Por que os BRICS não denunciam o genocídio em curso em Gaza?
Análise detalhada das posições e práticas dos países membros dos BRICS face ao genocídio em curso em Gaza
Os BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) acolheram mais cinco estados (Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irão) e reuniram-se no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho de 2025. A Arábia Saudita esteve presente mas não aderiu oficialmente como país-membro. Duas dezenas de outros estados estiveram presentes.
Enquanto o presidente dos EUA não para de lançar ações unilaterais, tanto ao nível militar quanto ao nível comercial, os BRICS defendem o multilateralismo e o sistema das Nações Unidas, que estão em plena crise. Defendem também o modo de produção capitalista, produtivista e extrativista, que explora o trabalho humano e destrói a natureza.
Os BRICS representam metade da população mundial, 40 % dos recursos de energia fóssil, 30 % do produto interno mundial e 50 % do crescimento. Se quisessem adotar um modelo de desenvolvimento diferente, teriam à sua disposição meios poderosos para o fazerem, mas isso não faz parte nem das suas propostas nem da sua prática.
Temos de expressar um ponto de vista claramente crítico em relação aos BRICS. Mas esta postura não nos impede de condenar com firmeza a política imperialista do governo dos EUA e dos seus aliados europeus e do Indo-Pacífico (Japão, Austrália, etc.). Essa política exprime-se de forma flagrante no apoio ao Estado de Israel, responsável pelo genocídio que decorre em Gaza e por agressões militares contra os países vizinhos. Israel é o braço armado dos EUA na região. Sem o apoio incessante de Washington e a cumplicidade ocidental, o governo neofascista israelense não poderia prosseguir o genocídio. Os BRICS, por seu lado, não tomam qualquer iniciativa concreta, enquanto grupo de países, para impedir efetivamente a continuação dos massacres e do genocídio.
Nesta série de perguntas e respostas, Éric Toussaint analisa a declaração final da cimeira dos BRICS tornada pública a 6 de julho de 2025->https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-de-lideres-do-brics-2014-rio-de-janeiro-06-de-julho-de-2025], bem como os aspetos práticos da sua política e das instituições que criaram.
A primeira parte da série aborda a política internacional dos BRICS no que diz respeito às suas relações com Israel, cujo governo é responsável pelo genocídio em curso.
Nas partes seguintes da série, o autor abordará a posição dos BRICS quanto a outras questões internacionais: os ataques dos EUA e de Israel contra o Irão, os Hutis, a invasão da Ucrânia, a OTAN, etc. Abordará também a posição dos BRICS sobre questões como o sistema financeiro internacional, o dólar, o Novo Banco de Desenvolvimento, o G20, a crise ecológica e outras.
- Por que os BRICS não denunciam o genocídio em curso em Gaza?
É verdade que os BRICS não denunciam o genocídio em curso em Gaza?
Sim. Na declaração final da cimeira dos BRICS publicada em 6 de julho de 2025, os BRICS não falam de genocídio para descreverem a situação atual em Gaza. Os BRICS criticam a utilização da força por Israel nos pontos 24 a 27 da declaração, mas em momento algum utilizam o termo «genocídio» ou «limpeza étnica» ou «massacre». Igualmente notória é a parte da declaração de 7 de julho de 2025 relativa a Gaza, quase idêntica à declaração final da cimeira precedente, realizada na Rússia, em Kazan, em outubro de 2024 (ponto 30 da declaração final). Como se as provas, que se acumulam a cada dia, não justificassem claramente o emprego do termo.
Será verdade que os BRICS não propõem sanções contra Israel?
Sim, é verdade: na sua declaração final os BRICS não propõem sanções contra Israel. Não propõem o rompimento com os diversos acordos que os ligam ao Estado de Israel. No entanto, o genocídio em curso e os massacres dos habitantes de Gaza em busca de comida justificam e exigem ações que vão além dos protestos expressos pelos BRICS e por outros estados. Os protestos dos dirigentes dos BRICS já eram insuficientes em outubro de 2024, aquando da cimeira de Kazan, e ainda o são mais em 2025. São necessários atos concretos e fortes que apenas podem ser avançados pelos governos e pelas organizações multilaterais. É certo que as mobilizações de rua, as ocupações de instalações e universidades, as iniciativas jurídicas das organizações civis são fundamentais, mas não substituem as ações dos estados e das instituições internacionais.
Para contextualizar o genocídio em curso em Gaza e as responsabilidades das potências ocidentais, ler : Gilbert Achcar, «Gaza ou a falencia do Ocidente» https://pt.mondediplo.com/2025/06/gaza-ou-a-falencia-do-ocidente.html, Le Monde Diplomatique, Edição portuguesa, junho/2025, .
Ler também (em francês) Gilbert Achcar, «Gaza, génocide annoncé – Un tournant dans l’histoire mondiale» («Gaza, um Genocídio Anunciado – Um Ponto de Viragem na História Mundial»), La Dispute, Paris, 2025, https://ladispute.fr/catalogue/gaza-un-genocide-annonce-un-tournant-dans-lhistoire-mondiale/
Terão os BRICS tomado medidas concretas contra o Governo de Israel?
Os BRICS não aplicaram nenhuma medida concreta contra o Governo israelense, nenhum boicote, nenhum embargo. Sendo certo que a África do Sul tomou a iniciativa de apresentar queixa contra Israel perante o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, o que é positivo, a sua prática contradiz essa ação jurídica. De facto, a África do Sul mantém relações comerciais com Israel, nomeadamente ao permitir que as empresas sul-africanas exportem regularmente por barco cargas de carvão para Israel.
Os BRICS mantêm relações comerciais com Israel?
Com excepção do Irão, os países-membros dos BRICS mantêm relações comerciais com Israel. Além da África do Sul, Rússia, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Egito e China continuam a vender combustíveis (petróleo, gás, carvão, etc.) a Israel. É uma grande ajuda ao Governo israelense, que necessita diversificar suas fontes de aprovisionamento em matéria energética, para prosseguir seu esforço de guerra e seu funcionamento normal, a fim de evitar que o descontentamento da população israelense atinja proporções incontroláveis.
Para saber mais sobre a continuidade das relações comerciais entre os BRICS e Israel, ler em inglês ou espanhol: Patrick Bond, «‘The Blessing’ for Genocide», publicado em 1/10/2024 «La “bendición” para el genocidio».
Vamos passar sumariamente em revista as relações dos países-membros dos BRICS com Israel.
Em que pé estão as relações comerciais entre a China e Israel?
A China é o principal fornecedor comercial de Israel. Efetua grandes investimentos em Israel. Exportou para Israel um montante de 13 mil milhões de dólares em 2022, 16 mil milhões em 2023 e 19 mil milhões em 2024. Este crescimento prossegue em 2025. O volume de exportações poderá ultrapassar largamente os 20 mil milhões de dólares, se entretanto não for aplicada qualquer medida limitativa ou boicote. Os montantes indicados provêm nomeadamente de https://tradingeconomics.com/israel/imports/china, e da agência chinesa Nova Xinhua, https://english.news.cn/20240122/5ad497aefbcd43f0851ff597b64fab5a/c.html. É público, de fonte chinesa, que a China era, em 2023 e pelo quarto ano consecutivo, a maior fonte de importações em Israel. Os EUA aparecem em segundo lugar. Em 2024 a posição dominante da China foi confirmada: https://eng.yidaiyilu.gov.cn/p/0TBMCK92.html.
No rol de mercadorias trocadas entre Israel e a China predominam os produtos de alta tecnologia: entre as principais categorias de trocas figuram os equipamentos elétricos e eletrônicos (importações e exportações), máquinas industriais, produtos ópticos e medicinais.
O défice comercial de Israel em relação à China é avultado – a China exporta muito mais para Israel do que o inverso. Este défice israelense aumentou muito nos últimos anos. Ultrapassou os 10 mil milhões de dólares em 2024.
Note-se que, se tomarmos os países da UE no seu conjunto, a União Europeia é o maior fornecedor de Israel, com um montante de cerca de 26 mil milhões de dólares exportados para Israel em 2024. Na realidade, cada país da UE fornece Israel separadamente e entre eles a Alemanha à cabeça, com cerca de 6 mil milhões de dólares de produtos exportados para Israel. Por isso é que a China pode ser considerada o maior país fornecedor (com cerca de 19 mil milhões de exportações da China para Israel em 2024), sendo os EUA o segundo fornecedor (com um montante de pouco mais de 9 mil milhões de dólares para Israel em 2024).
