América Latina é alvo da ofensiva neocolonial de Trump

América Latina é alvo da ofensiva neocolonial de Trump

No marco do reordenamento global, a América Latina é alvo da ofensiva imperialista e neocolonial de Trump

Ana Carvalhaes e Luis Bonilla-Molina 9 out 2025, 15:06

Em seus primeiros nove meses, o governo Trump deslocou navios e infraestrutura militar ao Caribe, bombardeou “balseros” acusasos de narcotraficantes na região, emitiu tarifas de 50% sobre produtos do Brasil – porque não aceita o julgamento democrático de Bolsonaro e demais golpistas -, além de manter pressão brutal sobre o governo do México para que reduza a força os fluxos migratórios de latinoamericanos na fronteira e combata seus próprios cartéis de narcotráfico.

Estes são apenas alguns elementos de uma tormenta que vai muito além da personalidade estridente e instável do primeiro mandatário estadunidense neofascista. O cruel assassinato televisionado dos “balseros” é uma violação a todas as convenções, estatutos e protocolos internacionais sobre o submetimento, captura e julgamento de criminosos. (Ninguém comprovou que os “balseros” assassinados por mísseis norteamericanos não eram simples pescadores, porque nunca lhes deram direito à defesa). Os ataques são a maior evidência de que o imperialismo estadunidense sob Trump impõe um giro radical no tratamento dispensado à macro região que continua considerando seu quintal [1].

No marco da mudança substantiva nas relações do poder global herdadas da Segunda Guerra Mundial, as quais o autoritário Trump tenta substitui pela regra “no planeta mandam os Estados Unidos da América”, América Latina não poderia passar incólume. Mas por que México, Brasil e Venezuela são os alvos mais imediatos? Embora importante, é insuficiente a constatação de que os governos dos três, aos olhos dos falcões neofascistas capitaneados por Trump, são de esquerda. Na gramática trumpista, entende-se isso como governos do outro lado de seu espectro político-ideológico – o que não são defensores diretos e submissos dos interesses do capital ianque -, não importando as sensíveis diferenças entre eles.

Tão distante de Deus, tão perto de Trump

As pressões sobre o governo do México são quase auto explicativas, tendo em conta sua larga fronteira comum com os Estados Unidos, a dependência econômica (mais de 80% das exportações mexicanas vão ao vizinho do Norte), além da força e violência dos cartéis mexicanos de drogas. A retórica agressiva e chantagista contra o México começou nos primeiros dias de Trump na Casa Branca, para impor a presidenta Claudia Sheinbaum a suposta obrigação de conter as multidões de latinoamericanos que historicamente tentaram entrar nos Estados Unidos pelo Rio Grande – sob ameaça de tarifas de 25%.

Claudia respondeu com o envio de uma tropa de 10 mil soldados à fronteira[2]. A pressão se ampliou – com a permanente ameaça de entrada direta das trompas americanas no México, explicitada pelo secretário de Estado, Marco Rubio – para que o governo vizinho tomasse medidas mais duras contra os poderosos cartéis domésticos, considerados agora terroristas pelo Tio Sam. No que vai do seu mandato, Sheinbaum já deportou aos Estados Unidos 26 pessoas acusadas de pertencer ao alto escalão do tráfico, conseguiu prender mais de 30 mil suspeitos de integrar organizações criminosas (contra pouco mais de 12 mil prisões nos seis anos do seu antecessor) e agora em setembro assinou um acordo com os estadunidenses para repressão ao tráfico transfronteiriço de armas, dos Estados Unidos em direção ao México.

Ainda não satisfeita, a administração Trump ameaça também com tarifas mais altas se o México não deixar de importar da China, o que faz fundamentalmente para completentar sua produção de veículos em grande medidas exportadas até o gigante nortenho. Os ianques ainda não descartaram tampouco seus planos de campanha de taxar fortemente as remessas de doláres de cidadão mexicanos ao seu país – atualmente ao redor de 60 bilhões de dólares, quase 4% do PIB do México; e de eventualmente lançar mão de bombardeios por drones aos laboratórios de drogas em território mexicano. Estas e outras cartas de Trump são armas fundamentais, na prática, de chantagem e ameaça.

