Entrevista com Éric Toussaint sobre o 6º Encontro Internacional Ecossocialista
O encontro aconteceu em Buenos Aires entre os dias 9, 10 e 11 de maio
Foto: CADTM
Vioa CADTM
Nos dias 9, 10 e 11 de maio de 2024, o 6º Encontro Internacional Ecossocialista e o 1º Encontro Ecossocialista da América Latina e do Caribe foi realizado em Buenos Aires (Argentina). O encontro contou com a participação de representantes de vários espaços: Eric Toussaint, Julio Gambina da Attac Argentina, membro do CADTM AYNA e da Corrente Política de Esquerda (CPI), Nadja Carvalho do PSOL Brasil, Iñaki Bárcenas da EH Gune Ecosozialista (País Basco), Alice Gato do Climáximo (Portugal), Fernanda Gadea, coordenadora do ATTAC Espanha, Beverly Keene, coordenadora do Jubilé Amériques du Sud, Claudio Katz, economista da esquerda argentina (EDI), Evelyn Vallejos (UTEP) e muitos outros.
O jornalista Muracciole conversou com Toussaint para saber mais sobre o Encontre e os workshops, painéis e debates organizados como parte dele. Compartilhamos essa entrevista com você.
Jorge Muracciole: Como surgiu o ecossocialismo e qual é a sua importância no atual contexto capitalista?
ET: Ele nasceu há cerca de 15 anos da convicção de que uma solução anticapitalista para a crise ecológica é absolutamente fundamental. A solução do «capitalismo verde» que está sendo proposta por governos e grandes multinacionais privadas, e que é objeto de enorme propaganda, não é a resposta para a crise ecológica e a mudança climática.
Uma resposta socialista ecológica é parte integrante do programa socialista de nosso tempo. Precisamos convencer a população de que a solução para a crise ecológica envolve mudar as relações de produção, mudar as relações de propriedade, mudar as relações entre as pessoas, é claro que dentro da estrutura do socialismo democrático.
Quais foram os principais temas da reunião?
O que foi muito positivo foi a participação de uma nova geração como palestrantes. Em todos os painéis e workshops, havia uma maioria de pessoas com menos de 45 anos que, em geral, com experiência e prática militantes. Mas, ao mesmo tempo, pessoas que integram a dimensão da ecologia e do anticapitalismo como parte de uma prática, uma práxis, e isso é fundamental.
Este não foi um seminário para analisar diagnósticos e teóricas polêmicas, mas sim uma conferência em que nos referimos à necessidade de acesso à terra, em que destacamos os efeitos nocivos e a gravidade do agronegócio, os efeitos da privatização da água, a privatização e a financeirização da natureza, a transição energética, o elo entre ecofeminismo e feminismo, os impactos sobre as mulheres e sua relação com os direitos do movimento LGBTIQ+. O racismo ambiental e a racialização da crise ecológica também foram abordados.
Esse foi o 6º encontro e o primeiro a ser realizado na América Latina e no Caribe, os anteriores começaram na Europa e daqui a dois anos, em 2026, voltará a esse continente, mais precisamente na Bélgica, mas entre os dois encontros haverá uma data importante: a COP30, em novembro de 2025, em Belém do Pará (Brasil). Estamos esperando dezenas de milhares de pessoas, povos indígenas e ativistas de todo o mundo.
Devemos ter em mente que as últimas Conferências das Partes (COP Nações Unidas) foram realizadas em países bem distantes, de acesso difícil, quase impossível : por exemplo, a COP27 foi realizada de 6 a 18 de novembro de 2022 em Sharm el Sheikh, um balneário no Egito, longe dos centros urbanos e em um país com um regime ditatorial; a COP28 em Dubai (Emirados Árabes Unidos), de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023; a COP29 será realizada este ano em Baku, no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro. São lugares muito distantes, onde não há possibilidade de organizar debates e manifestações envolvendo dezenas de milhares de ativistas com alternativas às «falsas soluções» que estão sendo propostas. Acreditamos que na COP30 em Belém do Pará, na foz do rio Amazonas, haverá uma mobilização muito grande de dezenas de milhares de ativistas e militantes.
Entre os assuntos que também formaram a pauta dessa reunião em Buenos Aires estava o problema da extrema direita e a crise ecológica… membros da extrema direita, como o ex-presidente brasileiro Bolsonaro e seus apoiadores, os bolsonaristas, ou a turma do novo presidente argentino Javier Milei, são negacionistas da crise ecológica e da necessidade de tomar medidas radicais para romper com o sistema capitalista. E esse negacionismo deles está tendo efeitos absolutamente desastrosos para as populaçoes, como estamos vendo atualmente no país vizinho da Argentina, com a situação catastrófica causada pelas enchentes no estado do Rio Grande do Sul (Brasil).