Entre os produtos manufaturados vendidos pela China a Israel, encontramos os drones, que na origem não se destinam a usos militares; mas são transformados em armas pelos militares israelenses, para matarem civis palestinianos. Disso encontramos testemunhos em um inquérito realizado pelo meio de comunicação israelense independente +972 Magazine, que indica que esses drones são produzidos pela empresa privada chinesa Autel Robotics (com sede em Shenzhen Xenxen), que produz drones EVO. Eis um extrato do que é revelado:
«O exército israelense militarizou uma frota de drones comerciais fabricados na China para atacar as/os palestinianos/as em certas zonas de Gaza que procura despovoar, como revela o inquérito realizado por +972 Magazine e Local Call. Segundo as entrevistas efetuadas a sete soldados e oficiais que cumpriram missão na Faixa de Gaza, estes drones são pilotados manualmente por tropas no solo e são frequentemente utilizados para bombardear civis palestinianos/as, incluindo crianças, a fim de os obrigar a abandonarem as suas casas ou impedi-los de regressarem às zonas evacuadas. A maior parte das vezes os soldados utilizam drones EVO, produzidos pela empresa chinesa Autel, que são sobretudo destinados a fotografar e custam cerca de 10.000 NIS (cerca de 3000 dólares) na Amazon. No entanto, graças a um acessório militar internamente conhecido pelo nome de «bola de ferro», é possível fixar no drone uma granada de mão e largá-la pressionando um simples botão, para fazê-la explodir no solo. Hoje em dia, a maioria das companhias militares israelenses em Gaza utiliza estes drones. S., soldado israelense destacado este ano na região de Rafá, coordenou ataques de drones num bairro da cidade que o exército recebeu ordens para evacuar. Durante os quase 100 dias durante os quais o seu batalhão operou nessa zona, os soldados efetuaram dezenas de ataques com drones, segundo os relatórios diários do seu comandante de batalhão examinados por +972 e por Local Call. Nesses relatórios todos os palestinianos mortos foram dados como «terroristas». No entanto, S. testemunhou que, exceptuada uma pessoa encontrada na posse de uma faca e de um único encontro com combatentes armados, as dezenas de outras pessoas mortas – em média uma por dia na zona de combate do seu batalhão – não estavam armadas. Segundo ele, os ataques com drones tinham por finalidade matar, quando a maioria das vítimas estava a uma distância tal dos soldados, que não podia constituir qualquer ameaça.»1 Ler: +972 Magazine, «‘Like a video game’: Israel enforcing Gaza evacuations with grenade-firing drones», 10/07/2025,https://www.972mag.com/drones-grenades-gaza-chinese-autel/
Um artigo publicado pela Euro-Med Monitor, uma ONG independente com sede em Genebra (Suíça), em fevereiro de 2024, já nessa data denunciava a utilização pelo exército israelense de drones produzidos pela Autel Robotics, https://euromedmonitor.org/en/article/6166/Gaza:-Israel-systematically-uses-quadcopters-to-kill-Palestinians-from-a-close-distance. Esta ONG, dedicada à documentação das violações dos direitos humanos no Médio Oriente, África do Norte (MENA) e Europa, pediu às empresas chinesas para cumprirem o direito internacional:
«Nas regiões afetadas por conflitos armados, as empresas correm um risco acrescido de se tornarem cúmplices de violações graves do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Por consequência, as empresas que operam nesses ambientes devem agir para minorar esses riscos. Sempre que um produto for utilizado de forma abusiva, em contradição com as obrigações internacionais e os valores não violentos das empresas, em particular para fins militares que envolvam crimes de guerra ou violações graves dos direitos humanos, as empresas têm de agir. Devem tomar medidas imediatas para pôr fim ou impedir a sua contribuição. A Euro-Med Human Rights sublinha que as empresas, incluindo a Autel Robotics, fabricante chinês de eletrônica e de drones, devem cumprir o direito internacional.»2
Drones civis fabricados por outra empresa chinesa também são utilizados pelo exército israelense na guerra contra a população palestina em Gaza. Trata-se dos drones produzidos pela DJI (Da-Jiang Innovations), uma empresa privada chinesa com sede Xenxen (China), líder mundial no fabrico de drones civis e profissionais. Ver o artigo publicado pela Al Jazeera em 8/05/2025: «Israel retrofitting DJI commercial drones to bomb and surveil Gaza», https://www.aljazeera.com/news/2025/5/8/israel-retrofitting-dji-commercial-drones-to-bomb-and-surveil-gaza.
Como diz Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, no seu relatório «Da Economia de Ocupação à Economia do Genocídio», tornado público em julho de 2025:
«20. Sempre que as entidades comerciais desenvolvam atividade e relações com Israel – com a sua economia, o seu exército e os seus setores público e privado ligados ao território palestiniano ocupado – podem ser consideradas culpadas de em plena consciência terem contribuído para: (a) A violação do direito dos Palestinianos à autodeterminação; (b) A anexação do território palestiniano, a manutenção de uma ocupação ilegal e, por consequência, o crime de agressão e as violações dos direitos humanos a ela associados; (c) Os crimes de apartheid e de genocídio; (d) Outros crimes e violações acessórios.
21. As leis penais e civis de diversas jurisdições podem ser invocadas para apontar responsabilidades às entidades empresariais e seus dirigentes responsáveis por violações dos direitos humanos ou de crimes relevantes para o direito internacional.»
O relatório completo em inglês está disponível em linha: https://www.un.org/unispal/document/a-hrc-59-23-from-economy-of-occupation-to-economy-of-genocide-report-special-rapporteur-francesca-albanese-palestine-2025/.
Incumbe portanto às autoridades do países onde essas empresas estão sediadas e às próprias empresas evitar todas as formas de cumplicidade com as autoridades israelenses, sendo isto tão válido para a China como para o resto do Mundo.
A China investe em Israel?
A China aplicou grandes investimentos em dois portos israelenses com importância estratégica: o porto de Haifa e o porto de Asdode, ambos situados no Mediterrâneo. A empresa chinesa China Harbor Engineering Company, filial da China Communications Construction Company, modernizou e desenvolveu o terminal portuário de Asdode. Este projeto permitiu aumentar as capacidades das instalações portuárias e melhorar as infraestruturas para corresponder ao crescimento do comércio internacional. O porto de Asdode é um dos principais hubs comerciais de Israel. A sua modernização reforçou a posição estratégica da região, facilitando assim as trocas entre a China e Israel, nomeadamente no contexto da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative ou BRI). A China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), outra grande empresa chinesa, adquiriu grande parte do terminal de contentores de Haifa, em parceria com o Governo israelense. Este projeto, tal como o de Asdode, permitiu a Israel atrair investimentos para melhoria das infraestruturas portuárias. No caso das instalações do Porto de Haifa, os investimentos chineses foram feitos parcialmente em parceria com empresas indianas. Para além dos portos, as empresas chinesas também investiram em outros setores das infraestruturas, como os transportes, a energia e a alta tecnologia. Por exemplo, os projetos no domínio das tecnologias de transporte inteligente, da inteligência artificial, da cibersegurança e das telecomunicações estão em desenvolvimento, com a participação de grandes empresas chinesas como a Huawei e a ZTE.
Quais são as relações entre o Governo russo e o Governo de Israel?
É do conhecimento público que Vladimir Putin e Netanyahu têm boa opinião mútua, apesar de a Rússia criticar publicamente Israel por sua política no Próximo Oriente. Até agora, Putin nunca denunciou o genocídio em curso em Gaza. Em contrapartida, recorreu muitas vezes ao termo genocídio para justificar a invasão da Ucrânia e a anexação de uma parte de seu território. No seu discurso de 24 de fevereiro de 2022, para justificar a «operação militar especial» na Ucrânia, Putin declarou:
«O nosso objetivo consiste em proteger as vítimas de genocídio praticado pelo regime de Kiev desde há oito anos. Desenvolveremos esforços para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia.» (http://kremlin.ru/events/president/news/67843) 3
Note-se ainda que a 1 de julho de 2025 Sergueï Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, poucos dias antes de se dirigir à cimeira dos BRICS no Rio de Janeiro, declarou:
«Constatamos com satisfação que o chefe do novo governo israelense, Benjamin Netanyahu, se pronunciou por duas vezes no espaço de um mês no sentido de encontrar uma solução para o problema palestiniano através da adoção de dois estados. Esperemos que esta solução seja apoiada por passos concretos. Por nosso lado, continuaremos a contribuir para o reinício das negociações – tanto por meio dos canais bilaterais como em diversas plataformas internacionais, nomeadamente no âmbito do quarteto de mediadores internacionais para o Médio Oriente. Devemos manter-nos atentos à situação na Faixa de Gaza, cuja população continua a passar por grandes dificuldades humanitárias. É preciso tomar iniciativas para levantar o bloqueio [da ajuda humanitária] ou pelo menos para o reduzir.» (ver a declaração completa no sítio oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, https://mid.ru/fr/foreign_policy/news/1511247/ ) 4.
Como podemos verificar nesta declaração, Sergueï Lavrov não denuncia o genocídio em curso e sua atitude em relação ao primeiro-ministro fascista Benjamin Netanyahu é positiva, o que é totalmente inadmissível.
Israel continua a depender parcialmente da Rússia em termos alimentares (cereais) e energéticos (petróleo, gás, carvão), apesar das tensões geopolíticas. Israel exporta para a Rússia produtos de grande valor acrescentado: agroprodutos, material medicinal, químico e eletrônico. Israel tem um grande défice comercial com a Rússia. Em 2023 o volume de comércio diminuiu, na sequência das sanções impostas contra a Rússia desde a invasão da Ucrânia, mas em 2024 voltou a crescer. O volume de trocas tinha atingido 3,5 mil milhões em 2022, caiu para 2,6 mil milhões em 2023 e voltou a subir para 3,9 mil milhões em 2024. Em resumo: na prática, Israel não aplica as sanções ocidentais contra a Rússia após a invasão da Ucrânia e a Rússia não sanciona Israel apesar do genocídio em curso.
Repare que desde a invasão da Ucrânia em 2022 centenas de milhões de dólares (cerca de 300 milhões de dólares por trimestre) foram transferidos para Israel, por via das contas de oligarcas ou de novos migrantes. Ler em inglês: https://internationalinvestment.biz/en/analytics/5344-over-95000-russians-have-relocated-to-israel.html. Sublinhemos ainda que cerca de 500 soldados do exército israelense portadores de passaporte russo participaram em operações na Faixa de Gaza, entre outubro de 2023 e março de 2024, nove dos quais morreram durante essas operações. A informação foi fornecida pelas autoridades israelenses. Ler: https://en.topwar.ru/239764-izrailskoe-posolstvo-nazvalo-chislo-pogibshih-v-gaze-rossijan-mobilizovannyh-v-sostav-cahal.html e https://tass.com/world/1786343. Não dispomos de informações quantitativas precisas para o ano de 2025, mas calcula-se que alguns dos soldados israelenses que participam no genocídio têm dupla nacionalidade russa e israelense As autoridades russas não criticam os russos mobilizados no seio do exército israelense, incluindo os que estão colocados em Gaza.
Em que pé está o comércio entre a Índia e Israel?
O volume de comércio entre a Índia e Israel está a crescer e situa-se à volta de 10 mil milhões de dólares. A Índia fornece produtos petrolíferos a Israel, diamantes e outras pedras preciosas, produtos químicos e farmacêuticos, bem como armas (incluindo drones).
Israel fornece armas (mísseis), munições e sistemas de defesa à Índia. Segundo o sítio Moneycontrol.com, um dos principais sítios financeiros da Índia, o comércio de armas entre Israel e a Índia multiplicou por 33 no espaço de 10 anos, entre 2015 e 2024, chegando em 2024 aos 185 mil milhões de dólares US. A revista New Internationalist escreveu na sua edição de janeiro de 2025:
«Empresas indianas como a Adani-Elbit Advanced Systems India, a Premier Explosives e a empresa pública Munitions India fornecem ativamente drones e armas a Israel, enquanto esta prossegue sua guerra genocida contra a população de Gaza. Em abril, a fim de não comprometer estes acordos, a Índia se absteve ao votar uma resolução da ONU que apelava ao cessar-fogo e a um embargo de armas destinadas a Israel. Por seu lado, Israel continuou a fornecer ininterruptamente material militar à Índia, o que representa um importante compromisso, dado que Israel adiou mais de 1,5 mil milhões de dólares de exportação de armas para outros países desde outubro de 2023. Desde a chegada ao poder do primeiro-ministro Narenda Modi em 2014, a Índia se tornou um ator-chave no comércio de armas de Israel. Em sua qualidade de primeiro importador mundial de armas, este país do Sul da Ásia se tornou o comprador mais fiável de Israel, representando 37 % de suas exportações totais de armas.»5 (Mohammad Asif Khan, «Partners in power: Israel, India and the arms trade», 1/01/2025, New Internationalist, https://newint.org/arms/2025/partners-power-israel-india-and-arms-trade.
Quanto ao fornecimento de armas a Israel pela Adani-Elbit Advanced Systems India, ler em inglês: https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/india-report-finds-adani-elbit-advanced-systems-india-ltd-and-munitions-india-ltd-were-authorized-to-ship-products-to-israel-amidst-the-war-in-the-occupied-palestinian-territories/
Ler também: https://www.stopadani.com/adani_groups_business_with_israel
Quanto a novas colaborações entre Adani, Elbit e uma empresa norte-americana de armamento, ler no sítio da Adani: https://www.adani.com/newsroom/media-releases/adani-defence-aerospace-and-sparton-enter-strategic-partnership-to-indigenise-anti-submarine.
Nada indica uma vontade de mudança na orientação pró-israelense do primeiro-ministro indiano (pessoalmente presente na cimeira dos BRICS no Rio, em julho de 2025). A Índia e Israel tencionam concluir um acordo de livre-comércio antes de finais de 2025. Segundo o Times of Israël de 18 de fevereiro de 2025:
«Israel e a Índia tencionam assinar a partir deste ano um acordo de livre-comércio há muito esperado, no seguimento da decisão, tomada pelo presidente Donald Trump, de reorganizar os planos para uma rota comercial entre os EUA e a Índia que passaria por Israel.»
No que diz respeito às posições da Índia a propósito da Palestina, assistimos a uma clara mudança a favor de Israel, sobretudo desde a eleição de Narendra Modi. Em 2017 ele foi o primeiro-ministro indiano a deslocar-se a Israel sem visitar a Palestina, rompendo assim com a tradição. O governo de Modi evitou criticar diretamente Israel, em particular após os bombardeamentos de Gaza (2014, 2021, 2023, 2024 e 2025) e as violências cometidas pelos colonos na Cisjordânia. Dentro do país, a solidariedade com a Palestina é cada vez mais atacada, denegrida ou ilegitimada pela direita hindu, em particular no clima político e ideológico moldado pelo Bharatiya Janata Party (BJP) de Modi.
Como estão as relações da África do Sul com Israel?
Sem dúvida foi muito positivo que o Governo da África do Sul tenha apresentado queixa contra Israel a 29 de dezembro de 2023 no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o tribunal das Nações Unidas encarregue de dirimir os conflitos entre estados. Pretória acusa Israel de, em seu assalto militar a Gaza, violar a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. O pedido da África do Sul coloca as suas acusações no que denuncia como sendo o âmbito mais vasto do comportamento de Israel em relação aos Palestinianos durante os 75 anos de apartheid, os 56 anos de ocupação beligerante do território palestiniano e os 16 anos de bloqueio da Faixa de Gaza. Na sua decisão de 26 de janeiro de 2024, ainda que não tenha acedido ao pedido da África do Sul para exigir a Israel a suspensão das operações militares em Gaza, o Tribunal ordenou a Israel que tomasse medidas para impedir os atos de genocídio na Faixa de Gaza. Apesar disso, a partir desse momento Israel prosseguiu o genocídio do povo palestino em Gaza e reforçou o bloqueio à ajuda humanitária.