Até agora Sheinbaum conseguiu impedir a intervenção direta sobre seu país, embora a um custo político alto. Segundo reportou o New York Times, as pessoas ao redor da presidenta, que estaria exasperada com a situação, se queixam de que, por mais que façam concessões, não conseguem se acalmar porque os Estados Unidos não parecem ter limites nas exigências. Claudia e seus companheiros do Morena parecem, por sua parte, ter se esquecido (ou nunca se deram conta) que assim são os imperialismo e muitíssimo mais o imperialismo agressivo neocolonialista de seu parceiro Donald.

Brasil, uma agressão que saiu pela culatra

Frente ao Brasil, o ataque de Trump se caracterizou como uma ingerência direta nos assuntos da política e justiça internas do país sulamericano. As tarifas de 50% (as mais altas até agora, junto com os que foram impostos a Índia) sobre as exportações brasileiras aos EUA não têm nenhuma justificativa econômica, ainda sob a lógica protecionista enlouquecida dos falcões do MAGA. A balança comercial entre os países é deficitária para o Brasil e o mercado estadunidense necessita fortemente de insumos básicos made in Brazil como café, laranja e aço semielaborado.

A explicação de Trump e Rubio para as tarifas foi explícita: o descontentamento com o julgamento (e agora condenação) do seu amigo Jair Bolsonaro e muitos dos seus ex auxiliares pela tentativa de golpe em 2022-2023 – o que os ianques classificam como “caça às bruxas” [3]. Como foi uma medida política (seguida de sanções pessoais aos juízes do Supremo Tribunal e familiares, cujos vistos ao país do Norte foram cancelados), rapidamente a disputa supostamente comercial se tornou no Brasil motivo de grande enfrentamento do governo e setores democráticos, contra a extrema direita.

A família Bolsonaro e seus apoiadores se apoiaram no ataque imperialista para reinvidicá-lo, sair às ruas e exigir anistia aos golpistas, enquanto mantinha um filho do ex-presidente nos EUA, articulando mais ataques. Para conseguir seu objetivo, valeram-se de uma aliança parlamentar com a direita tradicional e oligárquica e corporativista, para fazer vota a anistia com urgência ao mesmo tempo em que votação uma mudança constitucional (proposta de emenda constitucional, ou PEC) para impedir julgamentos e investigações de qualquer tipo contra parlamentares e presidentes de partidos.

Calcularam mal, subestimaram a opinião das maiores. A dupla manobra insuflou mobilizações. No domingo 21 de setembro centenas de milhões de brasileiros sairam às ruas e praças para protestar contra a “PEC da Blindagem” (ou PEC da Bandidagem, como apelidado pela sabedoria popular) e contra a anistia[4].

A mudança constitucional foi enterrada e, com ela, a proposta de anistia. De fato, o embate contra o tarifaço, a postura de abertura a negociação, mas sempre afirmando que a democracia é inegociável, já havia rendido a Lula e ao seu governo uma alta no apoio popular. Se é exagerado afirmar que o sentimento puramente antiimperialista alcançou maioria, é verdade que o rechaço a ingerência ianque e um sentimento de soberania foram fundamentais para a vitória alcançada pela mobilização.

Venezuela, o alvo central

O país latinoamericano e caribenho mais ameaçado militarmente neste momento é a Venezuela, embora nenhuma nação da região esteja isenta desta potencial ameaça a sua soberania territorial. Venezela e sua revolução bolivariana – enterrada pelo autoritarismo e a política anti popular e obreira do madurismo – tem sido desde sempre uma enorme pedra nos sapatos do imperialismo estadunidense. Agora, os falcões expansionistas de Trump pretendem derrubar Maduro, aproveitando-se da enorme debilidade interna de seu governo, para pôr em seu lugar uma alternativa de extrema direita submissa a Washington[5].