Essa importante reunião, com essas características, é fundamental em um processo tão distópico, em que na Argentina tem um governo que atualmente é ultraliberal e, além disso, de ultradireita. Além da urgência, estamos diante de uma situação assimétrica… ao contrário de outras épocas, não é necessário que haja «golpes de Estado sangrentos» para que ela seja implantada. Os governos de direita são formados com base em um amplo consenso da população.
A batalha de ideias é essencial, diante dessas ideias de extrema direita que se beneficiam do apoio da grande mídia e também da desilusão, despolitização e desorientação, elas conseguem convencer uma parte significativa da opinião pública. Diante disso, é absolutamente essencial combater as propostas da extrema direita.
Você não acha que o capitalismo, não apenas como um modelo de produção, mas também como um modelo de estilo de vida, gera práticas hegemônicas que, por sua vez, acabam gerando uma subjetividade próxima a essas concepções? Que é necessário desconstruir essa subjetividade e criar uma subjetividade alternativa.
Com certeza. E é por isso que repito que, no Encontro Ecossocialista, foi muito importante a capacidade da nova geração de expressar uma forma de analisar a realidade que pudesse atingir uma grande proporção de jovens em nível internacional. O ecossocialismo é justamente uma ponte intergeracional para aqueles que se opõem ao sistema do capitalismo globalizado.
A proposta «verde» dentro da estrutura do capitalismo é uma demonstração de que é um beco sem saída, porque houve muitas conferências sobre mudança climática, desde Kyoto até a Cúpula de Paris, e não houve progresso. O mundo continua o mesmo. Qual é a situação atual e quais são as perspectivas para o planeta diante desse projeto civilizatório de degradação do capitalismo?
A situação está se agravando em uma velocidade que nem mesmo os cenários mais pessimistas previram, como, por exemplo, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que não avaliou totalmente a velocidade das mudanças climáticas e a extinção de espécies em escala planetária.
Enquanto se fala em investimento em «veículos elétricos», «energias renováveis» etc., as emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar. A prova está na multiplicação de desastres «naturais», na escala desses desastres, como o que está acontecendo em Porto Alegre ou na África Oriental, afetada por inundações catastróficas, enquanto a África Ocidental é afetada pela seca e pelo calor extremo, pelo aumento da temperatura dos oceanos etc., o que implica um cronograma para impor uma bifurcação energética e não apenas uma transição energética, o que nos dá um prazo de até 10 ou 12 anos. Em termos de tempo, não temos duas ou três gerações para responder à crise, é a geração atual que precisa encontrar a solução, caso contrário, estaremos caminhando para uma verdadeira catástrofe para a humanidade.
Diante de uma situação tão grave, há negacionistas, setores da ultradireita que afirmam que esse tipo de questão em geral é um discurso do progressismo e do marxismo, mas, por outro lado, também há setores sociais que afirmam que é mais provável que o mundo seja destruído do que que seja necessário construir o socialismo, isso tem algo a ver com a derrota da União Soviética, com o que era o verdadeiro socialismo?
Precisamos reconstruir a esperança, a convicção e a capacidade de ver a urgência da situação, mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma resposta coletiva que envolva o declínio econômico no Norte global. Crescimento econômico, mas respeitando a natureza, no Sul, para satisfazer as necessidades fundamentais das populações, em termos de acesso à água, terra, saúde, educação, cultura, moradia decente… isso implica um crescimento econômico necessário em uma parte do mundo. Mas no Norte, precisamos organizar o declínio econômico. Precisamos reavivar a esperança mostrando que isso é tecnicamente possível, mas não por meio de soluções dentro do sistema capitalista proposto pelo «capitalismo verde», por meio da produção de «veículos elétricos» ou «hidrogênio verde» ou «captura de carbono», que não são verdadeiras soluções para encontrar uma alternativa para a atual crise ecológica.
Que mensagem você daria aos jovens daqui, já que você está na Argentina, para conscientizá-los da necessidade de construir uma alternativa que não seja o suicídio coletivo que estamos vivenciando por meio do capitalismo?
Que temos de lutar. De nos defender simultaneamente, por exemplo, contra governos como o de Javier Milei, conforme demonstrado pela mobilização maciça em defesa da educação e das universidades públicas em abril de 2024, etc.., mas também nos opormos ao extrativismo, ao fraturamento hidráulico, à mineração a céu aberto, ao modelo de monocultura da soja transgênica, ao agronegócio etc. Essas questões centrais nos permitem estabelecer elos entre os jovens dos centros urbanos e os jovens das zonas rurais (que lutam em seus próprios territórios) e conectar as minorias dos povos de origem com a maioria da população.
Em outras palavras, conectar o projeto de romper com o capitalismo com os problemas reais que as pessoas vivenciam diariamente.