A África do Sul contribuiu para criar, em janeiro de 2025, o «grupo de Haia», para coordenar medidas jurídicas e diplomáticas contra a política de Israel em Gaza (ler: https://www.theguardian.com/law/2025/jan/31/south-africa-and-malaysia-to-launch-campaign-to-protect-justice). Segundo a declaração inaugural, os principais compromissos consistem na exigência de respeitar as sentenças do Tribunal Internacional de Justiça, em mandatos de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra dirigentes israelense na proibição de transferir armas ou carburantes (com fins militares) susceptíveis de servirem no conflito e no bloqueio ao acesso aos portos de navios que transportem material militar para Israel. Os países fundadores desse grupo são a África do Sul, a Colômbia, o Belize, Cuba, Honduras, Malásia, Namíbia e Senegal. O grupo reuniu de urgência em meados de julho de 2025, em Bogotá (Colômbia).
Do lado dos BRICS, dos quatro estados fundadores (Brasil, Rússia, Índia e China), até hoje nenhum aderiu à queixa da África do Sul, enquanto 15 estados se juntaram, de uma maneira ou de outra, à queixa. Dos 5 BRICS, apenas o Brasil, e mesmo esse bastante tardiamente, ou seja em julho de 2025, anunciou a sua intenção de aderir no futuro à queixa contra Israel. Se tivermos em conta os 10 países que compõem em 2025 os BRICS, apenas o Egito se juntou à queixa.
Da parte da África do Sul, o que é deplorável e gravemente incoerente, tendo em conta a sua queixa contra Israel, é que continua a fazer comércio com Israel, nomeadamente fornecendo-lhe carvão. Segundo algumas fontes, 15 % do carvão consumido por Israel provém da África do Sul. Patrick Bond, professor universitário na África do Sul, denuncia regularmente as entregas de carvão sul-africano a Israel – ler nomeadamente em inglês: The-Blessing-for-genocide; e em espanhol: La-bendicion-para-el-genocidio. Segundo ele, o principal argumento das autoridades de Pretória para justificar a continuação do fornecimento de carvão a Israel é que, caso contrário, isso contrariaria as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio). A isto responde Patrick Bond dizendo que o argumento não pode ser levado a sério, pois nos últimos anos vários países contrariaram as regras da OMC e nada lhes aconteceu. Podemos acrescentar que se a África do Sul acabasse com o seu comércio com Israel, o seu ato seria incontestavelmente legítimo.
De facto, como escreve Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, no seu ponto 89 do relatório «Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio»:
As companhias de extração e mineração, ao mesmo tempo que fornecem fontes de energia civil, alimentaram as infraestruturas militares e energéticas de Israel – ambas utilizadas para criar condições de vida calculadas para destruírem o povo palestiniano.»6 (O relatório completo em inglês está disponível em https://www.un.org/unispal/document/a-hrc-59-23-from-economy-of-occupation-to-economy-of-genocide-report-special-rapporteur-francesca-albanese-palestine-2025/)
Assinalemos que este relatório absolutamente fundamental foi tornado público em fins de junho de 2025, antes da cimeira dos BRICS. Ora a declaração final da cimeira dos BRICS, tornada pública a 6 de julho de 2025, não menciona a questão.
Patrick Bond reuniu um gordo dossier sobre o grupo sul-africano de armamento Paramount Group, cujo patrão é Ivor Ichikowitz, para denunciar a estreita colaboração entre esta empresa, Israel e os Emirados Árabes Unidos (EAU). Bond denuncia nomeadamente a colaboração do Paramount Group com a empresa israelense de Armamento Elbit. Seu dossier intitulado «Does SA-Israel Trade Include Armaments?» («O Comércio entre a África do Sul e Israel Inclui Armamentos?») foi publicado em 21 de dezembro de 2024,https://diplomaticinside.com/2024/12/21/does-sa-israel-trade-include-armaments/. Acrescente-se a isto o facto de o patrão do Paramount Group, Ivor Ichikowitz, ter denunciado a queixa apresentada pela África do Sul contra Israel. Escreveu ele na revista Fortuna:
«A recente posição da África do Sul, abertamente hostil a Israel e muito favorável ao Hamas, que pôs o Estado de Israel perante o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), poderia ter levado a que a África do Sul fosse sancionada e excluída da AGOA, perspetiva essa que ainda pesa sobre as relações entre os EUA e a África do Sul.»7 (Fonte: Ivor Ichikowitz, «South Africa should be truly non-aligned–and stop risking its vital trade ties with the West», Fortune, 26/01/2024, https://fortune.com/2024/01/26/south-africa-non-aligned-risk-vital-trade-ties-west-us-biden-israel-politics/)
Patrick Bond, vários movimentos sul-africanos e numerosos ativistas apelam às autoridades de Pretória para que adotem sanções contra Israel e proíbam a exportação de carvão para aquele país, além de pôrem termo a todas as relações comerciais.
Quais são as relações comerciais do Brasil com Israel?
O volume do comércio entre o Brasil e Israel é de pouco menos de US$ 2 bilhões. O Brasil importa mais de Israel do que exporta para Israel. O Brasil exporta petróleo bruto para Israel, o que representa 1/4 de suas exportações para esse país. Também exporta carne, que representa cerca de 20% de suas exportações, e soja transgênica, que também representa 20%. O restante: frango kosher, armas, etc.
Portanto, existe um comércio de armas entre o Brasil e Israel?
Sim. Em 2024, por exemplo, o Brasil exportou armas para Israel por um valor limitado (pouco menos de 2 milhõehttps://www.elbitsystems.com/s de dólares), mas tratava-se de munições de guerra (ver https://tradingeconomics.com/brazil/exports/israel/arms-ammunition-parts-accessories). Em 2024, o Brasil importou armas de guerra de Israel por pouco menos de 9 milhões de dólares (ver https://tradingeconomics.com/brazil/imports/israel/military-weapons-excluding-revolvers-pistols-lances). O Brasil mantém, portanto, um comércio de armas apesar do genocídio e, acima de tudo, mantém uma cooperação tecnológica significativa no domínio da defesa, principalmente com a empresa israelense Elbit Systems (ver site oficial https://www.elbitsystems.com/) e sua subsidiária brasileira Ares Aeroespacial e Defesa. É importante saber que a empresa Elbit System é explicitamente mencionada no relatório e figura na lista de empresas de armamento que colaboram diretamente com o genocídio, segundo Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados [1] .
No ponto 31 de seu relatório, Francesca Albanese escreve:
O complexo militar-industrial tornou-se o pilar econômico do Estado. Entre 2020 e 2024, Israel foi o oitavo maior exportador de armas do mundo. As duas maiores empresas de armamento israelenses – a Elbit Systems, criada como uma parceria público-privada e depois privatizada, e a empresa pública Israel Aerospace Industries (IAI) – estão entre os 50 maiores fabricantes de armas do mundo. Desde 2023, a Elbit coopera estreitamente com as operações militares israelenses, integrando pessoal-chave ao Ministério da Defesa, e recebeu o prêmio israelense de defesa de 2024. A Elbit e a IAI fornecem um abastecimento nacional essencial de armamento e reforçam as alianças militares de Israel através da exportação de armas e do desenvolvimento conjunto de tecnologias militares [2].”
Ela acrescenta no ponto 33:
“Os drones, hexacópteros e quadricópteros também foram máquinas de matar onipresentes no céu de Gaza. Os drones, amplamente desenvolvidos e fornecidos pela Elbit Systems e pela IAI, voam há muito tempo ao lado desses caças, vigiando os palestinos e fornecendo informações sobre os alvos. Nas últimas duas décadas, com o apoio dessas empresas e a colaboração de instituições como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), os drones israelenses foram equipados com sistemas de armas automatizados e adquiriram a capacidade de voar em formação em enxame. [3]”
A colaboração entre o Brasil e Israel no campo militar por meio da Elbit e sua subsidiária ARES é comprovada. Por exemplo, a Ares forneceu estações de armas teleoperadas (RCWS, REMAX) ao Brasil no âmbito de um contrato de cerca de 100 milhões de dólares. A cooperação vai além das trocas físicas, com transferências de tecnologia, coprodução e formação através da Elbit/Ares.