Mas por que ocorre esta mudança na posição dos Estados Unidos se o governo Maduro estava em negociações com eles desde 2018 e lhes voltou a garantir que a Venezuela seja um vendendor seguro de petróleo? Isto tem a ver com o realinhamento global, com a repartição de territórios de influência e relações de poder que está em construção. O governo Trump quer à frente do governo venezuelano um rosto da nova ultradireita fascistóide internacional, que neste caso seria María Corina Machado; não quer instabilidade no reordenamento, senão submissão absoluta neste novo marco. Outra coisa é o que pode conseguir[6].

A questão é que essa mudança de regime na Venezuela não parece poder ocorrer sem uma intervenção direta, em qualquer de suas modalidades, com o consequentes rechaço que isso poderia gerar na opinião pública norteamericana, algo que deve ser colocado na equação. Isto está tornando mais complexa a situação. Por isso, lançam mão do combate militar ao tráfico internacional de drogas: para buscar apoio doméstico a sua política intervencionista [7]. De todos os modos, a forma como manejam o deslocamento militar sobre as costas venezuelas parece ser não uma atividade de contra informação continuada, senão uma operação de grande escala de captura de datos da população venezuela e regional para medir o efeito do deslocamento e cenários futuros. Trata-se de uma nova fase do uso da tecnologia de ponta para fins de guerra.

A oposição venezuela direitista, liderada por María Corina Machado (MCM) – que abriu de maneira virtual o recente encontro dos patriotas libertários europeus presidido por Meloni – pediu sanções contra Venezuela no passado recente, sem medir os efeitos delas sobre a população humilde. Mas hoje confia que sejam os soldados americanos a destituir o poder de Maduro e a colocá-la no poder. Para eles, ofereceu em bandeja de prata o território nacional e suas riquezas. Por óbvio que Maduro não tem sido o melhor exemplo de nacionalismo nem patriotismo, quando permitiu a extração petroleira por parte de transnacionais gringas em condições neocoloniais jamais conhecidas na história venezuelana. Mas nada

La oposición venezolana derechista, liderada por María Corina Machado (MCM) –quien debutó de manera virtual en el reciente encuentro de los patriotas libertarios europeos presidido por Meloni– ha pedido sanciones contra Venezuela en el pasado reciente, sin medir los efectos de estas sobre la población humilde. Pero hoy confía en que sean los soldados norteamericanos quienes desplacen del poder a Maduro y la coloquen en el poder. Para ello, ha ofrecido en bandeja de plata el territorio nacional y sus riquezas. Por supuesto que Maduro no ha sido el mejor ejemplo de nacionalismo ni patriotismo, cuando ha permitido la extracción petrolera por parte de trasnacionales gringas en condiciones neocoloniales no conocidas en la historia patria. Mas nada disso justifica a convocação para macular o solo venezuelano.

Por agora o governo norteamericano parece apontar a um desgaste do governo de Maduro, apostando no surgimento de fissuras internas e deslocamento do poder por parte de militares, algo que fraturaria a unidade interna do madurismo e abriria a posssibilidade de um cenário à la Grenada, atualizado com os avanços tecnológicos do momento. A pergunta é: o que farão se não ocorre uma fratura no poder interno?

Um eventual governo de María Corina Machado e Edmundo González pós intervenção militar norteamericana, com suas políticas abertamente anti trabalhadores e os remanescentes da oposição chavista disputando espaços, faria impossível a governabilidade. Em consequência, o objetivo real dos Estados Unidos parece ser a ascensão de uma ditadura militar na Venezuela com o asessoramento direto da sua parte, incluindo a instalação de bases militares no país. Isto consolidaria seus propósitos regionais dentro do reordenamento global.

Erra terrivelmente o governo Maduro quando apela a supostas diferenças entre Marco Rubio e Trump, assumindo o papel de conselheiro protetor do inquilino da Casa Branca. O que ocorre no Caribe e na Venezuela é uma política imperial, não um mal momento da política norteamericana.

