Por trás das manifestações de massa na Indonésia
Manifestações contra o governo se espalharam pelo país após forte repressão policial
Foto: Manifestação em frente ao comando da polícia em Surabaya em 31 de agosto. (Juni Kriswanto/GI)
Via Green Left
Manifestações coordenadas nacionalmente por trabalhadores indonésios ocorreram em 28 de agosto nos principais centros urbanos de Java, Sumatra e Sulawesi. A resposta da polícia foi marcada por repressão, espancamentos de manifestantes e jornalistas e a morte de um mototaxista de 21 anos, atropelado por um veículo blindado da polícia.
Esses eventos desencadearam manifestações simultâneas em pelo menos 37 cidades do arquipélago nos dias 29 e 30 de agosto. Até o momento da conclusão deste texto, houve ações em 107 cidades de 32 províncias desde 25 de agosto.
O governo e analistas políticos expressaram choque com a escala massiva dessas manifestações políticas simultâneas que, nas palavras do presidente Prabowo Subianto, foram completamente inesperadas.
No entanto, para muitos ativistas em todo o país, este momento tornou-se um ponto de convergência nacional para muitas campanhas políticas que ocorriam de forma localizada, que vem ocorrendo desde 2015. Essas campanhas traziam respostas a questões locais e regionais de direitos à terra e proteção ambiental, e muitas delas surgiram como resultado do projeto estratégico nacional do governo.
Insatisfação crescente
A partir do final de julho, a bandeira de “pirata com chapéu de palha” de Jolly Roger, apresentada na série de anime japonesa One Piece, começou a aparecer em locais públicos por todo o país, na carroceria de caminhões ou hasteada em mastros em kampongs (vilas) locais.
Embora a bandeira não estivesse vinculada a demandas ou manifestações políticas específicas, era reconhecida como uma expressão da decepção popular generalizada com os governos central e regionais, cujas políticas marginalizam as necessidades e preocupações dos cidadãos comuns. Hastear a bandeira representava uma posição política sem o risco de violência policial como resposta repressiva à mobilização ou participação em manifestações de rua em larga escala.
Essa insatisfação vem da luta diária das pessoas para sobreviver diante de uma crise generalizada de custo de vida, desemprego em larga escala no setor formal e novas leis e políticas que aumentam a incerteza quanto aos direitos democráticos e à segurança econômica para o grande número de pessoas em situação de pobreza precária nas áreas rurais e urbanas.
O esforço do governo central para maximizar a arrecadação estatal por meio da reforma tributária em todos os níveis, desde o segundo período do governo Joko Widodo (Jokowi), está agora sendo replicado em nível regional, à medida que o governo central pressiona os distritos a desenvolverem novas fontes de receita e reduzirem a dependência do orçamento nacional.
A medida de “eficiência orçamentária” do novo governo central deixou os governos distritais com recursos limitados desde o início deste ano — uma lacuna à qual muitos governos distritais responderam aumentando os impostos sobre a terra — em até 200% a 1.000% no ano fiscal de 2025.
Protestos explodiram
No início de agosto, esses aumentos de impostos territoriais distritais em Java Central chamaram a atenção nacional, quando moradores do distrito de Pati se mobilizaram contra um aumento de 250% no imposto territorial.
As respostas locais foram rápidas e drásticas, com cerca de 50.000 moradores indo às ruas em 13 de agosto, exigindo a demissão do chefe do distrito e a revogação do aumento de impostos.
Essas ações foram organizadas depois que o chefe do distrito fez declarações públicas de que não se importava se 5 ou 50 mil moradores protestassem contra os novos impostos; eles não seriam revogados.
Embora ele posteriormente tenha revogado os aumentos e feito um pedido formal de desculpas à população de Pati, as manifestações pedindo sua renúncia ainda continuam.
Manifestações semelhantes ocorreram no distrito de Bone, em Sulawesi do Sul, e na cidade de Cirebon, em Java Ocidental.
Muitas propostas de aumento de impostos em outros distritos foram revisadas ou retiradas, depois que autoridades governamentais observaram o potencial para rápidas mobilizações populares.
Na semana anterior a 29 de agosto, ações locais e regionais ocorreram em Java, Sulawesi, Kalimantan e Sumatra, com reivindicações por direitos territoriais indígenas e proteção ambiental contra a rápida expansão da mineração de níquel e do desmatamento, além de salários e condições de trabalho dignas.
Desde o início deste ano, o fechamento de várias grandes empresas de manufatura e varejo provocou grandes perdas de empregos, com poucas alternativas de emprego disponíveis no setor formal. No início deste ano, veículos de imprensa nacionais noticiaram que 10 milhões de jovens recém-formados não conseguiram encontrar emprego profissional e buscavam trabalho em vendas porta a porta, vendendo comida em casa e até mesmo varrendo ruas.
Para piorar a situação, aumentos de salário e novos auxílios-moradia para parlamentares nacionais foram anunciados nos dias anteriores às manifestações mais recentes, gerando indignação e ressentimento generalizados.
Embora os salários mínimos variem em todo o país, estima-se que os salários das autoridades públicas possam ser de 40 a 140 vezes superiores ao salário mínimo pago aos trabalhadores do setor formal. Sobre aqueles que trabalham precariamente no setor informal, a maioria não consegue juntar nem um salário mínimo no final do mês.
Repressão e violência
A resposta do Estado a essas manifestações em nível nacional tem sido a intensificação da repressão, por meio de violência direta contra manifestantes, vigilância e doxing (investigações da vida particular) daqueles identificados como lideranças, revistas aleatórias contra jovens nas ruas próximas aos locais das manifestações e prisões em larga escala.
Mais de 1.000 pessoas foram presas em Jacarta e Semarang juntas, com prisões em larga escala em outras cidades. O exército foi mobilizado para “salvaguardar” os parlamentos nacional e distritais, praças e locais onde as manifestações costumam ser realizadas, enquanto a polícia de choque, armada com gás lacrimogêneo e balas de borracha, foi utilizada para reprimir as manifestações.
Em Java Central, uma diretiva do departamento provincial de educação fechou escolas de ensino fundamental e médio entre 1 e 3 de setembro, enquanto os alunos do ensino médio tiveram que frequentar a escola. Prabowo, ao expressar suas condolências pelos mortos nas manifestações em massa, afirmou que os responsáveis pelos protestos podem responder pelos crimes de traição e terrorismo.
Diante desses acontecimentos, muitos grupos locais suspenderam os planos imediatos de manifestações, continuando a organizar e consolidar suas redes e a defesa dos presos e ativistas alvos de doxing e vigilância.
Embora não esteja claro o que vai acontecer nos próximos dias e semanas, ativistas de base estão construindo novos laços com pessoas comuns em cidades e vilarejos, indignadas com a arrogância e o desrespeito do governo às demandas das pessoas comuns por um meio de vida seguro e o direito à liberdade de expressão.