Mudanças nas paisagens do Rio Grande do Sul e a urgência de um novo modelo de planejamento territorial e ambiental para prevenir desastres naturais

Mudanças nas paisagens do Rio Grande do Sul e a urgência de um novo modelo de planejamento territorial e ambiental para prevenir desastres naturais

Tanto cidades quanto áreas rurais precisam de um novo modelo de planejamento que vise mais o bem-estar e menos o lucro frente as mudanças climáticas em curso

Nina Simone Vilaverde Moura 26 maio 2024, 09:51

No Brasil os principais fenômenos relacionados a desastres naturais são derivados da dinâmica externa da Terra, tais como, inundações, movimentos de massa (escorregamentos de solos ou rochas) e tempestades. Estes fenômenos ocorrem normalmente associados a eventos pluviométricos intensos e/ou, muitas vezes, prolongados.

Os desastres naturais no Brasil são considerados por diversos autores como consequência do intenso e desarmonioso processo de urbanização verificado no país nas últimas décadas, que levou ao crescimento das cidades em áreas impróprias à ocupação, devido às suas características geológicas e geomorfológicas desfavoráveis. As intervenções antrópicas nestes terrenos, tais como, desmatamentos, cortes, aterros, alterações nas drenagens, lançamento de lixo e construção de moradias, efetuadas, na sua maioria, sem implantação de infraestrutura adequada, aumentam os perigos de instabilização dos mesmos. Quando há um adensamento destas áreas por moradias precárias, os desastres associados aos escorregamentos e inundações assumem proporções catastróficas causando perda de vidas, bem como grandes perdas econômicas e sociais.

No Brasil há uma estreita relação entre o avanço da degradação ambiental, a intensidade do impacto dos desastres e o aumento da vulnerabilidade social.

Em decorrência do grande volume acumulado de chuvas no estado do Rio Grande do Sul nos meses de abril e maio de 2024 temos vivenciado intensos processos de inundação e movimentos de massa de grande dimensão espacial em território gaúcho. O conhecimento da gênese e da dinâmica da paisagem permite identificar quais condições no terreno contribuem para a ocorrência dos processos geológico-geomorfológicos e suas consequências nas áreas atingidas:

Os processos de movimentos de massa envolvem deslocamento de materiais, tais como solo, rocha, além da vegetação das encostas escarpadas. Encostas e canais de drenagem em ambiente de alta declividade favorecem a ocorrência de movimentos de massa (escorregamentos, rolamento de rochas, corrida de massa etc.) e suas características resultam da combinação de fatores geológicos, hidrológicos, geomorfológicos e antrópicos. 

As áreas mais suscetíveis a ocorrência de movimentos de massa no estado do Rio Grande do Sul são aquelas situadas nas encostas da escarpa (conhecida por serra gaúcha) do Planalto Meridional pois trata-se de um relevo sustentado por rochas e sedimentos com declividades acentuadas moldadas predominantemente por processos de transportes de sedimentos. Observa-se que grandes volumes de rochas e sedimentos estão sendo deslocados para as áreas mais baixas, provocando uma grande perda de solos que estão sendo acumulados nas áreas de planícies e fundo de vales por onde corre os rios. As cicatrizes deixadas pelos movimentos de massa na paisagem são de difícil recuperação; para isso é necessária a estabilidade do terreno e a recuperação da cobertura vegetal nativa. Nesse contexto, poderão ser criadas condições que irão possibilitar, no futuro, a formação de novos solos que trarão maior estabilidade, porém num prazo de tempo longo, de milhares de anos. Áreas ao entorno da ocorrência dos movimentos de massa podem indicar uma alta suscetibilidade à geração de novos processos e, por isso, é inerente a existência de um planejamento para seu uso e ocupação (rural e urbano) e, principalmente, que considere firmemente a alta suscetibilidade de áreas a movimentos de massa.

As inundações são eventos naturais que ocorrem com periodicidade nos cursos d’água, frequentemente deflagrados por chuvas fortes e rápidas ou chuvas de longa duração. Em condições naturais, as áreas úmidas (banhados, planícies, deltas, lagos, lagoas e fundos de vales) apresentam lento escoamento superficial das águas das chuvas, pois servem como “esponjas” que absorvem, retardam o escoamento das águas e armazenam para épocas de seca. No entanto, espaços urbanos assentados sobre áreas úmidas têm intensificado o escoamento e acúmulo de água devido as alterações antrópicas, como a impermeabilização do solo, retificação e assoreamento de cursos d’água. Este modelo de urbanização, com a ocupação das planícies de inundação e impermeabilizações ao longo das vertentes e dos fundos de vale, mesmo em cidades de topografia relativamente plana, onde, teoricamente, a infiltração seria favorecida, podemos observar que os resultados têm sido catastróficos.

Nesse cenário, temos um conjunto de áreas úmidas identificadas como banhados, planícies e deltas com ocupação urbana nos municípios mais atingidos da Região Metropolitana de Porto Alegre com São Leopoldo, Novo Hamburgo, Gravataí, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado, Guaíba e a própria capital do Estado. Destacam-se o município de Eldorado e o bairro “planejado” Mathias Velho em Canoas, ambos totalmente localizados em áreas de banhado e planície de inundação. 

Tais áreas foram agora severamente modificadas pelas inundações em decorrência do grande aporte de sedimentos, misturados a rochas e a vegetação deslocadas das encostas e que estão sendo depositados nas áreas úmidas de topografia essencialmente planas e baixas. Os solos das áreas de lavoura irrigada (rizicultura) foram seriamente prejudicados e irão merecer um manejo agrícola árduo de recuperação. As áreas urbanas suscetíveis à inundação (planícies) devem ser rigorosamente evitadas devido à alta probabilidade de ocorrência de outros eventos de precipitação extrema. Nessas áreas sujeitas à inundação é fundamental que haja medidas técnicas-científicas para gestão e planejamento urbano e ambiental adequados à esta nova realidade imposta pela crise climática e que, portanto, impeça a ocupação em áreas de risco e que possa oferecer à população atingida, direta ou indiretamente, condições de moradia digna e socialmente justa.

O papel das ciências sociais e da terra, bem como da gestão e do planejamento territorial e ambiental, deve direcionar seus esforços principalmente para as seguintes ações que envolvam os riscos naturais e humanos:

  • Avaliar a suscetibilidade dos terrenos à ocorrência de inundações e movimentos de massa; 
  • Elaborar medidas para situações de vulnerabilidade social; 
  • Desenvolver sistemas de monitoramento e de alertas;
  • Desenvolver programas de educação ambiental a total a população.

Tanto cidades quanto áreas rurais precisam de um novo modelo de planejamento que vise mais o bem-estar e menos o lucro frente as mudanças climáticas em curso no nosso estado e em diferentes partes do Mundo. 


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