TFFF: falsa solução para as florestas tropicais
O TFFF faz parte da lógica do capitalismo verde, que propõe valorar monetariamente os serviços ecossistêmicos para supostamente conservá-los e evitar sua deterioração e perda
O governo brasileiro lança nesta 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém do Pará, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF). Trata-se de uma iniciativa que reúne os países com maior número de florestas tropicais, e que foi apresentada na cúpula do G20, na Indonésia, em 2022. Na ocasião, foi anunciado um acordo entre Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo, que juntos detêm mais da metade das florestas tropicais do mundo.
A ideia desse mecanismo foi concebida há mais de 15 anos por Kenneth Lay, quando ele atuava como executivo sênior no Banco Mundial. Em 2018, o Centro para o Desenvolvimento Global circulou a proposta, que terminou sendo acolhida pelo Brasil e apresentada na COP 28 de Dubai, em 2023. Desde então, uma equipe composta pelo governo brasileiro, o Banco Mundial, a Lion’s Head Global Partners e outros vem trabalhando em uma proposta, que estabelece um Comitê Diretor Interino, composto por seis países com florestas tropicais (Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia) e cinco potenciais patrocinadores do TFFF (França, Alemanha, Noruega, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido).
De acordo com a nota conceitual do TFFF de 5 de julho de 2024: “ao valorar as florestas tropicais em pé e restauradas, o mecanismo (do TFFF) ajudará a solucionar uma falha de mercado atual, ao dar valor aos serviços ecossistêmicos que essas florestas fornecem, incluindo sequestro de carbono, gestão da água, preservação da biodiversidade, proteção do solo, ciclagem de nutrientes, regulação climática continental e global e resiliência climática. A correção dessas falhas de mercado reduzirá a pobreza e promoverá o desenvolvimento econômico, tanto em países com florestas quanto globalmente”.
O TFFF faz parte da lógica do capitalismo verde, que propõe valorar monetariamente os serviços ecossistêmicos para supostamente conservá-los e evitar sua deterioração e perda. De acordo com esse conceito, o que é gratuito não é cuidado, então se um serviço ecossistêmico tem um preço, ele pode atrair capital buscando lucrar com a manutenção desse serviço.Enquanto, madeira, frutos e raízes são comercializadas através de preços que dependem do tipo e das características da árvore,os serviços ecossistêmicos dizem respeito a aspectos intangíveis do vegetal – a exemplo da capacidade de uma árvore de produzir oxigênio, armazenar carbono, liberar vapor de água na atmosfera, fornecer abrigo para vários animais e insetos, controlar a erosão, fornecer sombra e executar outras funções ambientais.
Para o capitalismo verde, que frequentemente adota o termo “economia verde”, a crise climática não é um produto da lógica de acumulação de lucro, mas sim o resultado de uma falha do mercado capitalista, que não conseguiu atribuir um valor monetário a esses serviços ambientais para atrair investimentos de capital. O TFFF sugere que essa falha de mercado poderia ser corrigida, pagando US$ 4 por hectare de floresta em pé. No entanto, o valor proposto é o resultado de uma estimativa do retorno potencial de um fundo de investimento multilateral, e não de uma tentativa, mesmo que fracassada e impossível, de atribuir um valor aos serviços ecossistêmicos florestais. Gerar esses US$ 4 bilhões exige levantar e investir US$ 125 bilhões.
O TFFF operaria na mesma lógica dos bancos: tomando emprestado dinheiro a uma taxa de juros baixa, e depois emprestando-o a taxas de juros mais altas com o objetivo de obter lucro. O Fundo emprestaria para si US$ 125 bilhões a uma taxa de juros anual de 4,4% (ou 4,9% na segunda versão da proposta) e faria vários investimentos para obter um retorno médio de 7,5% (ou 7,6% na Versão 2), o que lhe renderia um lucro de 3,1% (2,7% na Versão 2) sobre seu capital, que seria então distribuído entre os países com florestas tropicais.
Alternativas a partir da natureza e das pessoas
Apesar das aparências sedutoras, a proposta é uma falsa solução, pois não reconhece as florestas tropicais como sujeitos de direitos, e sim como provedoras de serviços ecossistêmicos suscetíveis à mercantilização por meio de instrumentos bancários. Para salvar as florestas tropicais, é essencial reconhecer que não estamos diante de uma falha de mercado, mas sim de sistemas de vida que têm o direito de viver, de preservar seus ciclos de vida e sua capacidade de regeneração, de não serem destruídos ou poluídos, de manter sua integridade e diversidade, e de exigir reparação e restauração oportunas daqueles que contribuíram e continuam a contribuir para sua destruição. As árvores não podem ser acionistas, como absurdamente alegam os colunistas que promovem o TFFF.
As florestas são comunidades complexas e dinâmicas onde árvores, plantas, animais, microrganismos e comunidades humanas interagem. Para preservar esses meios de subsistência, é necessário fortalecer as soluções reais que já estão sendo desenvolvidas por territórios indígenas, camponeses, quilombolas e demais comunidades tradicionais e organizações de base. Esses são os atores que devem estar no centro da governança e os principais beneficiários de qualquer mecanismo de financiamento que realmente vise contribuir para a preservação das florestas tropicais.
Não podemos recompensar governos nacionais por hectares de floresta em pé, sem exigir que eles tomem medidas decisivas para limitar e reverter a expansão irracional das plantações de monoculturas, coibir a pecuária insustentável, a mineração, a extração de combustíveis fósseis, as mega-infraestruturas, o turismo de massa, os mercados de carbono e o tráfico de animais. É uma grande ilusão acreditar que alocar um pagamento por hectare resolverá esses problemas estruturais do capitalismo, que são impulsionados principalmente pelo capital privado e pelas empresas, bem como pelos Estados nacionais.
É fundamental, portanto, que se promovam regulamentações nacionais em países com florestas tropicais para proibir a exportação de produtos que contribuem para o desmatamento e fornecer incentivos para produtos agroecológicos, que contribuam para o bem-estar e a restauração das florestas. Qualquer mecanismo de financiamento deve também estabelecer claramente sanções para estados que perseguem ou toleram ataques e assassinatos contra defensores da natureza e dos povos indígenas.
A sobrevivência das florestas tropicais nunca será garantida por meio de falsas soluções que buscam gerar receita para governos nacionais e lucros para investidores privados. É necessário resolver a crise que esses meios de subsistência enfrentam e não permitir que os debates sobre o “Roteiro de Baku a Belém” nos destraiam de desafios concretos como evitar que incêndios devastem as florestas tropicais novamente este ano.
O destino das florestas tropicais não depende das negociações da COP 30 — que, como suas antecessoras, é cooptada por interesses corporativos —, mas sim do que nós, como movimentos sociais, sociedade civil, comunidades locais, povos indígenas e quilombolas, fizermos para construir e multiplicar territórios livres de incêndios, desmatamento e violência contra esses sistemas de vida.