Pela reorganização da esquerda revolucionária: carta de entrada no MES-PSOL
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Pela reorganização da esquerda revolucionária: carta de entrada no MES-PSOL

Em um momento de avanço do neofascismo e de necessidade da construção de uma alternativa radical e ecossocialista, recebemos em nossas fileiras um grupo de ex-militantes da Resistência-PSOL

Vários Militantes do PSOL 20 set 2025, 12:32

Após mais de um ano de debates aprofundados de ordem político-programática, dentre os quais: situação internacional; situação nacional, reorganização da esquerda e os rumos do PSOL; combate ao neofascismo e à extrema direita, marxismo negro; questão LGBTQIA+; intervenção sindical, estudantil e popular; atuação dos revolucionários no parlamento; regime e concepção de partido; entre outros, nós, que somos ex-militantes da Resistência, manifestamos nosso ingresso nas fileiras do MES/PSOL.

  1. A situação mundial: crise da ordem mundial e ascensão da extrema direita e neofascismo

Partilhamos da visão de que vivemos um momento histórico marcado pela crise multidimensional do capitalismo, explicitando seu caráter destrutivo sobre a natureza e a vida e trazendo para o momento presente a necessidade histórica de superar o atual modo de produção. O novo governo Trump na principal potência imperialista do planeta inaugura um novo patamar nesta crise – e a situação política mundial entra em um período de instabilidade e transformações como não ocorre há muitas décadas. Desde a crise de 2008-10, abriu-se em nova escala o conflito interimperialista pela hegemonia global. Um bloco imperialista emergente, encabeçado pela China, avança sua influência política e econômica em diversas regiões do planeta frente à crise da hegemonia do imperialismo norte americano. O esgotamento do modelo de acumulação capitalista das últimas décadas – a “globalização” – pressiona as burguesias e o imperialismo a atacar ainda mais o nível de vida dos trabalhadores e das populações, aumentando a exploração. E, para isso, avançam em governos, regimes e ideologias cada vez mais autoritárias que atacam diretamente conquistas trabalhistas e sociais, aprofundam as opressões contra diversos segmentos (negros, LGBTQIA+, mulheres, imigrantes etc) e justificam uma destruição ainda mais acelerada das condições climáticas e ambientais no planeta.

O genocídio de Israel sobre o povo palestino, trasmitido ao vivo e a cores pelas redes sociais e meios de comunicação em todo o mundo, é a face mais brtual desse novo cenário. O neocolonialismo; o aprofundamento da desigualdade e da pobreza ao redor do globo , tornando a sobrevivência uma tarefa diária sobretudo aos povos racializados e de países periféricos e dependentes; a ofensiva da política de exclusão e extermínio pela extrema direita (principalmente a partir deste segundo governo Trump) são alguns dos sintomas da “situação desesperadora de nosso tempo”. O segundo governo Trump moraliza e alavanca a extrema direita neofascista em todo o planeta, e essa agenda ganha força não só nos EUA e na América Latina, mas também na Europa, Austrália e outras partes do mundo.

Mas a realidade não é uma via de mão única – o signo do período atual é de instabilidade e crises, e não um vetor inexorável rumo a uma distopia fascista. O neofascismo não conseguiu impor derrotas históricas à classe trabalhadora – e não está dado que o fará. Lideranças neofascistas capitalizam o desgaste dos governos tradicionais (inclusive os de colaboração de classe, encabeçados por figuras de esquerda ou centro-esquerda), mas ao chegarem ao poder não correspondem às expectativas das massas que os elegeram. Como não impuseram derrotas históricas, podem ser mais instáveis e suscetíveis à crise. As respostas do movimento de massas se dão muitas vezes no terreno eleitoral, mas podem ser também explosivas, como o BLM nos EUA durante o primeiro governo Trump.

  1. A situação política do Brasil: governo Lula e o Bolsonarismo

O Brasil tem concentrado a maior parte das grandes contradições que marcam a situação internacional. O país foi palco de crimes ambientais irreparáveis, como em Brumadinho e Mariana, e tem sofrido as consequências dos fenômenos climáticos extremos, como no Rio Grande do Sul. Após anos terríveis sob o governo Bolsonaro, Lula foi eleito para seu terceiro governo em uma frente ampla que arregimentou do PSOL à FIESP. Atualmente, o governo encontra-se em crise de popularidade, dado sua incapacidade de responder à crise econômica e social, envolvimento com setores corruptos da política tradicional e, principalmente, a ausência de políticas para transformações estruturais que podem melhorar a vida da classe trabalhadora e dos mais pobres. Pelo contrário, além de não desmontar nenhuma das contra-reformas dos governos anteriores (Temer / Bolsonaro), implementa medidas de austeridade como o Arcabouço Fiscal – que agrava ainda mais as contradições sociais no país.

