Segurança de fachada para agenda autoritária
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Segurança de fachada para agenda autoritária

Governadores alinhados à direita anunciam “consórcio da paz” contra o crime, mas dados e contexto apontam para espetáculo político e ataque aos direitos

Tatiana Py Dutra 31 out 2025, 17:37

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Dois dias após a mais letal operação policial da história do país, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), anunciou a criação de um autoproclamado “consórcio da paz” com governadores do Sul, Sudeste e Centro-Oeste – incluindo Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União-GO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Riedel (PP-MS), entre outros. A iniciativa, apresentada no Palácio Guanabara, sedia no Rio e propõe o compartilhamento de inteligência, equipamentos, efetivos e apoio financeiro entre os estados para “combater o crime organizado”.

Mas há algo profundamente bizarro – e politicamente revelador – neste consórcio: ele surge em meio a explosão da violência no próprio Rio de Janeiro, enquanto serve de palco para críticas ao governo federal, à PEC da Segurança Pública e à autonomia dos estados, e posiciona-se como símbolo de escalada “dura” da segurança pública, pautada mais em espetáculo do que em política eficaz.

Violência em disparada no Rio

Embora o Brasil como um todo tenha registrado queda na taxa de homicídios (21,2 por 100 mil habitantes em 2023) e histórico de 45.747 homicídios em 2023 – o nível mais baixo da série histórica em 11 anos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – o estado do Rio de Janeiro vai na contramão. Em 2023, foram 4.292 homicídios, contra 3.762 em 2022, um aumento de cerca de 14,1 %. A taxa no estado subiu 13,6%, enquanto o país registrou queda de 2,3%.

Ainda mais: nos primeiros meses de 2025, o estado registrou crescimento de 3,1% nos homicídios dolosos e alta de 34,4% nas mortes por intervenção policial – com a capital +55,8% nesta última métrica. Vítimas de bala perdida cresceram 58% no estado nos primeiros 75 dias de 2025 em relação ao mesmo período de 2024.

E tudo isso sem contabilizar as vítimas do massacre desta semana, quando a polícia de Castro conduziu a operação policial mais letal da história do país, que matou 121 pessoas, segundo o governo fluminense – ou 132, de acordo com a Defensoria Pública.

Esses dados evidenciam que, enquanto se propõe um “consórcio de paz”, o Rio enfrenta uma crise letal – e o discurso de aliança entre estados da direita parece mais elemento de marketing e demonstração de força do que intervenção estruturada em raízes sociais e de justiça.

Motivações reais e contradições do “consórcio”

  1. Polarização política e espetáculo midiático
    O anúncio se deu logo após a operação policial mais mortífera da história do Brasil – e foi acompanhado por críticas explícitas ao governo federal e à PEC da Segurança Pública. Caiado, por exemplo, associou o avanço do crime organizado ao julgamento da ADPF das Favelas pelo Supremo Tribunal Federal, e acusou a União de “retirar poder dos estados”. Isso revela que o “consórcio” atua tanto como palco de disputa entre poderes quanto como instrumento de validação de linha dura.
  2. Autonomia estadual e confronto com a União
    Castro afirmou que o consórcio defende a “autonomia dos estados” e criticou normas federais que regulam o uso da força policial. Ou seja: a aliança se apresenta como resistência institucional frente à regulação federal – desenhando um modelo que valoriza a “lei do estado forte” com menos controle externo.
  3. Enxurrada de recursos e armas em vez de políticas de base
    Embora o projeto prometa compartilhamento de efetivos, inteligência e equipamentos, não há sinais de investimento proporcional em políticas de prevenção, redução de desigualdades ou participação popular. Em um estado onde as operações policiais já registram crescimento explosivo de letalidade, o “consórcio” amplia o modelo repressivo já existente.
  4. Instrumentalização de tragédias para agenda ideológica
    O consórcio se beneficia da comoção provocada por operações extremas para consolidar narrativa de “guerra contra o crime”. A tragédia que se repete nas favelas – alta letalidade, danos colaterais, fôlego midiático – é convertida em argumento para mais intervenção repressiva, menos política social, e fortalecimento de gestões de direita alinhadas ao “segurança pública como espetáculo”.

Por que isso importa?

Porque não se trata apenas de alinhamento técnico entre estados – trata-se de desenho político-ideológico que redefine segurança pública: mais armas, mais operações, menos direitos. Em um estado que apresenta aumento de homicídios e mortes por intervenção policial, a promessa de um “consórcio da paz” soa como contradição flagrante: paz sem justiça, sem demarcação de território social, sem controle de letalidade.

Além disso, a iniciativa reforça o mito de que a única resposta ao crime organizado é a força bruta e a militarização, ignorando os determinantes sociais da violência. Aplica-se uma visão que foi largamente criticada por especialistas em segurança pública e direitos humanos – e que se mostra, nos números do Rio, ineficaz e mortal.

O “consórcio da paz” anunciado por governadores de direita mais parece um consórcio de espetáculo, mobilizado para reafirmar um projeto político de segurança dura, autonomista e centralizado na repressão. Enquanto isso, o Rio de Janeiro amarga recordes de homicídios e mortes em operações policiais. Sem políticas estruturais, sem incorporar direitos e justiça social, essa aliança funciona como cortina de fumaça – que converte a tragédia dos corpos negros e periféricos em trincheira simbólica da direita.


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