Zuckerberg acenou ao trumpismo para defender o lucro bilionário das BigTechs

Zuckerberg acenou ao trumpismo para defender o lucro bilionário das BigTechs

O anúncio do CEO da Meta é uma inflexão grave rumo à extrema direita, e tem efeitos práticos e imediatos.

Giovanny Ferreira 7 jan 2025, 20:25

Mark Zuckerberg, CEO da Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) anunciou hoje uma vasta mudança na política da empresa, a mais brusca e assombrosa desde que se tornou uma das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo. Se engana quem encara essa como mais uma reorganização que diz respeito só a um abstrato “ambiente digital”: a decisão da Meta caminha a passos largos para abraçar a cartilha da extrema-direita sob a liderança de Trump, e antecipa a posição de aliada prioritária de seu governo na missão de combater processos de regulamentação das redes em todo o mundo. As novas regras terão implicações práticas para bilhões de usuários diariamente, sendo assim, os impactos também prometem ser imediatos para a disputa política ao redor do globo.

Destaco três principais medidas anunciadas – com comentários:

1 – Mark comunicou uma suposta “simplificação das políticas” e grifa como exemplo temas como “gênero e imigração”. Em evidente sinalização de afrouxamento do combate a discursos de ódio, a Meta abrirá margem para um ambiente mais violento, com espaço para a agitação de bandeiras misóginas, racistas e LGBTfóbicas da extrema direita nas plataformas.

2 – O CEO informa também o rompimento de suas plataformas com agências independentes de checagem de fatos, e apresenta a implementação do sistema de “notas da comunidade” para carimbar a veracidade de publicações nas redes. Funciona assim: em uma publicação, qualquer pessoa que tenha se inscrito para avaliar conteúdos pode dizer se o conteúdo é verdadeiro ou não. Não existe a necessidade de comprovar com fatos, estudos, matérias ou documentos a avaliação, apenas garantir que outros usuários, em uma espécie de média ponderada, concordem com a posição do “avaliador”.

O mecanismo já é conhecido por ter sido implementado por Elon Musk no Twitter, quando o comprou e transformou em X. Nessa medida, não só espelha as políticas de um dos principais expoentes da extrema direita, como aprofunda a difusão da ‘pós-verdade’, dando aval para que conteúdos sejam encarados como verdadeiros ou falsos não mais com base em fatos ou na ciência, mas na opinião de uma maioria oportunamente mobilizada para determinado fórum.

3 – Como cereja do bolo, anunciou a eliminação de filtros proativos para o que a plataforma considerar “violações menos graves”. Ou seja, para que aconteça alguma ação de moderação por parte da plataforma, primeiro deverão ocorrer denúncias que partam dos usuários. Assim, a Meta se desresponsabiliza da fiscalização ostensiva dos conteúdos que circulam – e geram lucros – dentro das suas redes.

Escorado no paradigma individualista estadunidense da “liberdade de expressão”, em que esse direito se sobrepõe a todos os outros direitos individuais e coletivos, Mark justifica as novas medidas: “as eleições recentes também parecem ter sido um ponto de inflexão cultural, com a sociedade voltando a valorizar a liberdade de expressão”, se referindo à vitória de Trump em 2024. É uma sinalização política significativa ao trumpismo, caminho que já vinha sendo pavimentado em ações recentes nas últimas semanas, destaco: a eleição de um amigo pessoal e fervoroso apoiador de Trump, Dana White (CEO da UFC), para o conselho administrativo da Meta; a doação de 1 milhão de dólares da Meta para a posse de Trump como presidente – que por sua vez aconteceu poucos dias após um jantar privado entre Zuckerberg e Trump, na sua mansão em Mar-a-Lago; e a contratação de Joel Kaplan, republicano porta-voz contra a suposta “censura a conservadores”, como diretor de assuntos globais da Meta.

As ações de Mark e da Meta indicam uma relocalização diante da conjuntura, de quem outrora não só não era entusiasta do presidente eleito, como até chegou a travar disputas públicas com o mesmo. Mas que agora se orienta por uma nova missão: preservar os lucros e o poder das BigTechs, a despeito da soberania, das leis e da saúde democrática dos países. E nessa batalha, Zuckerberg e Trump são úteis um para o outro, tendo como inimigo comum a regulamentação das BigTechs. 

Isso porque a extrema direita global, liderada por Trump, é o agente político evidente, que disputa o sentido da “verdade”, combate a ciência e o jornalismo, e nutre a pós-verdade para criar um ambiente fértil para as suas ideias. Qualquer freio de contenção, como uma regulamentação, retarda esse plano. Ao mesmo tempo, as BigTechs vêem na regulamentação uma forma de frear e limitar sua influência política, afetando diretamente sua atuação, expansão e, portanto, seus lucros. O sensacionalismo colérico fomentado pela extrema direita gera engajamento, e engajamento para Mark e seus amigos é lucro.

O CEO aproveitou os holofotes para endereçar recados: a Meta fará uma parceria oficial com o governo Trump para combater, mundo afora, os governos que queiram implementar processos de regulamentação, pois isto “prejudica a liberdade e as empresas americanas”. Citando diretamente a Europa (onde temos um processo de regulamentação mais avançado) e “cortes secretas da América Latina” que supostamente promovem censura, em indireta ao STF do Brasil.

Os fatos recentes envolvendo a Meta se somam ao que já vivemos no Brasil quando o assunto foi o PL 2630, que segue paralisado no Congresso Nacional. Quando do debate sobre o Projeto, entrou em campo um lobby descarado em Brasília que até então setores da tecnologia ainda não haviam protagonizado: propaganda irregular em plataformas (como Google e Spotify), blitz em portas de gabinetes, viagens de parlamentares ao Vale do Silício, respostas enviesadas a pesquisas em buscadores, e toda sorte de artifícios para descaracterizar a proposta, retardar sua tramitação e impedir sua aprovação.

Estamos diante de uma batalha central, que tem no seu front homens poderosos, alguns deles figurando na lista dos 5 bilionários mais ricos do mundo: o panfleteiro da extrema direita, Elon Musk, o próprio Mark Zuckerberg, que com esse anúncio já demonstrou que não medirá esforços para defender seus interesses particulares, e Jeff Bezos, que durante as eleições estadunidenses também ensaiou diversos acenos ao trumpismo, com vistas a sabotar a sindicalização de trabalhadores da Amazon.

É uma batalha de longo prazo, que tem como pontapé a temática da regulamentação, mas ainda carece de ser dimensionada sobre os efeitos psíquicos, de reprodução social, do mundo do trabalho e toda profundidade política que se desdobra daí. Da nossa parte, o primeiro passo é defender os interesses e o bem-estar coletivo, contra a ganância e inconsequência de bilionários que financiam e se beneficiam da barbárie promovida pela extrema direita.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 27 dez 2024

5 desafios políticos para 2025

Para o ano que vem, deixamos cinco desafios que corroboram às reflexões que os socialistas fazem a respeito do “tempo de urgências”
5 desafios políticos para 2025
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi