COP 30 – fracasso ou avanço?
O maior risco para a cúpula do clima na Amazônia não é o fracasso declarado, mas transformar-se em um evento elitista e sem avanços, onde o simbolismo da floresta seja ofuscado pela ironia da exclusão e da inação
Foto: Belém do Pará. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
1.
A sobrevivência da humanidade no planeta está ameaçada pela crise das mudanças climáticas e seus eventos climáticos extremos. Os combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) e o desmatamento são os dois grandes vilões da crise climática.
A partir da Conferência Rio-92, as Nações Unidas vêm realizando Conferências para discutir soluções para o problema das mudanças climáticas, as chamadas COPs. Até agora, entretanto, o que se viu nas 29 COPs anteriores foram muitas discussões e poucos avanços. Um marco histórico foi a Conferência de Paris que aprovou um Acordo para limitar o aquecimento da Terra a 1,5º C.
As COPs anteriores fracassaram em alcançar esse objetivo e os Relatórios Nacionais até agora apresentados pelos países para a COP 30, chamados Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), estão longe de impedir que o aquecimento ultrapasse 1,5º C. As duas principais causas das mudanças climáticas, combustíveis fósseis e desmatamento, não foram devidamente enfrentadas nas COPs anteriores, e tudo indica que não o serão na COP 30. A forte presença nas delegações nacionais de lobistas das empresas de petróleo impede que o documento final venha a propor redução do uso dos combustíveis fósseis para enfrentar a crise climática. As COPs têm permitido uma absurda ingerência dos lobbies da indústria de combustíveis fósseis, a principal responsável pela desestabilização do sistema climático. A COP 29, por exemplo, contou com a presença de ao menos 1.773 representantes do lobby fóssil. O número supera as delegações dos países mais afetados pela crise do clima. E os defensores do agronegócio evitam associar o desmatamento a atividades da agropecuária, o grande vilão do desmatamento.
As decisões nas COPs são tomadas por consenso e teoricamente obrigam os países signatários. Essas decisões estão sempre muito aquém da necessidade real de enfrentar os eventos climáticos extremos que se tornam cada vez mais frequentes. Além disso, as decisões da COP não costumam ser cumpridas pelos países signatários em sua integridade, para dizer o mínimo. Desta vez, a situação se tornou mais difícil depois que o presidente dos EUA retirou seu país do Acordo do Clima da Conferência de Paris de 2015 e nomeou negacionistas climáticos para cuidarem dos órgãos de proteção ambiental nos EUA.
2.
Lembremos que a COP29 aprovou US$ 300 bilhões anuais para financiamento climático. Essa quantia está muito longe do US$ 1,3 trilhão por ano proposto pelas nações em desenvolvimento, com base em valor estimado pela ONU. O valor de 300 bilhões de dólares foi considerado incompatível com a meta de manter os objetivos do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C. Sem financiamento adequado, os cortes de emissões de carbono serão insuficientes
A COP 30 tem um grande valor simbólico por ser a primeira conferência do clima realizada na Amazônia. Mas o preço abusivo dos alojamentos cobrado pelos hotéis e residências em Belém está dificultando muito a presença dos países pobres. Muitos ainda não confirmaram presença. Além disso, o Ministério Público Federal afirmou que o sistema de saúde de Belém não está preparado para atender ao aumento da demanda nas semanas da COP 30.
Assim, a COP 30 está ameaçada de ser acusada de se transformar na COP dos países mais ricos. O Governo até agora recusou a proposta de realizar a COP em duas cidades, Belém e uma outra, o que poderia resolver o problema. Afinal, uma COP é uma conferência global, o local da reunião não tem nenhuma influência nas decisões a serem ou não tomadas. Realizar na Amazônia é simbólico, mas o preço a pagar, se muitos países pobres não vierem, é alto demais mesmo se enviarem pequenas delegações para enfrentar os poderosos lobbies do petróleo integrantes das delegações nacionais dos países ricos.
Assim, a possibilidade de êxito da COP 30 esbarra em dois grandes desafios:
1 – o altíssimo custo de hospedagem e transporte, que dificulta a participação de delegações de países pobres, e
2 – o atraso generalizado na entrega dos novos relatórios nacionais de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que deveriam indicar o grau de compromisso de cada país na redução das emissões de gases de efeito estufa.