O país também vem ganhando destaque no noticiário internacional, pois é um dos alvos centrais da ofensiva colonialista de Trump sobre a América Latina – além das ameaças de intervenção militar na Venezuela. A guerra tarifária de Trump contra o Brasil não só ataca diretamente a soberania nacional, como visa ganhar terreno na ameaça de golpes e fortalecimento do neofascismo na região, com a “anistia” a Bolsonaro. A resposta de Lula a esses ataques vem segurando seus níveis de popularidade – mas a pressão tende a aumentar (inclusive de setores burgueses internos, muitos destes hoje aliados ao governo). Ao mesmo tempo, o governo Lula se recusa a adotar posições mais firmes contra o genocídio de Gaza, mantendo relações diplomáticas e comerciais com Israel – inclusive em itens como petróleo, que contribui diretamente para sua máquina de extermínio.

Neste contexto, a reorganização da classe trabalhadora no Brasil se dá tanto pela auto organização dos trabalhadores “por baixo”, tal como a luta pelo fim da escala 6×1 e o último Breque dos APPs; quanto por crises e rupturas nas organizações de esquerda e socialistas. O PSOL está no centro desta crise, tendo seu caráter independente seriamente ameaçado pela adesão acrítica ao lulo-petismo, levada a cabo pelo bloco majoritário do partido. Considerando a tragédia política vivenciada em países como a Grécia, que passaram por traições semelhantes das formações reformistas que nutriam expectativa com um modelo alternativo de projeto político, é fundamental defender a independência de classe do PSOL. E mantê-lo como uma ferramenta útil à reorganização da classe trabalhadora, que invariavelmente passará por múltiplas organizações radicais, socialistas e anticapitalistas que têm tentado, pelos mais diversos meios, construir alternativas para responder ao que Safatle definiu como a “morte da esquerda”.

  1. Para combater a extrema direita: independência de classe e um programa transitório

Nos anos 1930, parte das burguesias de países imperialistas e periféricos abraçaram o fascismo como instrumento político e de regime para impedir processos revolucionários socialistas e dos trabalhadores. Hoje, o neofascismo atua para garantir a superexploração, opressão e dominação imperialista. Mas, apesar dessa diferença, suas bases fundamentais são semelhantes – e o programa para combatê-los também. Esse não é um debate novo, na verdade se trata de uma das bases fundacionais da teoria política trotskista, que vem sendo abandonada por algumas correntes com origem nessa tradição.

Entendemos que o neofascismo só pode ser combatido de forma consequente com uma luta anticapitalista, radical, centrada na organização independente dos trabalhadores e movimentos sociais, e no desafio ao status quo. O combate ao neofascismo não se faz apenas com unidades de ação e frentes únicas contra a extrema direita, mas também uma transformação social profunda, que só poderia ser realizada com a perspectiva socialista. A bandeira do “anti-sistema” não pode estar nas mãos da extrema direita, ela é parte do nosso programa – e nós, a esquerda socialista, somos os únicos que têm condições de apresentar uma saída que atenda aos interesses da maioria da população mundial. O combate contra o neofascismo não pode ser apenas defensivo,. É preciso uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome, com o questionamento do “sistema” atual por uma agenda de consígnas anticapitalista e ecossocialista

Na luta contra o neofascismo, somos favoráveis a unidades de ação e acordos pontuais “com o diabo e sua avó”, assim como a utilização de todo o arsenal de táticas unitárias que são parte da tradição da esquerda revolucionária Mas tão ou mais importante que a flexibilidade tática em tais acordos é a manutenção da independência política da esquerda socialista. E isso é ainda mais crucial quando essas Frentes chegam ao governo. Pois, devido aos seus compromissos e alianças com as elites, tendem a desiludir as expectativas das massas trabalhadoras e populares que os elegeram – deixando escancarada a porta para o crescimento da extrema direita.

  1. Marxismos negro e LGBTQIA+

Os debates sobre marxismo negro, programa para a questão racial no Brasil e intervenção antirracista tiveram centralidade, por entendermos a raça como uma categoria econômica que estrutura o desenvolvimento do capitalismo. Sob a ordem neoliberal e neocolonial, temos na racialização um dos instrumentos mais poderosos do capital para intensificar a exploração e expropriação dos trabalhadores, com desdobramentos no aumento da violência e política de extermínio. Em países governados pela extrema direita, tal política econômica encontra-se com o discurso de ódio que tem nos povos racializados, corpos e identidades dissidentes seus principais alvos. Ao mesmo tempo, entendemos que lutas como o Black Lives Matter (2020), as revoltas contra a violência policial na França (2023), manifestações antirracistas no Reino Unido (2024), protestos contra a violência policial no Quênia (2025) e a onda de protestos contra a política anti-imigração de Donald Trump nos EUA e as massivas manifestações contra o genocídio em Gaza por todo o mundo atestam para a centralidade da luta antirracista e anticolonial, como bandeiras globais e não específicas, da luta anticapitalista.

