Amputação sangrenta: a “paz” de Trump para a Ucrânia
Acordo entre presidentes de extrema direita dos EUA e da Rússia representa grande ataque à soberania ucraniana
Foto: Encontro de Putin e Trump no Alasca. (Andrew Harnik/GI)
A trajetória sempre foi clara para quem prestava atenção e sabia filtrar o barulho das ameaças vazias de Donald Trump de “sanções severas para destruir a economia da Rússia”, sem falar nas tarifas de 500% sobre os clientes de petróleo da Rússia, se não houvesse um “cessar-fogo imediato” na guerra da Ucrânia.
Quando Trump se encontrou com Vladimir Putin na cúpula de Munique-Anchorage, a agenda era a traição da Ucrânia. Isso foi decidido desde o momento da emboscada de Trump-Vance ao presidente Zelensky em seu infame encontro na Casa Branca em fevereiro, se não antes.

Sempre foi a opinião de Trump, juntamente com o setor cristão-nacionalista de extrema direita do culto MAGA, que a guerra era culpa da Ucrânia desde o início e que sua única opção era se render aos termos que o poder superior da Rússia impusesse.
Então Trump voou para o Alasca tagarelando sobre um cessar-fogo, enquanto Putin chegou com a proposta de elaborar uma “solução permanente que abordasse as causas profundas do conflito”. Isso soa como algo digno de um estadista, exceto pelo detalhe de que, para a Rússia de Putin, a “causa profunda” básica é a existência da Ucrânia como um país independente, com capacidade de traçar seu próprio caminho e se defender.
Essa Ucrânia independente é o que precisa ser eliminado, começando com a amputação de um quinto de seu território e continuando com a imposição de um regime vassalo. Essa é a “paz abrangente” de Moscou — e Trump, é claro, cedeu como o fantoche barato que realmente é quando enfrenta uma situação que não pode dominar.
Como bônus, segundo Trump, Putin o aconselhou que eliminar o voto por correspondência é necessário para garantir “eleições livres”, uma área em que o presidente vitalício da Rússia é um dos maiores especialistas.
Enquanto isso, todos os dias em Gaza dezenas de pessoas morrem de fome — em breve serão centenas, pelo menos — enquanto armas americanas irrestritas, não disponíveis para a Ucrânia, fluem para o massacre genocida de Israel.
Resgate europeu?
Após o desastre no Alasca, os líderes europeus correram para Washington para proteger o presidente ucraniano de uma repetição da catástrofe de fevereiro. Eles vieram com a mistura de bajulação que Trump exige, com proclamações de solidariedade ao presidente Zelensky e frases de “garantias de segurança” para a Ucrânia.
Não está totalmente claro o que esses compromissos hipotéticos podem significar. Putin respondeu imediatamente com 270 drones e mísseis atingindo alvos civis e de infraestrutura energética ucranianos. Como explica a revista The Economist online (18 de agosto):
O que a Rússia não consegue obter lutando, está exigindo que lhe seja dado de bandeja através da pressão que Donald Trump pode exercer sobre a Ucrânia e os aliados europeus dos Estados Unidos. No topo da lista de compras de Vladimir Putin está a parte ocidental da província de Donetsk, que ainda está firmemente nas mãos da Ucrânia. Mas não é apenas o simbolismo que é importante para ele. O verdadeiro prêmio é forçar a Ucrânia a abandonar seu “cinturão fortificado” estrategicamente crítico, uma linha de 50 km que compreende quatro cidades e várias vilas, que impede não apenas o objetivo da Rússia de conquistar toda a região de Donbas, mas também sua capacidade de ameaçar outras regiões.
Evidentemente, isso não é um problema para Trump. Mas como ele pode então se safar dessa traição?
Na verdade, em última análise, o destino da Ucrânia — assim como o da Palestina — não é de importância primordial para os interesses estratégicos do imperialismo norte-americano. A palhaçada de Trump diante de um operador astuto como Putin é uma vergonha para os Estados Unidos, mas nada fatal.
E quanto à ameaça russa? Três anos de guerra demonstraram, na verdade, sua relativa fraqueza. Se não conseguiu invadir a Ucrânia, muito menos poderia desafiar um Estado militar de médio porte como a Polônia. O que acontece com Donetsk, Luhansk e o resto do leste da Ucrânia é extremamente importante para aquele país e para a região, mas não para Washington, desde que não haja ameaça de uma guerra em toda a Europa.
Desde a invasão total da Rússia em 2022, os Estados Unidos, primeiro sob Biden e agora Trump, deram à resistência heróica da Ucrânia as armas e as informações cruciais para impedir a derrota da Ucrânia, mas não para vencer a guerra (o que também teria sido uma crise terminal para o regime de Putin).
Hoje, os maiores perigos para a Ucrânia e seu povo parecem ser a exaustão e a crise demográfica, já que a população atual de 39 milhões está bem abaixo dos 52 milhões que tinha na independência, em 1991.
Para a família e os amigos de Trump, a Rússia de Putin agora parece oferecer oportunidades de negócios e enriquecimento — em uma escala muito maior do que sua fantasia absurda anterior de um resort Mar-a-Gaza.
Enquanto isso, o genocida Netanyahu deu a Trump o presente de uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz. Há poucas chances disso acontecer (a menos que o comitê do prêmio da paz possa ser comprado), mas talvez uma medalha especial “Neville Chamberlain Peace in Our Time” (Paz em Nosso Tempo) possa ser cunhada em homenagem ao presidente.
A pequena consolação neste episódio é que Donald Trump, com toda a sua intimidação contra pessoas sem poder para revidar, é exposto como um tolo fanfarrão no cenário mundial quando há até mesmo um adversário de segunda linha. Em certa medida, a “liderança mundial” dos EUA também fica enfraquecida. Essas são coisas boas, mas não valem o sacrifício da Ucrânia no altar do cinismo e da conveniência.
[A Rede de Solidariedade à Ucrânia (EUA) está arrecadando fundos para equipamentos de diagnóstico médico urgentemente necessários para enfermeiros da linha de frente.]