território da capital. Não se faz necessário insistir no truísmo de que Paes tem ligação política com as milícias, a presença de Chiquinho Brazão no seu secretariado até dois meses atrás é só o último ato dessa antiga relação. Aqui nos interessa explicar por que o PT-RJ apoiará Paes.

O movimento de degeneração do PT-RJ tem como marco de inflexão política a intervenção nacional no diretório estadual na ocasião da escolha de Vladimir Palmeira para ser candidato ao governo do estado em 1998. Palmeira era o candidato da ala esquerda do partido, apoiado também pelo então jovem Quaquá. Lula e José Dirceu ignoraram o processo democrático interno, intervieram no diretório estadual e impuseram a candidatura de Anthony Garotinho com a vice-candidatura de Benedita da Silva. De lá pra cá, o que marcou o partido no Rio de Janeiro foi o vale tudo – inclusive abrigando, por sucessivos mandatos parlamentares, figuras como Jorge Babu, que, sendo policial civil e notório miliciano da Zona Oeste, ostentou mandatos de vereador da capital e deputado estadual pelo PT.

A recente declaração do vice-presidente nacional do PT e deputado federal, Washington Quaquá, sobre a inocência de Domingos Brazão no caso Marielle não é “raio em céu azul”. O PT-RJ, ou pelo menos sua ala majoritária, já naturalizou as milícias como parte inerente ao ethos político da realpolitik fluminense. Quaquá, e até as pedras do Arpoador, sabem que a família Brazão tem seu império político montado sobre o crime no Rio de Janeiro. Recentemente, Quaquá posou em seu camarote na Sapucaí coberto de ouro – um desavisado diria se tratar de um bicheiro. Sabe-se lá porque e para que um deputado federal tem um camarote desse tipo, segundo ele para faturar quatro milhões durante o carnaval. A última do chefe máximo do PT-RJ foi faltar à votação que definiu pela manutenção de Chiquinho Brazão, um dos mandantes da execução de Marielle. O PT-RJ tem esse poder de ser uma espécie de Midas ao contrário, tudo que toca se transforma em seu oposto – ou piora muito.

O último célebre caso do tipo é Marcelo Freixo, que, de presidente da CPI das Milícias, passou a subordinado de ministra miliciana na Embratur – me refiro à anterior ministra do Turismo Daniela do Waguinho. Aí se encerrou a travessia do Rubicão por Freixo. Caminhamos para um cenário eleitoral em que, mesmo com a elucidação do caso Marielle Franco, PT, PSB e PDT já fecharam questão no apoio a Paes. Para quem acompanha e vive a política do Rio de Janeiro de perto, não existe surpresa. Mas ao PSOL-RJ cabe a tarefa de seguir, mesmo que solitariamente, em relação à superestrutura política, essa luta democrática, fazendo todos os esforços para que uma parcela da sociedade carioca enxergue que quem está com Paes é conivente com o crime organizado e com as milícias. Temos que lutar para que a campanha de Tarcísio Motta se transforme num movimento da cidadania carioca e que tenha essa pauta como eixo democrático de primeira ordem. Com milícia não tem jogo, o Rio de Janeiro precisa ser refundado.


TV Movimento

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.

Desenvolvimento Econômico e Preservação Ambiental: uma luta antineoliberal e anticapitalista

Assista à Aula 02 do curso do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento. Acompanhe nosso site para conferir a programação completa do curso: https://flcmf.org.br.
Editorial
Executiva Nacional do MES/PSOL | 01 nov 2024

Notas para um balanço do 2º turno eleitoral

Documento de balanço eleitoral da Executiva Nacional do MES/PSOL
Notas para um balanço do 2º turno eleitoral
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi