Uma contribuição para a história do trotskismo brasileiro
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Uma contribuição para a história do trotskismo brasileiro

Resenha do livro “A Convergência Socialista m Passo Fundo”

Israel Dutra 3 nov 2024, 07:12

Imagem: PVI/Reprodução

Na longa marcha que existe para colocar em pé uma historiografia do trotskismo brasileiro, o aparecimento “A Convergência Socialista em Passo Fundo” foi uma contribuição importante.

Lançado recentemente pela editora Sundermann, o livro tem 232 páginas e conta, de forma fluente, a bela e dinâmica história da Convergência Socialista (CS) na cidade de Passo Fundo no Rio Grande do Sul.

Vale registrar, de antemão, que existe um motivo para destacar a trajetória da CS na cidade dada uma especificidade, que consta logo de largada na descrição do livro: a de que a força da CS em Passo Fundo era proporcionalmente maior que em muitas outras cidades. Isso deu origem a uma espécie de “lenda”, muitas vezes contada de forma irônica, que Passo Fundo seria um berço das organizações trotskistas, com a CS a frente. Na descrição do livro aparece de forma bastante explícita:

No início dos anos de 1980, afirmava-se, entre alguns militantes de esquerda, que o município de Passo Fundo, no Rio Grande Sul, concentrava o maior número de trotskistas por metro quadrado do mundo. Embora a afirmação fosse de difícil aferição, tinha base na realidade. Na cidade existiam, naquela década, algumas organizações trotskistas. A maior e mais influente foi a Convergência Socialista (cs). A Convergência integrava, como corrente política, o Partido dos Trabalhadores, mas foi criada no país e em Passo Fundo antes do PT. A “regional” de Passo Fundo obteve influência em todas as frentes em que atuava, com destaque no movimento sindical. Comerciários, bancários, professores, metalúrgicos e rodoviários são alguns exemplos.

Apesar do exagero que dá bases para essa “lenda”, é fato que a CS conseguiu indicar candidaturas pelo PT, dirigir os sindicatos mais importantes da região, ter penetração no movimento estudantil e na intelectualidade local e eleger um vereador, Paulo Rigo, no final dos anos 1980.

Essa história é contada no livro que tem como autor Edemar Fisch, experiente militante e teórico, licenciado e especialista em História Contemporânea, com uma curiosidade acerca da metodologia. Fisch se define como “organizador” do livro e já no prefácio explica por quê. Em 2022, teria recebido um email anônimo descrevendo a temática e indicando um roteiro de trabalho, para a posterior publicação. Fisch, como militante da CS em Passo Fundo nos anos 80 e especialista em história (sendo responsável por várias atividades de propaganda política na sua trajetória militante), aceitou a “missão” de dar forma ao projeto de contar a história da organização na cidade. O tal autor do email permaneceu no anonimato.

E é um livro prazeroso de ler, com seus capítulos destacando de forma didática tanto os aspectos históricos e sociais da cidade e do período, quanto às características políticas e ideológicas da vanguarda à época, sobretudo marcado pelo ascenso que viria dar origem ao PT, a CUT, às lutas do movimento de trabalhadores como parte da luta pelas “diretas já”.

Li com muito gosto, por diversos aspectos: o peso da CS na conformação dos quadros importantes para a esquerda gaúcha e nacional, as diversas ocasiões que estive em Passo Fundo durante minha vida militante no Rio Grande do Sul, além dos últimos projetos que tenho me dedicado para a sistematização dos aspectos históricos do movimento trotskista no Brasil.

Passo Fundo é uma cidade que combina aspectos culturais e políticos de forma única: é um enclave urbano em meio à região que congrega as disputas de terra. Região que foi uma das que deram origem ao MST, nos anos 1980, fortemente influenciadas pelos pequenos agricultores, com uma presença grande das correntes à esquerda da Igreja Católica, como a Teologia da Libertação. Dinâmica por sua universidade, até hoje carrega uma intensa vida cultural com jornadas literárias, sendo referência nas licenciaturas, o que explica a formação, em quantidade e qualidade, de professores, sendo o sindicato (CPERS) até hoje um exemplo local e estadual, de organização e combatividade.

E em meio a essa jovem classe trabalhadora, o destaque dos anos 1980 foi a força do setor de serviços, fundamentalmente os comerciários que ganharam impulso com greves importantes como a da Grazziotin. A CS organizou e dirigiu por muitos anos o sindicato dos comerciários, se tornando uma referência nacional de democracia e luta sindical.

O livro é uma peça importante para os que querem conhecer um pouco mais acerca da esquerda radical no Rio Grande do Sul e das gerações anteriores que ajudaram a construir espaços e uma cultura política até hoje marcada pela centralidade da ideia de que a esquerda (aqui mais amplamente falando) é forte no estado do Rio Grande do Sul. A contribuição dos trotskistas, em suas diferentes organizações, foi e continua sendo relevante.


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