A infraestrutura hoteleira limitada, combinada com o aumento expressivo da demanda, fez disparar os preços das diárias em hotéis e pousadas, inviabilizando a presença de representantes de países africanos, insulares e latino-americanos de menor renda. A COP corre o risco de se transformar em um evento restrito às nações ricas e às grandes corporações, excluindo ou enfraquecendo justamente os países que mais sofrem os efeitos das mudanças climáticas. São os países vulneráveis os que mais demandam mecanismos de financiamento climático, compensações por perdas e danos e transferência de tecnologia. Sem sua presença ativa e organizada, o debate perde legitimidade e corre o risco de ser dominado pelos interesses das grandes potências e do setor privado. O fracasso, neste aspecto, não seria apenas logístico, mas ético e político.
Por outro lado, causa grande preocupação o atraso na apresentação das NDCs, que deveriam ser atualizadas antes da COP 30, conforme os compromissos do Acordo de Paris. Essas metas nacionais indicam a redução de emissões proposta por cada país e a política a ser implementada para alcançar a neutralidade de carbono. No entanto, até o momento, muitos países — inclusive alguns dos maiores emissores — ainda não apresentaram seus relatórios revisados. A ausência de metas claras e elevadas enfraquece a pressão global por ação imediata, podendo resultar em um texto final da COP com pouca substância e impacto para reduzir o aquecimento global.
3.
Se esses problemas persistirem, a COP 30 corre, de fato, o risco de ser considerada um fracasso. O evento poderia se limitar a um grande encontro midiático, sem avanços concretos na redução de emissões nem no financiamento para adaptação dos países mais pobres. A COP 30 foi pensada como uma oportunidade única para o Brasil se afirmar como liderança ambiental e diplomática do Sul global. Mas, se a Conferência se transformar em um evento elitizado, esvaziado de representatividade e sem avanços nas metas climáticas, o simbolismo de realizá-la na Amazônia pode se converter em ironia histórica.
A COP 30 não está condenada ao fracasso, mas enfrenta riscos claros. Pode ser um fracasso logístico e de inclusão, se as dificuldades de Belém impedirem a participação de delegações essenciais, especialmente as dos países mais pobres. Pode ser um fracasso de ambição, se a falta de novas e robustas NDCs e a ausência de compromissos financeiros concretos, especialmente sobre o Fundo de Perdas e Danos e o financiamento climático, resultarem em um acordo final insatisfatório para a crise climática. Na realidade, os grandes países poluidores estão dando sinais de recuo em relação aos compromissos assumidos no Acordo de Paris. O caso mais grave é, evidentemente, o dos EUA sob Trump, mas outros países poluidores estão recuando de compromissos anteriormente assumidos.
O jornalista Mauricio Thus, em matéria na Carta Capital, lembra que até 8 de outubro apenas 62 países entregaram suas metas climáticas, e eles respondem por apenas 30% das emissões globais. O jornalista destaca ainda o desinteresse pela agenda climática por parte de atores importantes como a União Europeia, o Japão e parceiros do Brasil no BRICS como a Rússia e a Índia. No Brasil, por exemplo, além da resistência do agronegócio em reduzir o desmatamento causado pela agropecuária – de que é um bom exemplo o PL da Devastação que estraçalhou o licenciamento ambiental – temos, para breve, a anunciada aprovação final, pelo IBAMA, da exploração de petróleo na Margem Equatorial da foz do Amazonas. Não é possível ser liderança ambiental global e ao mesmo tempo aumentar a exploração de petróleo.
Assim, superar o risco de fracasso exigirá não apenas a resolução dos problemas logísticos de Belém (garantindo a inclusão de todos, independentemente do poder aquisitivo), mas, acima de tudo, uma intensa pressão diplomática para que os países apresentem metas climáticas ambiciosas e se comprometam com o financiamento necessário para alcançar a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5º C.
Para isso, será necessário, a curto prazo, tomar medidas imediatas em favor da transição energética a fim de reduzir as emissões de GEE e abrandar os graves efeitos da crise climática. Mas isso levará a conflitos com implicações geopolíticas por afetar a base econômica do poder do Mercado e dos Estados.
4.
De qualquer forma, a transição energética, por si só, tampouco será suficiente. A ganância em busca do lucro no sistema capitalista tem prevalecido sobre o instinto de sobrevivência da espécie humana no planeta. A humanidade já conheceu diversas extinções de espécies. Segundo os cientistas, estamos caminhando para mais uma. Os indícios do colapso da nossa civilização já são visíveis no horizonte. E se houver, como pensam alguns, uma nova guerra mundial, esse processo será acelerado.
Estamos diante de uma crise de civilização que vai exigir um novo modo de vida e de produção. Ou seja, uma profunda transformação ecológica para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta. É de se esperar, embora sem muita convicção, que a COP 30 dê um passo nessa direção.