Além disso, em abril de 2024, sob pressão do Ministério da Defesa, o programa VBCOAP (Veículo Blindado de Combate Obuseiro Autopropulsado) do Brasil designou o sistema ATMOS 2000 155 mm montado em caminhão (Tatra T 815 6×6) desenvolvido pela Elbit Systems como vencedor de uma licitação que também envolveu o Caesar (França), o SH 15 (China) e o Zuzana 2 (Eslováquia/CZ). O contrato inicial prevê a aquisição de 36 obuses: duas unidades deveriam ser entregues em 12 meses para avaliação técnica e operacional no Brasil. Os 34 sistemas restantes serão entregues anualmente até 2034. O valor total do contrato é estimado em US$ 150,2 milhões, ou mesmo US$ 210 milhões, de acordo com algumas fontes (ver o jornal brasileiro The Rio Times: https://www.riotimesonline.com/lulas-brazil-acquires-israeli-defense-tech-despite-criticism-over-gaza-conflict/).
No momento em que escrevemos este artigo, o projeto está “congelado ” (frozen) desde outubro de 2024 devido às críticas do presidente Lula da Silva contra Israel e a guerra em Gaza (https://www.defensenews.com/global/the-americas/2024/10/07/brazils-deal-for-israeli-howitzers-frozen-over-gaza-war/ ). No entanto, nenhum decreto executivo de cancelamento foi assinado. Desde o anúncio do congelamento do contrato, o Ministério da Defesa brasileiro e o chefe do Exército tentam desbloquear o processo e persuadir o presidente a prosseguir com as entregas, nomeadamente das duas unidades protótipos para testes operacionais. No final de julho de 2025, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, anunciou um endurecimento das posições do Brasil em relação a Israel e a suspensão do comércio de armas com Israel (em português: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/brasil-sancoes-israel-por-genocidio-gaza-chanceler-onu/ ).
Qual é a atitude do Egito, que é membro pleno dos BRICS, em relação à solidariedade com o povo palestino?
Em primeiro lugar, é importante destacar que, em junho de 2025, as autoridades egípcias reprimiram e impediram milhares de pessoas vindas de dezenas de países de se deslocarem pelo país para chegar ao posto fronteiriço de Rafah a fim de expressar sua solidariedade com o povo palestino, exigir o fim do genocídio e apoiar a necessidade de um cessar-fogo. De fato, em 10 de junho de 2025, ativistas de mais de 50 países lançaram a Marcha Mundial por Gaza, uma iniciativa civil liderada por uma ampla coalizão internacional para denunciar o bloqueio israelense e exigir a abertura de um corredor humanitário para Gaza através do posto fronteiriço de Rafah. No entanto, as autoridades egípcias impediram a realização da marcha, mobilizando desde o início uma campanha de difamação na mídia contra os organizadores. A repressão se intensificou com prisões (nas ruas, hotéis e restaurantes), confisco de passaportes e destruição de telefones, impedindo que os comboios deixassem o Cairo. Violência e detenções também foram observadas em Ismailia, onde 200 ativistas foram presos. Várias expulsões e entradas negadas no aeroporto também foram relatadas. (Leia https://jewishcurrents.org/egypt-cracks-down-on-the-global-march-to-gaza).
Essa repressão reflete a crescente colaboração entre o Egito, Israel e os Estados Unidos, em detrimento da solidariedade com a Palestina. Enquanto na época de Gamal Abdel Nasser, o Egito recusou qualquer normalização com Israel e criticou de forma continua e severamente os abusos israelenses contra os palestinos. Mas seu sucessor, Anwar Sadat, assinou um tratado de paz com Israel em 1979, sob a égide dos Estados Unidos. Considerado uma traição pelos palestinos e pelos povos da região, incluindo o povo egípcio, esse tratado abriu caminho para uma crescente cooperação militar, de segurança e econômica. Sob a presidência de Abdel Fattah al-Sissi, essa normalização se acentuou a níveis sem precedentes, com cooperação em matéria de segurança, maior dependência econômica do gás israelense, apoio implícito ao bloqueio de Gaza, controle rigoroso do ponto de passagem de Rafah e desmantelamento dos túneis comerciais para Gaza. O regime continua a reprimir sistematicamente as manifestações pró-palestinas e mesmo gestos simbólicos como brandir uma bandeira palestina podem levar a acusações de terrorismo.
E quanto ao comércio entre o Egito e Israel?
Em 2022: o comércio entre o Egito e Israel foi estimado em cerca de US$ 300 milhões, contra cerca de US$ 330 milhões, de acordo com um relatório de 2021. Em 2023, o comércio aumentou 56% em relação a 2022, totalizando cerca de US$ 468 milhões. Em 2024, o crescimento acelerou no final do ano, com um salto de 168% no quarto trimestre, mas o total anual exato não foi especificado. O principal produto comprado pelo Egito a Israel é o gás natural. O gás “israelense” representava 15,20% do consumo egípcio no início de 2025.
Existe uma colaboração militar entre o Egito e Israel?
Sim, existe uma colaboração militar secreta, mas substancial, entre o Egito e Israel, apesar de sua história conflituosa (guerras de 1948, 1967, 1973). Desde 2007, o Egito e Israel organizam de fato um bloqueio a Gaza (restrições à circulação de bens e pessoas, monitoramento dos túneis). O Egito e Israel conduzem operações conjuntas destruindo túneis entre Gaza e o Egito (com ajuda tecnológica israelense). O Egito adquiriu sistemas de vigilância israelenses (incluindo radares Elbit) por meio de intermediários europeus. De acordo com o Wall Street Journal de 7 de março de 2024, Israel realizou ataques secretos contra armas que transitavam pelo Egito para Gaza, com o acordo tácito das autoridades egípcias. A ajuda militar prestada pelos Estados Unidos ao Egito, no valor de US$ 1,3 bilhão, é concedida com a condição de que Cairo colabore com Israel. Os Estados Unidos estão atentos a que essa condição seja cumprida.
Que relações os Emirados Árabes Unidos mantêm com Israel?
Em 2020, sob a égide do presidente Donald Trump, os acordos de Abraão resultaram na normalização das relações entre Israel e os Emirados Árabes Unidos (para saber mais sobre os Emirados Árabes Unidos, leia o quadro). Em 29 de agosto de 2020, algumas semanas após o anúncio dos acordos de Abraão, os Emirados revogaram a lei federal de 1972 que proibia as relações econômicas com Israel. Essa decisão tornou legais o comércio e os investimentos bilaterais; a importação e a venda de produtos israelenses; a cooperação científica, cultural, tecnológica, etc. Antes dessa revogação, relações cada vez mais estreitas foram se estabelecendo gradualmente.
Após os acordos de Abraão, o Acordo de Parceria Econômica Abrangente (CEPA) foi assinado em 31 de maio de 2022 e entrou em vigor em 1º de abril de 2023, com a eliminação ou forte redução dos direitos alfandegários em cerca de 96% das linhas tarifárias e 99% do valor das trocas comerciais (Wikipedia). Este tratado visa aumentar o comércio bilateral para mais de 10 bilhões de dólares nos cinco anos seguintes à sua conclusão. O conflito em Gaza reduziu a visibilidade do comércio em 2024, mas o comércio permaneceu ativo e cresceu. Como prova disso, o volume do comércio, que atingiu US$ 2,5 bilhões em 2022, deverá atingir US$ 5 bilhões em 2025, de acordo com as previsões.
De acordo com a Bloomberg, em 2025, havia cerca de 600 empresas israelenses ativas nos Emirados Árabes Unidos e, de acordo com um relatório da Câmara de Dubai (2023), mais de 200 empresas dos Emirados estabeleceram parcerias ou abriram atividades em Israel desde a normalização das relações (https://www.dubaichamber.com).
ABC sobre os Emirados Árabes Unidos
Embora Dubai seja a maior cidade, a mais conhecida internacionalmente e um importante centro comercial, financeiro e turístico, Abu Dhabi é a capital oficial dos Emirados Árabes Unidos. Os Emirados Árabes Unidos (EAU) têm um papel econômico e militar internacional muito superior ao seu tamanho populacional. A população dos EAU é de cerca de 10 milhões de habitantes, dos quais apenas cerca de 10% são emiradenses. Desses 10 milhões, cerca de 9 milhões são estrangeiros, dos quais 3 milhões vêm da Índia, 1,5 milhão do Paquistão, outro milhão e meio de Bangladesh e o restante vem principalmente de outros países da Ásia (Filipinas, Sri Lanka, Nepal). Por fim, cerca de 1 milhão vem de países árabes, metade dos quais do Egito.