O marxismo queer e a questão LGBTQI+ também foram parte da discussão sobre o programa socialista para o Brasil, em um momento de grande visibilidade de figuras trans na esquerda brasileira, em especial na luta por cotas trans nas universidades. A articulação entre gênero e sexualidade na esfera política se expressa na vanguarda LGBTQI+ na luta contra a extrema direita, sendo frequentemente os alvos preferenciais dos neofascistas. Por isso, a construção de um programa político que coloque gênero e sexualidade no centro da elaboração anticapitalista se encontra na ordem do dia, principalmente frente a crise da ordem neoliberal e as respostas reacionárias, que passam pela reafirmação da família cristã heteronormativa. Essa proposta de programa deve estar associada a uma intervenção concreta no movimento de massas, não apenas aos debates acerca do tema.

  1. O MES e a reorganização da esquerda no Brasil

O MES, como maior e principal corrente do Bloco de Esquerda do PSOL, pode cumprir um papel fundamental na reorganização da esquerda radical e socialista no Brasil. A campanha da Luana Alves em São Paulo foi exemplar, nesse sentido. Em uma frente composta por MES, Rebelião Ecossocialista, LSR, PCBR, além de inúmeras outras organizações, coletivos e movimentos de base com os quais o mandato já havia estabelecido nos anos anteriores uma relação de aliança e apoio, foi possível fazer uma excelente campanha e eleger a candidatura, ocupando o espaço de disputa programática por uma alternativa radical e para a maioria, abandonada pela candidatura a prefeito de Guilherme Boulos. Além disso, o MES tem tido papel preponderante na luta contra o adesismo do PSOL pelo setor majoritário do partido – denunciando e combatendo medidas como o Arcabouço Fiscal e defendendo quadros partidários perseguidos por criticarem pela esquerda o governo, como o economista e ex-assessor da bancada federal David Deccache.

Diante deste cenário, para nós é imprescindível que estejamos organizados para dar a batalha estratégica por um horizonte de emancipação social. A crise da forma-partido, que é uma crise de projeto, sentido e estratégia, deve servir de impulso para que os partidos superem a falência a qual se encontra a maior parte da esquerda socialista e reencontrem sua vocação em uma perspectiva renovada sobre a relação partido-movimento. Reivindicamos a atualidade do centralismo democrático tal qual definido por Lênin, como um regime que orienta uma ferramenta de combate, para a ação, o que é indissociável do movimento de massas. No entanto, entendemos também que nosso período histórico exige exercitar a imaginação estratégica, partindo de questões postas pelo momento presente como as transformações no mundo do trabalho, as formas contemporâneas de luta e insubordinações, a relação da militância com a vida, entre outros. Coletivos como o Juntos, Juntas, a Rede Emancipa, a TLS, entre outros, demonstram a disposição em intervir a fundo no movimento de massas, construindo mobilizações da classe trabalhadora, juventude e setores oprimidos da sociedade. A participação de militantes (inclusive uma parlamentar) do MES na Flotilha Global Sumud, furando o bloqueio do exército genocida de Israel para levar solidariedade e visibilidade à população de Gaza, demonstra a disposição internacionalista da corrente.

Enxergamos a entrada do MES como membro pleno da IV Internacional como uma vitória ao internacionalismo revolucionário. A IV Internacional foi pioneira no debate sobre a questão climática sob uma perspectiva marxista, e a defesa do ecossocialismo. Na guerra da Ucrânia manteve posições principistas em defesa do povo ucraniano, sem deixar de denunciar o papel da OTAN e do imperialismo ocidental no processo. Na solidariedade à causa Palestina, desde sempre. Esta, que não é uma internacional centralizada e permite inclusive diferentes seções no mesmo país, é atualmente uma frente que se propõe a aglutinar correntes trotskistas ao redor do mundo para defender o legado da luta antiimperialista e em defesa do programa de transição, frente às tendências etapistas e campistas que se valem da correlação de forças desfavorável entre as classes para rebaixarem seus programas. O momento exige que a IV seja uma ferramenta de combate, anti-imperialista, classista e não-eurocêntrica, capaz de articular e promover agendas globais de luta. Assim, vemos a entrada do MES na IV Internacional como um movimento para o fortalecimento de ambas as organizações.

Atravessamos uma crise de horizonte na qual são inúmeros os ativistas, camaradas e amigos insatisfeitos com a maioria, para não dizer totalidade, das organizações de esquerda do país. Não temos a expectativa de ingressar em uma organização perfeita – esperamos encontrar pontos com os quais não concordamos, e queremos ser parte do debate em como encará-los. No entanto, em um momento em que o neofascismo é quem tem tido a capacidade de capitalizar o mal-estar coletivo e transformá-lo em projeto de país, a urgência pela construção de uma alternativa radical e ecossocialista deve ser tomada como uma tarefa prática, não havendo espaço para a indiferença e nem tempo de espera. Afinal, como dizia Leon Trotsky: “todas as revoluções parecem impossíveis, até que se tornem inevitáveis”.

Assinam

Vanessa Monteiro -São Paulo/SP
Marcio Musse – Londres/UK
Guilherme Amorim – São Paulo/SP
Natalia Hirose – Osasco/SP
Fernanda Martins – Niterói/RJ
José Mateus Lourenço – São Paulo/SP
Ingrid Sjobom – São Paulo/SP


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