A originalidade e a importância da 1ª Conferência Mundial Antifascista
A Conferência Mundial Antifascista em acontecerá em Porto Alegre de 17 a 19 de maio de 2024
Foto: Montecruz/Creative Commons
Via CADTM
Qual é a originalidade da conferência que ocorrerá em Porto Alegre de 17 a 19 de maio de 2024?
Nos últimos anos, em resposta à (re)ascensão da extrema direita em todo o mundo, foram realizadas várias conferências internacionais. Em geral, elas foram organizadas por um partido político ou uma única família política, ou por uma fundação específica, como a Fundação Rosa Luxemburgo.
A originalidade da presente iniciativa é que ela está sendo organizada por vários partidos e conta com o apoio de outros partidos políticos de esquerda que deixaram de lado suas divergências para a ocasião. Nesse caso, dois partidos de esquerda com histórias diferentes, o PT e o PSOL de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, concordaram em convocar juntos essa conferência e formar um comitê organizador local unitário. Eles obtiveram o apoio de sua organização nacional. Essa é a primeira característica original. Não é banal quando se considera o quanto a esquerda está dividida nos quatro cantos do planeta.
A segunda característica original: outros partidos de esquerda seguiram o exemplo e estão apoiando essa conferência, notadamente o Partido Comunista do Brasil (PCdoB, de origem maoista) e a Unidade Popular (UP).
A terceira característica original: o apoio ativo de importantes movimentos sociais, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST, membro da Via Campesina) e sindicatos como o CEPRS, a Assufrgs e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio Grande do Sul. Outros movimentos sociais também deram seu apoio.
A quarta característica original: todos os continentes e quase todas as principais regiões do mundo estarão representados, embora de forma desigual. Haverá delegados da América do Norte, de toda (ou quase toda) a América Latina e do Caribe, do norte da África e da região árabe, da África Subsaariana, da Europa, da Austrália etc.
A quinta característica original: redes internacionais, como CADTM e ATTAC, e fundações como CLACSO (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), o Transnational Institute, com sede em Amsterdã, e a Fundação Copernicus, com sede na França, também estarão presentes. Organizações e fóruns políticos internacionais estarão presentes: oFórum de São Paulo, a Quarta Internacional, a Liga Socialista Internacional (LIS), a Tendência Socialista Internacional (TSI) e, esperamos, a Internacional Progressista e provavelmente outras. Da França, La France Insoumise e o NPA estarão presentes; da Espanha, Anticapitalistas, CUP (Catalunha) e ATTAC; de Portugal, o Bloco de Esquerda… Dos Estados Unidos: DSA (Democrat Socialist of America). Da Austrália: Green Left (Esquerda Verde). Da Argentina: Movimento Socialista dos Trabalhadores, Libres del Sur, Unidad Popular, Marabunta, MULCS, FOL, CPI e também a Autoconvocatoria para a suspensão do pagamento da dívida, a revista Crisis, a ATTAC-CADTM Argentina, economistas de esquerda e sindicatos como o CTA. Para ver a lista de «personalidades» cuja participação foi confirmada, acesse https://antifas.org/#programacao/.
A sexta característica original: enquanto os Fóruns Sociais Mundiais e suas contrapartes continentais não admitem partidos políticos como tais, neste caso, partidos políticos, movimentos sociais e associações de cidadãos estarão presentes juntos.
Sétima característica original: não se trata apenas de interpretar o mundo da extrema direita, mas de tentar lançar uma iniciativa para mudar a situação. É certo que será uma iniciativa modesta, pois estamos apenas no início do processo, mas se a etapa de Porto Alegre for encorajadora, poderemos avançar passo a passo. Isso significará superar as divisões que estão enfraquecendo dramaticamente a esquerda para enfrentar a extrema direita.
Como está o andamento dos preparativos em Porto Alegre?
É muito animador ver que, dia 2 de maio de 2024, duas semanas antes do início da conferência, 1.376 pessoas se inscreveram no site https://antifas.org/ para participar. Várias organizações sindicais de Porto Alegre estão disponibilizando acomodações coletivas e salas de reunião para a conferência. Elas também estão fornecendo ônibus para transportar pessoas de bairros da classe trabalhadora até o ponto de partida da marcha de abertura, que ocorrerá na sexta-feira, 17 de maio, a partir das 18 horas. Espera-se que milhares de pessoas participem da marcha. Isso também é incomum, pois, nos últimos tempos, a esquerda não tem se reunido em grande número no Brasil. E não houve grandes manifestações de rua contra a extrema direita em nenhum lugar do mundo recentemente, com exceção da Alemanha no início de 2024. Claro, e isso é encorajador, que houve manifestações maciças em todo o mundo em solidariedade ao povo palestino em face do governo de extrema direita de Netanyahu. De fato, na conferência de Porto Alegre, será feita a ligação com as mobilizações em massa nos campus universitários dos Estados Unidos.