Dubai, a maior cidade, tornou-se um centro financeiro internacional de primeira linha, que passou a competir com outros centros financeiros como Londres, Zurique, Luxemburgo, Cingapura e Hong Kong. Para atrair empresas financeiras privadas internacionais, as autoridades dos Emirados oferecem as condições mais favoráveis imagináveis: uma legislação e uma tributação particularmente brandas em relação às grandes empresas e às grandes fortunas.
O Dubai International Financial Centre (DIFC) é uma zona franca regulamentada com seu próprio sistema judicial inspirado no direito inglês, abrigando mais de 5.000 empresas, incluindo mais de 1.000 instituições financeiras (bancos, seguradoras, fundos, etc.). A zona franca oferece as seguintes vantagens: 0% de imposto sobre as sociedades (em determinadas condições); isenção de impostos sobre mais-valias e dividendos; 100% de propriedade estrangeira. Veremos mais adiante na série que o recurso a Zonas Francas ou Zonas Econômicas Especiais é desenvolvido tanto por países como os Emirados Árabes Unidos quanto, à sua maneira, pela China (que exerce mais controles e é menos favorável em termos de impostos e taxas) e é promovido pelos BRICS em suas cúpulas.
Como escreve Husam Mahjoub em um estudo publicado pelo Transnational Institute (TNI), com sede em Amsterdã:
«Os Emirados Árabes Unidos se tornaram uma potência subimperial na África, investindo em portos, aeroportos e projetos de infraestrutura para extrair recursos e aumentar sua influência política e militar em escala global. É essencial compreender o papel dos Emirados Árabes Unidos na reformulação da geopolítica regional para que os movimentos de resistência e justiça possam contestar eficazmente as estruturas de poder imperialistas. [5]»
Husam Mahjoub dá dois exemplos concretos da ascensão do poder dos EAU:
O primeiro voo da Emirates Airlines decolou em 25 de outubro de 1985, ligando Dubai à cidade paquistanesa de Karachi, a bordo de um avião alugado da Pakistan International Airlines. Hoje, a Emirates possui uma frota de mais de 260 aeronaves e atende a mais de 136 destinos em todo o mundo. Em 2023, o Aeroporto Internacional do Dubai foi classificado pelo décimo ano consecutivo como o hub mais movimentado do mundo para passageiros internacionais. O porto de Jebel Ali, localizado na costa de Dubai, foi inaugurado em 1979, seguido seis anos depois pela criação da zona franca de Jebel Ali. Em 2023, era o décimo porto de contêineres mais movimentado do mundo.» [6]
O acima exposto é, de certa forma, a ponta do iceberg, pois além da cidade vitrine de Dubai e da conhecida companhia aérea Emirates, os Emirados Árabes Unidos são uma importante potência econômica e também militar.
Os Emirados Árabes Unidos investiram US$ 60 bilhões em vários países africanos em diversos setores, como mineração, petróleo, infraestrutura, logística e agricultura, começando a desempenhar um papel significativo em sua economia nacional. Com esse volume de investimento, os Emirados Árabes Unidos ocupam a quarta posição, atrás da China, dos países da UE e dos Estados Unidos.
Os Emirados Árabes Unidos são aliados de Israel e dos Estados Unidos, mas desempenham um papel especial na região árabe e na África Subsaariana.
Como escreve Husam Mahjoub:
«Ao longo da década de 2010, as ambições subimperiais dos Emirados Árabes Unidos e do Catar refletiram, em muitos aspectos, o modelo israelense. Apesar de seu pequeno tamanho e população reduzida, e apesar de estarem localizados em um ambiente regional hostil, eles aproveitaram sua riqueza e suas relações estratégicas com as potências ocidentais para exercer sua influência em toda a região. As duas nações apoiaram várias facções, incluindo mercenários e insurgentes, a fim de promover seus interesses nacionais e afirmar seu domínio regional.» [7]
Para justificar o uso do conceito de subimperialismo em relação aos Emirados Árabes Unidos, Husam Mahjoub se refere aos trabalhos de Ruy Mauro Marini. Sua explicação merece ser reproduzida aqui:
«O conceito de subimperialismo, introduzido pelo pesquisador e militante marxista brasileiro Ruy Mauro Marini, fornece informações valiosas para analisar as estratégias e os impactos dos Emirados Árabes Unidos. Ele mostra como os Emirados Árabes Unidos podem ser ao mesmo tempo submetidos ao imperialismo e agentes de práticas imperialistas em suas esferas de influência, ao mesmo tempo em que desafiam os atores imperialistas tradicionais.
Nesse contexto, o subimperialismo designa um fenômeno pelo qual um país, sem ser uma grande potência imperial mundial, age de forma a se alinhar com os interesses das potências imperiais ou a apoiá-los, e se comporta de maneira imperialista dentro de sua própria região.»
O poder e a riqueza nos Emirados Árabes Unidos estão concentrados nas mãos das famílias reinantes de Abu Dhabi (Al-Nahyan) e Dubai (Al-Maktoum), bem como de alguns clãs capitalistas especializados em comércio e finanças que lhes estão intimamente ligados. O chefe de Estado é o xeque Mohamed Bin Zayed Al Nahyan. Ele esteve presente pessoalmente nas cúpulas do BRICS em Kazan em 2024 e no Rio em 2025, no Brasil.
No centro da geoestratégia dos EAU está a tomada de controle das infraestruturas portuárias e logísticas em toda a costa africana. Os EAU possuem infraestruturas no Norte da África, no Mediterrâneo (Argélia e Egito); na África Ocidental e Austral, no Oceano Atlântico (Angola, Congo, República Democrática do Congo (RDC), Guiné e Senegal); no Oceano Índico, na África Oriental (Quênia, Moçambique e Tanzânia); bem como na região do mar Vermelho, incluindo o Corno de África, com projetos no Egito, Puntland, Somalilândia e Djibuti. Eles investem em centros logísticos no interior do território africano: Ruanda, Marrocos, Nigéria, África do Sul e Tanzânia. Veja o dossiê elaborado pelo Financial Times: “The UAE’s rising influence in Africa” (A crescente influência dos Emirados Árabes Unidos na África), 30 de maio de 2024, https://archive.ph/6HEca#selection-1375.0-1384.2
O fato de os Emirados Árabes Unidos terem sediado a COP 28 também mostra que eles estão muito comprometidos com o capitalismo verde. Durante a COP 28, a empresa Blue Carbon LLC, criada por um membro da família real dos Emirados Árabes Unidos, assinou vários contratos com líderes do Sul para adquirir, por 30 anos, áreas impressionantes de suas terras. Essas terras permitirão à Blue Carbon LLC vender créditos de carbono a empresas poluidoras [8], para que estas “compensem” a poluição que geram. 25 milhões de hectares de floresta da Libéria, Angola, Quênia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia ou Zimbábue foram comprados por esta empresa e, portanto, pelos Emirados Árabes Unidos (o equivalente à área do Reino Unido). 20% da superfície do Zimbábue, 10% da superfície da Libéria e da Zâmbia e 8% da superfície da Tanzânia foram açambarcados pela Blue Carbon LLC.
Como bem demonstra o acadêmico Adam Hanieh [9], os Emirados Árabes Unidos e outros países do Golfo tentam colocar as pseudotecnologias de captura de carbono e o mercado de compensações de carbono no centro das discussões, especialmente durante as COP, para que não se fale do fim das energias fósseis (das quais eles são grandes exportadores). A estratégia deles é a seguinte: confundir as coisas e liderar as falsas soluções que passam pelas finanças e pelo mercado para poder gerar cada vez mais dinheiro às custas da transição ecológica e continuar a extrair e exportar tranquilamente os hidrocarbonetos. Em resumo, agir para que nada mude.
Existe comércio de armas entre Israel e os Emirados Árabes Unidos?
Sim, o comércio de armas é bem real entre Israel e os Emirados desde a normalização em 2020. Ele diz respeito principalmente a sistemas antiaéreos (SPYDER, Barak 8, Iron Dome), drones e tecnologias eletrônicas, e também se baseia na cooperação industrial. Embora os contratos específicos continuem a ser sensíveis, o comércio acelerou desde 2022, com uma visibilidade pública crescente desde 2024-2025 através de feiras de armamento como a Exposição Internacional de Defesa de Dubai (IDEX), que se realiza a cada dois anos. Na exposição IDEX realizada em fevereiro de 2025, 34 empresas israelenses especializadas em armamento estiveram presentes. A empresa emiradense EDGE, especializada em armamento, colabora ativamente com empresas israelenses do setor de armamento, como Elbit, Rafael, IAI, RT e Thirdeye.
