Genocídio como política
Cláudio Castro e o projeto de segurança que transforma favelas em campos de batalha
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Governador do Rio de Janeiro desde 2021, Cláudio Castro (PL) consolidou-se como uma das principais lideranças da extrema direita no país, defendendo uma política de segurança marcada pelo confronto e pela militarização das favelas. Advogado e músico católico, Castro foi eleito vice de Wilson Witzel em 2018 e assumiu o comando do estado após o impeachment do titular. Reeleito em 2022 com apoio de Jair Bolsonaro, manteve o discurso da “tolerância zero” com o crime e o enfrentamento armado como principal resposta à crise de segurança pública fluminense.
Sob seu governo, o Rio de Janeiro voltou a registrar índices alarmantes de letalidade policial. Organizações de direitos humanos contabilizam dezenas de chacinas em favelas nos últimos anos, somando centenas de mortos. Segundo levantamento da RioOnWatch, entre 2022 e 2023 foram pelo menos 39 operações com 178 mortes em apenas 15 meses – quase todas em comunidades pobres e majoritariamente negras.
A gestão de Castro aposta em grandes operações, com tanques e helicópteros, para ocupar territórios controlados por facções. Em outubro de 2025, a polícia realizou o que o governador chamou de “a maior operação da história” contra o Comando Vermelho, nas comunidades da Penha e do Alemão. O saldo: 64 mortos e 81 presos. Entidades de direitos humanos e moradores denunciaram execuções, invasões de casas e desaparecimentos.
Para os críticos, trata-se de uma política de guerra travada contra a população periférica.
“A política de segurança expõe os moradores à morte e nos tira todos os direitos”, relatou um morador à RioOnWatch.
Recompensas por mortes e críticas de especialistas
A gestão Castro reacendeu também o debate sobre bonificações para policiais que “neutralizem criminosos” ou apreendam armas de alto calibre. A medida, considerada por especialistas uma forma de estímulo à letalidade, foi criticada por organismos internacionais e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Ainda assim, Castro tem reiterado que as forças de segurança do estado “lutam sozinhas” e culpa o governo federal pela falta de apoio. O Ministério da Justiça, no entanto, afirma que todas as solicitações de reforço e equipamentos foram atendidas – e acusa o governador de usar o tema de forma eleitoral.
Direitos e cidadania sob cerco
A política de segurança do governo fluminense é amplamente criticada por movimentos sociais, defensores públicos e especialistas em segurança cidadã. A crítica central é que o governo investe em confronto, mas negligencia políticas sociais capazes de enfrentar as causas estruturais da violência – como educação, habitação e oportunidades para a juventude.
“A segurança pública no Rio foi reduzida a uma questão de eliminação do inimigo”, resume um relatório da Justiça Global. Para as organizações de direitos humanos, a estratégia de Castro reforça a segregação racial e territorial que historicamente marca a relação entre o Estado e as favelas.
Um estado sob militarização
Cláudio Castro faz parte de uma geração de políticos que transformaram a pauta da segurança em plataforma eleitoral. A retórica da guerra às drogas, o apoio a ações policiais de alto impacto e a criminalização dos territórios populares consolidaram sua imagem junto ao eleitorado conservador.
Do ponto de vista das esquerdas, porém, sua política representa o aprofundamento de um modelo falido: um Estado que, em nome da segurança, produz mais insegurança, e que escolhe como inimigo justamente quem mais precisa de proteção.
Base eleitoral e alinhamento com o bolsonarismo
A política de segurança de Cláudio Castro é também uma estratégia política. Ao adotar o discurso da “guerra ao crime” e defender operações letais como símbolo de autoridade, o governador consolida sua base entre setores conservadores e entre as corporações policiais. Essa narrativa o mantém como uma das figuras mais influentes do campo bolsonarista, mesmo após o fim do governo de Jair Bolsonaro.
Castro explora o medo e a sensação de insegurança da população fluminense como capital político, apresentando-se como o “governador da ordem”. Em eventos públicos e nas redes sociais, costuma exaltar o trabalho das forças de segurança e acusar críticos de “defender bandidos”. Esse discurso polarizador se tornou marca de sua gestão e reforça a divisão entre o “cidadão de bem” e o “inimigo interno” – uma retórica que encontra eco em parte expressiva do eleitorado do Rio de Janeiro.
Para analistas de esquerda, a manutenção dessa lógica eleitoral impede o debate de soluções estruturais para a violência. Enquanto o governo investe bilhões em blindados e armamentos, programas de prevenção, educação e geração de renda nas favelas seguem com orçamento reduzido. “É a reprodução de um projeto autoritário de poder, que transforma a segurança pública em palco de guerra e as vidas periféricas em dano colateral”, resume um pesquisador do Observatório das Favelas.
Em um estado onde a desigualdade e a violência caminham juntas há décadas, o governo de Cláudio Castro simboliza, para seus críticos, a escolha de manter a bala como política de Estado – e a morte como estatística.