Também deve ser destacado que, em outros estados além do Rio Grande do Sul, iniciativas unitárias estão sendo tomadas em preparação para a conferência de Porto Alegre, especialmente no estado do Ceará.
Quais atividades estão planejadas para a conferência, além da manifestação do dia 17 de maio?
Haverá 8 reuniões plenárias sucessivas, organizadas sob a responsabilidade do comitê organizador local, entre a manhã de sábado, 18, e a tarde de domingo, 19 de maio. Além disso, haverá dezenas de atividades auto-organizadas. Consulte o programa das plenárias: https://antifas.org/appel/. Provavelmente haverá vistas de campo para os participantes que chegarem antes do início da conferência ou permanecerem no local após o domingo, 19 de maio. Haverá também atividades culturais. Deve-se ressaltar que o PT e o PSOL estão na oposição na capital Porto Alegre e no estado do Rio Grande do Sul, dominado pela direita. Toda a logística é organizada sem nenhum apoio institucional. Tudo se deve aos esforços dos ativistas e ao apoio financeiro das organizações políticas e sociais por trás da iniciativa.
Por que Porto Alegre é um lugar certo para essa conferência e para o lançamento de um processo que deve ganhar força a partir de então?
Em 2001, Porto Alegre foi o palco do Fórum Social Mundial, que se reuniu aqui em várias ocasiões com uma participação muito grande: até 100.000 participantes. Era uma época diferente, é claro: estávamos no auge das grandes mobilizações internacionais contra a ofensiva capitalista neoliberal, e ali nasceu o chamado movimento altermundialista, ou alterglobalista com os seguintes temas: «Um outro mundo é possível», «O mundo não é uma mercadoria». Em seguida, o FSM e essas grandes mobilizações entraram em declínio. Em um contexto francamente desfavorável, com o avanço maciço da extrema direita e o recuo da esquerda em muitas partes do mundo, temos que tentar contribuir a relançar uma dinâmica de acumulação de forças. Isso não será fácil. Portanto, começar de novo em Porto Alegre, o berço do Fórum Social Mundial, é uma boa escolha.
Mas tem uma segunda razão pela qual Porto Alegre é o lugar certo para realizar essa primeira conferência: sua relativa proximidade com a Argentina (por estrada são cerca de 1.300 km, menos de 1.000 se você passar pelo Uruguai). É possível viajar de transporte público de Buenos Aires ou de outras partes da Argentina para Porto Alegre. Uma dúzia de organizações de esquerda argentinas está se coordenando para enviar dois ônibus a Porto Alegre, transportando cerca de cem ativistas. A presença ativa de companheiros da Argentina é particularmente importante visto que lá atua o governo de Javier Milei, que está tentando implementar um programa de choque contra as conquistas sociais e que se identifica claramente com ideias de extrema direita.
A terceira razão: nessa cidade, o PT e o PSOL são aliados e superaram suas diferenças, por exemplo, para concorrerem juntos nas eleições municipais a serem realizadas em outubro de 2024. No entanto, eles não estão sozinhos, com o PCdoB, o partido REDE etc. Eles também têm o apoio de movimentos sociais como o MST e os sindicatos.
Por que realizar essa conferência em 2024 e por que no Brasil?
Essa conferência já deveria ter sido realizada há muito tempo. Deve-se lembrar que Bolsonaro e seus apoiadores tentaram, ao invadir os centros dos três poderes do governo – o judiciário, o legislativo e o executivo – em Brasília em 8 de janeiro de 2023, encenar um remake da invasão do Congresso em Washington em 6 de janeiro de 2021, organizada por Trump e seus apoiadores. Foi então a confirmação que Bolsonaro estava preparando seu retorno ao desestabilizar o governo recém-eleito de Lula. Além disso, Bolsonaro e seus apoiadores acabaram de se manifestar novamente em fevereiro de 2024, com uma manifestação de quase 200.000 pessoas em São Paulo, mostrando que podem mobilizar seus apoiadores em massa nas ruas. Ao se unir eleitoralmente, a esquerda mostrou que poderia derrotar Bolsonaro nas urnas, mas a vitória foi muito curta e o povo brasileiro estava longe de se livrar de uma vez por todas de Bolsonaro e da extrema direita. Mais recentemente, no final de 2023, a vitória eleitoral de Javier Milei na Argentina foi outro sinal de alerta muito sério em nível continental.