Existe uma colaboração direta das forças armadas dos Emirados com o exército israelense?
Sim, existe uma colaboração militar, mesmo que não seja oficialmente reivindicada por ambas as partes. Essa colaboração se explica, em parte, pela hostilidade desses dois países em relação ao Irã e sua influência na região. O mesmo se aplica aos seus interesses comuns contra os Hutis no Iêmen.
Desde o início da guerra no Iêmen em 2015, os Emirados Árabes Unidos aumentaram sua presença militar na região, especialmente na ilha principal de Socotra, oficialmente iemenita. Os Emirados Árabes Unidos ocuparam essa ilha, instalaram uma base militar e cooperam localmente com o exército israelense. O arquipélago de Socotra, localizado ao largo do Iêmen, no oceano Índico, controla rotas marítimas cruciais entre o mar Vermelho e o Golfo de Áden. Cerca de 20.000 navios de transporte passam anualmente perto do arquipélago de Socotra, dos quais 9% destinam-se ao abastecimento anual mundial de petróleo. Leia: Karim Shami, “Tirania nas águas: a ocupação dos Emirados Árabes Unidos e de Israel da ilha de Socotra, no Iêmen”, 24/03/2023, https://thecradle.co/articles-id/916# Leia também: “Emirados Árabes Unidos e Israel expandem bases de espionagem em Socotra, no Iêmen, com o apoio dos EUA: Relatório”, 29/07/2024, https://thecradle.co/articles-id/26154
Os Emirados Árabes Unidos também colaboram com Israel, Índia e vários países da UE (Itália, Alemanha, França, Grécia) no projeto de uma rota terrestre ligando o Golfo de Dubai ao porto de Haifa através da Península Arábica via Riade, na Arábia Saudita, a fim de evitar a passagem pelo Canal de Suez para o comércio Ásia-Europa. Leia: https://www.jns.org/uae-israel-land-corridor-operating-despite-war/ Trata-se também, de certa forma, de desenvolver uma alternativa às novas rotas da seda desenvolvidas pela China. Leia: https://www.gisreportsonline.com/r/imec/
Em que consiste a colaboração dos Emirados Árabes Unidos com os Estados Unidos no plano militar?
É importante salientar que os Emirados Árabes Unidos são o único país membro do BRICS a ter em seu território uma base militar permanente dos Estados Unidos, o que obviamente está relacionado com a política de colaboração com Israel. A presença militar dos Estados Unidos nos Emirados Árabes Unidos (EAU) é importante, estratégica e duradoura, inserindo-se numa cooperação bilateral de defesa reforçada desde a Guerra do Golfo em 1991. Perto da capital dos EAU, os Estados Unidos dispõem de uma base militar que acolhe caças (F-22, F-35 ocasionalmente), aviões de vigilância (AWACS, JSTARS), drones armados (MQ-9 Reaper), aviões de reabastecimento, etc. Esta base constitui uma plataforma logística fundamental para as operações americanas no Golfo Pérsico, no Iraque e na Síria, para o comando CENTCOM (Médio Oriente/Ásia Central) e para a vigilância do Irão. O efetivo é de cerca de 2 000 a 3 000 militares americanos estacionados de forma permanente ou rotativa. Os Estados Unidos implantaram nos Emirados Árabes Unidos sistemas de defesa antimísseis como o Patriot PAC-3. Os Emirados Árabes Unidos colaboram com a Quinta Frota americana, baseada no Bahrein. Os Emirados Árabes Unidos participam de exercícios navais conjuntos e de iniciativas como a Coalizão Internacional para a Segurança Marítima no Estreito de Ormuz. Os EAU garantem acesso aos portos emiradenses para a frota americana e seus aliados.
Como se comporta a Etiópia em relação a Israel? Existe cooperação militar entre Israel e a Etiópia?
Apesar do genocídio em curso em Gaza, a cooperação militar entre Israel e a Etiópia, país membro de pleno direito do BRICS, continua.
De acordo com várias fontes, Israel continua a ser um dos principais fornecedores militares da Etiópia, nomeadamente através da venda de sistemas de defesa aérea como o Spyder-MR, destinado a proteger a Grande Barragem da Renascença Etíope contra qualquer ataque aéreo.
A cooperação militar é duradoura, apesar das mudanças de regime em Adis Abeba. Ela remonta aos anos 1960-1990: Israel treinou unidades de paraquedistas e forças de contra-insurgência para o exército etíope (Divisão Nebelbal), forneceu 150.000 fuzis, bombas de fragmentação e enviou conselheiros militares para treinar a Guarda Presidencial (leia https://en.wikipedia.org/wiki/ Ethiopia%E2%80%93Israel_relations). Desde novembro de 2020, existe também um acordo de cooperação entre a Mossad e o serviço de segurança etíope (NISS), que abrange a troca de conhecimentos e a luta contra a insurreição.
Devido ao genocídio em curso em Gaza, a parceria militar entre a Etiópia e Israel é relativamente discreta, mas contribui de forma notória para a estratégia de segurança etíope e para a influência israelense na África Oriental. Isso inclui o intercâmbio de informações, a coordenação estratégica e o reforço das capacidades etíopes. Leia: https://hiiraan.com/news4/2025/Mar/200683/israel_ethiopia_discuss_joint_efforts_to_combat_al_shabaab_and_houthis.
Vale ressaltar que Israel mantém excelentes relações nessa região com o regime de Museveni em Uganda (que foi representado na cúpula do BRICS no Rio pela vice-presidenta). Leia em inglês: www.alestiklal.net/en/article/how-israel-is-penetrating-the-african-continent.
O volume de comércio entre Israel e a Etiópia é baixo, cerca de 100 milhões de dólares por ano. Por outro lado, as empresas israelenses estão cada vez mais interessadas em investir no setor agrícola da Etiópia.
Quais relações a Indonésia mantém com Israel?
A Indonésia, o país muçulmano mais populoso e membro pleno do BRICS, não mantém relações diplomáticas oficiais com Israel, mas a realidade é bem diferente. Em maio de 2024, uma investigação conjunta conduzida pelo jornal israelense Haaretz, pela Anistia Internacional e pela Tempo revelou que a Indonésia importou tecnologias de espionagem e vigilância de Israel. A investigação revela que, entre 2017 e 2023, a Indonésia importou e implementou uma vasta gama de software espião altamente intrusivo e outras tecnologias de vigilância sofisticadas. Várias empresas israelenses foram identificadas como fornecedoras indiretas: NSO Group (via Q Cyber Technologies SARL, Luxemburgo), que produziu o software espião Pegasus, Intellexa Consortium, conhecido por seu software Predator, Candiru / Saito Tech, Wintego Systems Ltd. Os softwares espiões adquiridos pela Indonésia, como Pegasus, Predator, etc., são projetados para serem: ultra-invisíveis, infectar sem interação explícita, permitindo o gerenciamento de imagens, mensagens, chamadas, localização, etc. Entre os atores que adquiriram essas tecnologias estão a Polícia Nacional da Indonésia (Polri), a Agência Nacional de Cibersegurança e Criptografia (BSSN) e, segundo alguns meios de comunicação, o Ministério da Defesa. Anistia Internacional alertou que esses dispositivos representam um grande risco para os direitos civis, especialmente a liberdade de expressão e a privacidade. Leia em francês: https://www.amnesty.org/fr/latest/news/2024/05/unravelling-a-murky-network-of-spyware-exports-to-indonesia/
Em meados de julho de 2025, a Indonésia aderiu oficialmente ao “grupo de Haia” durante a cúpula de emergência realizada em Bogotá nos dias 15 e 16 de julho de 2025 (https://thehaguegroup.org/meetings-bogota-pt/). Assim, ela figura entre os 13 países que se comprometeram a aplicar medidas concretas e coordenadas para fazer respeitar o direito internacional diante do genocídio em curso em Gaza.
Além disso, o volume do comércio entre Israel e a Indonésia é baixo, menos de 200 milhões de dólares por ano.