Por outro lado, o desgaste social na Venezuela é tão terrível, que a possibilidade de um ataque estrangeiro não desperou a reação espera por parte da população. O governo de Maduro ativou as milícias e o aparato político do PSUV, mas com alcance muito menor do que difundem. A única maneira de despertar uma grande frente nacional de rechaço a intervenção norteamericana passaria por deixar para trás seu pacote e medidas aplicadas especialmente a partir de 2018, com uma recomposição significativa de salário, devolução dos partidos de esquerda aos seus legítimos dirigentes e militantes, anistia geral aos presos políticos e movimento social, redirecionando a riqueza ncional para recuperação da segurança social e vida material do povo. Só dando cinco passos para trás o governo Maduro poderia gerar uma mudança catastrófica na situação atual, mas isso implicaria romper com o programa da nova burguesia constituída sob o rentismo petroleiro nos últimos vinte anos.

O povo venezuela é quem mais têm sofrido durante estes 10 anos de regressão e assimilação aos interesses do capital por parte do governo Maduro. Milhões de venezuelanos tiveram que sair me busca de sobrevivência fora das fronteiras de seu país, enquanto os que ficaram vivem o drama da perda de segurança social, a inexistência salarial e o temor de opinar porque podem ser presos. O povo já sofreu demasiadamente para ter que enfrentar as consequência de uma operação militar de grande escala. As bombas, em sua maioria, vão cair sobre as cabeças da gente humilde. Qualquer medida que evite esta crise deve ser bem-vinda.

Publicado em VientoSur. Tradução: Júlio Pontes.

[1]“Trump Directs Military to Target Foreign Drug Cartels”, New York Times, 08/08/2025. https://www.nytimes.com/2025/08/08/us/trump-military-drug-cartels.html

[2]“Mexico’s President Struggles to Escape Trump’s Growing Demands”, New York Times, 30/08/2025.https://www.nytimes.com/2025/08/30/world/americas/mexico-us-trump-sheinbaum.html

[3]De la carta de Trump a Lula, de 9/7/2025, anunciando los aranceles: «Conocí y traté con el expresidente Jair Bolsonaro, y lo respeté mucho, al igual que la mayoría de los demás líderes de otros países. La forma en que Brasil ha tratado al expresidente Bolsonaro, un líder muy respetado en todo el mundo durante su mandato, incluso por Estados Unidos, es una vergüenza internacional. Este juicio no debería estar teniendo lugar. ¡Es una caza de brujas que debe terminar INMEDIATAMENTE! En parte debido a los insidiosos ataques de Brasil contra las elecciones libres y a la violación fundamental de la libertad de expresión de los estadounidenses (como lo ha demostrado recientemente la Suprema Corte Federal de Brasil, que ha emitido cientos de órdenes de censura SECRETAS e ILEGALES a las plataformas de redes sociales de EE. UU., amenazándolas con multas de millones de dólares y la expulsión del mercado brasileño de redes sociales), a partir del 1 de agosto de 2025, cobraremos a Brasil un arancel del 50 % sobre todas y cada una de las exportaciones brasileñas enviadas a Estados Unidos, aparte de todos los aranceles sectoriales existentes. Las mercancías transbordadas para intentar eludir este arancel del 50 % estarán sujetas a este arancel más elevado.

[4]“Atos contra anistia e PEC da Blindagem reúnem multidões pelo Brasil,”, BBC Brasil, 22/9/2025, https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20epdl1v26o

[5] A este respecto, vale leer el análisis de ian Bremmer, del Euroasia Group, Is the US about to invade Venezuela?, in GZero, 3/09/2025. https://www.gzeromedia.com/news/analysis/is-the-us-about-to-invade-venezuela

[6]“EUA vão invadir a Venezuela? Trump faz pergunta não parecer absurda”, coluna de Sylvia Colombo na Folha de S.Paulo,4/9/2025. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/09/eua-vao-invadir-a-venezuela-trump-faz-pergunta-nao-parecer-absurda.shtml

[7]“EUA preparam opções de ataques contra alvos dentro da Venezuela, diz TV”,https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/09/eua-preparam-opcoes-de-ataques-contra-alvos-dentro-da-venezuela-diz-tv.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsfolha


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