Nossa existência não se negocia

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Comentários a respeito do corte no orçamento federal para políticas LGBTQIA+ e a necessária luta anti-austeridade

Pedro Antônio Chiquitti 3 jan 2025, 08:50

A cruzada fiscalista de Haddad chegou às políticas para a população LGBTQIA+. Na Lei do Orçamento Anual de 2025 apresentada pelo governo, o orçamento do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania sofre um corte de mais de 10%, chegando a ínfimos R$ 475,4 milhões – um valor simbólico quando comparado a outros ministérios e às quantias voluptuosas de dinheiro destinadas à dívida pública ou isenções tributárias para os bilionários. Uma das áreas mais afetadas por esse corte será a de políticas públicas LGBQTIA+, com um reajuste negativo de 22,6%. Queremos fazer alguns comentários sobre esse acontecimento e a necessidade de construirmos a luta anti-austeridade como forma de pautar um novo horizonte para os oprimidos e explorados.

  1. A representação meramente simbólica não nos contempla. A vitória contra um governo de extrema direita que estava declaradamente em guerra contra a população LGBTQIA+ foi fundamental para abertura de perspectivas de luta pelas pautas democráticas. O que se vê, no entanto, é uma profunda negligência do governo Lula com populações marginalizadas que foram fundamentais para a garantia de sua eleição. O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e o Ministério de Igualdade Racial recebem orçamentos meramente simbólicos, muito aquém das demandas dos diversos grupos historicamente excluídos das políticas públicas no Brasil, como as populações racializadas e as LGBTQIA+.
  1. Este não é um caso isolado. O governo Lula III segue a mesma toada dos outros governos petistas que tivemos. Apesar do petismo reivindicar a luta LGBTQIA+ e ter em suas fileiras importantes quadros do movimento, as demandas dessa população são tratadas como moedas de troca nos governos que dirigiram. “Eu não concordo com o ‘kit anti-homofobia’ e o governo não fará propaganda de opção sexual” – esta foi a fala da ex-presidente Dilma Rousseff em 2011, quando o seu Ministério da Educação apresentou um tímido projeto de implementação de educação contra a homofobia nas escolas. A fala se deu após a pressão de setores ligados às igrejas evangélicas que estavam dentro do governo; uma prova de que demandas básicas das LGBTQIA+ podem ser facilmente escanteadas para garantir um arco de alianças com setores que propagam o ódio e a intolerância, como o fundamentalismo da Igreja Universal de Edir Macedo, que chegou a indicar ministros nos governos do PT.
  1. Existem coisas que apenas o PSOL pode fazer. Cumprindo com o motivo de fundação do partido, o de superar pela esquerda o projeto petista, o PSOL é o partido que historicamente foi intransigente com a defesa da população LGBTQIA+. Podemos nos lembrar das falas altivas de Luciana Genro nos debates das eleições de 2014 reivindicando os direitos das pessoas trans, em um contexto em que o ódio à essa comunidade era generalizado e sem nenhum pudor. Poderíamos também mencionar as diversas candidaturas LGBTQIA+ do PSOL que cumprem o papel de apresentar um programa de defesa da nossa comunidade, muitas delas eleitas e cumprindo o papel de enfrentar radicalmente o discurso de ódio da extrema direita no parlamento e de formular políticas públicas que salvam vidas LGBTQIA+. Este papel só pode ser cumprido pelo PSOL pela independência que mantém e pelo compromisso com o combate às opressões e à exploração.
  1. A inclusão pelo consumo não nos basta. Grandes empresas tiveram a perspicácia de mercantilizar as demandas LGBTQIA+, um instrumento do capitalismo e seu caráter expansivo: apostaram no pink money e pregam uma inclusão pelo consumo. Uma parcela considerável da nossa população, inclusive importantes figuras do movimento LGBTQIA+, foram capturadas por essa lógica: acreditam que a disposição de mídias e grandes empresas de produzirem conteúdo e produtos voltados para a comunidade demonstra algum tipo de inclusão efetiva dentro do sistema capitalista. Nada mais falso: enquanto uma restrita camada das LGBTQIA+ mais ricas têm acesso a bens de consumo, como marcas de grife ou viagens temáticas, a gigantesca maioria das pessoas com sexualidade ou gênero desviantes da norma imposta pelo capitalismo patriarcal e cisnormativo são submetidas a condições de vida brutalmente precárias: escalas abusivas em shopping centers ou telemarketings; acesso mínimo a políticas voltadas à saúde dessas pessoas, como hormonização e ajuda psicológica; alcance restrito à educação, muitas não terminam o ensino básico e a maioria não tem acesso à educação superior.
  1. A luta LGBTQIA+ é necessariamente anti-austeridade. A população LGBTQIA+ tem uma história marcada pela exclusão dos postos de poder, dos ambientes de trabalho e da esfera pública; foi jogada às margens e aos guetos pela maior parte do tempo. Nesse sentido, não existe alternativa para superação de todo esse histórico de opressão que não seja por via das políticas públicas, que pautem direitos básicos através da visão das pessoas LGBTQIA+ e das condições reais em que estão submetidas. 

Lutar contra o pacote de Haddad e contra qualquer política de austeridade é tarefa das LGBTQIA+. Não apenas no sentido da luta por sobrevivência, mas também pela solidariedade de classe com populações tão excluídas como a nossa, como são as afetadas pelo corte do BPC. A pauta anti-austeridade deve ser um catalisador das lutas contra as opressões e contra a exploração do trabalho e esse é o papel que PSOL deve cumprir: encampar a luta contra as políticas neoliberais de Lula, Haddad e de qualquer governo, contra qualquer corte de gastos que atinja as populações oprimidas e exploradas e para que os bilionários paguem pela crise em que vivemos. 

O mercado não tem nada a nos oferecer para além de uma falsa e restrita saída pelo consumo ou de postos de trabalho profundamente precarizados, com baixos salários e escalas abusivas. Governos progressistas que utilizam dos direitos da população LGBTQIA+ como moeda de troca ou como símbolo não devem ser o limite do possível.


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