Conclusão da primeira parte: Gaza e os BRICS: a recusa em denunciar o genocídio e aplicar sanções
A análise detalhada das posições e práticas dos países membros dos BRICS face ao genocídio em curso em Gaza revela uma contradição flagrante entre os seus discursos oficiais – frequentemente centrados no direito internacional, no multilateralismo e na soberania dos povos – e os seus atos concretos, como é o caso da invasão da Ucrânia pela Rússia ou das ações dos Emirados Árabes Unidos. Como BRICS+, os dez Estados-membros se recusam a designar como tal o crime de genocídio que está sendo perpetrado em Gaza, apesar de amplamente documentado e denunciado por instâncias internacionais e por Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas.
Na prática, os BRICS não tomaram nenhuma medida forte em conjunto: nenhuma sanção, nenhuma ruptura das relações diplomáticas ou econômicas, nenhum embargo, nem mesmo uma suspensão simbólica da cooperação com Israel. Pelo contrário, para a maioria deles, as relações comerciais — especialmente nas áreas estratégicas de energia, tecnologias de vigilância, infraestruturas ou armamento — continuaram, e até se intensificaram, em 2024 e 2025. A África do Sul é certamente uma exceção por sua queixa perante o TIJ, mas essa ação muito positiva é contrariada pela continuação das exportações de carvão para Israel e outras relações comerciais.
A duplicidade diplomática ressalta uma verdade fundamental: apesar de sua retórica sobre uma “ordem mundial mais justa”, os BRICS defendem acima de tudo seus interesses geopolíticos, econômicos ou de segurança, muitas vezes em detrimento dos princípios da justiça internacional. Essa realidade frustra as esperanças depositadas por alguns setores progressistas na possibilidade de um polo “alternativo” encarnado por esse bloco.
Para aqueles e aquelas da esquerda que têm ilusões sobre a vontade dos BRICS de tomar iniciativas claras em favor dos povos, a última cúpula e sua atitude como bloco em relação ao genocídio em Gaza e suas relações com Israel devem contribuir para abrir seus olhos.
Na continuação da série, veremos que os líderes dos BRICS apoiam o modo de produção capitalista que nos levou ao desastre atual. Os BRICS são favoráveis à manutenção da arquitetura financeira internacional (com o FMI e o Banco Mundial no centro) e comercial internacional (OMC, tratados de livre comércio, etc.) tal como ela existe. Os BRICS apoiam o chamado capitalismo verde e fazem greenwashing. Alguns deles, como a Rússia, recorrem à agressão militar contra outros povos, como é o caso da Ucrânia. Da mesma forma e com mais frequência do que os outros, os Estados Unidos (e as potências europeias) fazem e fizeram isso repetidamente em todo o planeta.
Fim da primeira parte da Série Perguntas/Respostas sobre os BRICS 2025
O autor agradece por sua revisão e conselhos a Gilbert Achcar, Omar Aziki, Patrick Bond, Joseph Daher, Sushovan Dhar, Fernanda Gadea, Gabriella Lima, Jawad Moustakbal, Maxime Perriot e Claude Quemar.
O autor é inteiramente responsável pelas opiniões expressas neste texto e por quaisquer erros que ele possa conter.
Traduçao: Rui Viana Perreira / Alain Geffrouais
[1] “The military-industrial complex has become the economic backbone of the State. Between 2020 and 2024, Israel was the eighth largest arms exporter worldwide. The two most prominent Israeli weapons companies – Elbit Systems, established as a public-private partnership and later privatized, and state-owned Israel Aerospace Industries (IAI) – are among the top 50 arms manufacturers globally. Since 2023, Elbit has cooperated closely on Israeli military operations, embedding key staff in the Ministry of Defense, and was awarded the 2024 Israeli Defense Prize. Elbit and IAI provide a critical domestic supply of weaponry, and reinforce Israel’s military alliances through arms exports and joint development of military technology. » Point 31 https://www.un.org/unispal/document/a-hrc-59-23-from-economy-of-occupation-to-economy-of-genocide-report-special-rapporteur-francesca-albanese-palestine-2025/ et https://www.ohchr.org/en/documents/country-reports/ahrc5923-economy-occupation-economy-genocide-report-special-rapporteur
[2] “The military-industrial complex has become the economic backbone of the State. Between 2020 and 2024, Israel was the eighth largest arms exporter worldwide. The two most prominent Israeli weapons companies – Elbit Systems, established as a public-private partnership and later privatized, and state-owned Israel Aerospace Industries (IAI) – are among the top 50 arms manufacturers globally. Since 2023, Elbit has cooperated closely on Israeli military operations, embedding key staff in the Ministry of Defense, and was awarded the 2024 Israeli Defense Prize. Elbit and IAI provide a critical domestic supply of weaponry, and reinforce Israel’s military alliances through arms exports and joint development of military technology. » Point 31 Https://www.un.org/unispal/document/a-hrc-59-23-from-economy-of-occupation-to-economy-of-genocide-report-special-rapporteur-francesca-albanese-palestine-2025/ e https://www.ohchr.org/en/documents/country-reports/ahrc5923-economy-occupation-economy-genocide-report-special-rapporteur
[3] “Drones, hexacopters and quadcopters have also been omnipresent killing machines in the skies of Gaza. Drones largely developed and supplied by Elbit Systems and IAI have long flown alongside these fighter jets, surveilling Palestinians and delivering target intelligence. In the last two decades, with support from these companies and collaborations with institutions like Massachusetts Institute of Technology (MIT), Israel’s drones acquired automated weapons systems and the ability to fly in swarm formation.” Point 33.
[4] Os Acordos de Abraão são dois tratados de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, por um lado, e entre Israel e Bahrein, por outro. O primeiro, entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, foi anunciado em 13 de agosto de 2020 pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Eles foram assinados em 15 de setembro de 2020 na Casa Branca, em Washington, acompanhados por uma declaração tripartite também assinada pelo presidente americano como testemunha. Esses acordos foram ampliados com os acordos com o Sudão e Marrocos. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Abra%C3%A3o
[5] “The United Arab Emirates has become a sub-imperial power in Africa, investing in ports, airports and infrastructure projects to extract resources and increase its global political and military influence. Understanding the UAE’s role in reshaping regional geopolitics is critical for resistance and justice movements to challenge imperialist power structures effectively.” Husam Mahjoub “The emerging sub-imperial role of the United Arab Emirates in Africa” , TNI, 4 February 2025, https://www.tni.org/en/article/the-emerging-sub-imperial-role-of-the-united-arab-emirates-in-africa
[6] “Emirates Airlines’ first flight took off on 25 October 1985, flying from Dubai to the Pakistani city of Karachi, using an aircraft leased from Pakistan International Airlines. Today, Emirates has a fleet of more than 260 aircraft, serving over 136 destinations worldwide. In 2023, Dubai International Airport was ranked as the world’s busiest hub for international passengers for the tenth consecutive year. Jebel Ali Port, located off the coast of Dubai, was inaugurated in 1979, followed by the establishment of the Jebel Ali Free Zone six years later. In 2023, it was the world’s tenth-busiest container port.” Husam Mahjoub “The emerging sub-imperial role of the United Arab Emirates in Africa” , TNI, 4 February 2025, https://www.tni.org/en/article/the-emerging-sub-imperial-role-of-the-united-arab-emirates-in-africa
[7] “Using the framework of sub-imperialism, a concept that was introduced by the Brazilian Marxist scholar and activist Ruy Mauro Marini (external link), provides valuable insights for analysing the UAE’s strategies and impacts. It demonstrates how the UAE can simultaneously be both a subject of imperialism and an agent of imperialist practices within its spheres of influence while challenging traditional imperialist actors. Sub-imperialism, in this context, refers to a phenomenon where a country, while not being a major global imperial power, acts in ways that align with or support the interests of imperial powers and behaves in an imperialist manner within its own region.” Husam Mahjoub “The emerging sub-imperial role of the United Arab Emirates in Africa” , TNI, 4 February 2025, https://www.tni.org/en/article/the-emerging-sub-imperial-role-of-the-united-arab-emirates-in-africa
[8] Vincent Lucchese, «Capter le CO2, un cadeau empoisonné pour les pays du Sud», Reporterre, 11/12/2023, https://reporterre.net/Capter-le-CO2-un-cadeau-empoisonne-pour-les-pays-du-Sud
[9] Adam Hanieh, «Blanchissement de carbone – La «nouvelle ruée vers l’Afrique» du Golfe», CADTM, 14 aout 2024, 22802