Ao longo de 2024, a extrema direita, que obteve ganhos em vários países europeus entre o final de 2023 e abril de 2024, especialmente na Holanda, em Portugal e na Alemanha, ganhará ainda mais forças nas eleições europeias de junho de 2024 e em outras eleições nacionais. Da mesma forma, o governo de extrema direita de Modi provavelmente sairá fortalecido das eleições de maio na Índia. Bukele, em El Salvador, foi reeleito no início de 2024, Putin foi reeleito e, é claro, há o risco de Trump vencer as eleições presidenciais de novembro de 2024. Sem esquecer o genocídio contínuo que está sendo perpetrado contra o povo palestino pelo governo fascista de Netanyahu.
Por tudo isso, em 2024, já era mais do que na hora de lançar uma iniciativa internacional, e o Brasil é um bom lugar para isso.
A extrema direita tem a iniciativa em nível internacional?
Claramente, a extrema direita está aproveitando a crise capitalista em suas várias formas para avançar e mostrar que tem o vento em popa em nível internacional. Reuniões da extrema-direita estão se multiplicando em nível internacional, e o fato de ela chefiar governos está lhe dando asas. A investidura de Milei no final de 2023 foi outra oportunidade de mostrar a convergência, apesar de sua diversidade, entre Victor Orban, o primeiro-ministro húngaro, Donald Trump, Bolsonaro, Netanyahu, a extrema direita espanhola etc. Em julho de 2024, representantes da extrema direita se reunirão em São Paulo.
E no futuro?
Se a aliança PT-PSOL levar a prefeitura de São Paulo nas eleições de outubro de 2024, a capital econômica do Brasil talvez possa sediar uma segunda conferência antifascista em 2025. Por que não? E se não, teremos que encontrar um local adequado para continuar o esforço.
Iniciativas continentais ou regionais também seriam muito úteis. Após o choque causado pelo fortalecimento da extrema direita no Parlamento Europeu, haverá uma reação salutar por parte de um número significativo de forças de esquerda para convocar uma grande conferência europeia unida? E na América do Norte (EUA, Canadá, México…), a esquerda também poderia organizar uma iniciativa? Outras iIniciativas poderiam ser lançadas em outras partes do mundo…
Que dificuldades precisam ser superadas para lançar um processo poderoso?
Estamos apenas no início de um processo e um resultado positivo ainda tem que ser conquistado. O que é garantido é que, se não tentarmos criar um movimento internacional poderoso contra a extrema direita, ela terá uma boa chance de continuar seu avanço e se tornar mais ousada. As divisões dentro da esquerda nos vários continentes são um fator importante na fraqueza da resposta à ascensão da extrema direita. Entre os muitos problemas que surgem na tentativa de construir uma iniciativa unitária importante, podemos mencionar os seguintes: o desejo de priorizar sua própria construção como força política; a recusa em ajudar no sucesso de uma iniciativa unitária por medo de que isso fortaleça um concorrente político; a resistência em se unir a partidos cuja política governamental incentiva a desilusão que leva alguns eleitores de esquerda ou de primeira viagem a votar na direita; a falta de colaboração anterior, a dificuldade de reunir partidos, movimentos sociais e associações de cidadãos; de reunir organizações e indivíduos… Todos esses são problemas muito reais, e não são fáceis de superar. Aliás, ao construir um vasto movimento internacional contra a extrema direita, precisamos ser capazes de debater esses problemas, entendê-los, tentar resolvê-los ou deixá-los temporariamente de lado para fortalecer as convergências em uma plataforma unitária operacional.
A adoção dessa abordagem de frente única não implica, de forma alguma, que cada organização abra mão de sua autonomia, de seu programa e de sua ação. Para os anticapitalistas, a construção de uma aliança contra a direita e antifascista, que pode incluir partidos de esquerda que participam de governos e que praticam a colaboração de classe, deve ser acompanhada de esforços redobrados para tornar credíveis uma perspectiva e uma prática revolucionárias. De qualquer forma, o sucesso no enfrentamento da ascensão da extrema direita dependerá da capacidade de desenvolver mobilizações populares em larga escala e de ajudá-las a levar a mudanças políticas que rompam com o sistema capitalista e favoreçam uma saída ecologista socialista («ecossocialista»), feminista, antirracista e internacionalista…