Professoras e professores enfrentam farsa da aprovação automática no RJ
Educação estadual se levanta contra a manobra de Cláudio Castro para maquiar indicadores, enquanto docentes denunciam precarização, falta de investimento e ataque à juventude negra e pobre
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Mesmo sob forte temporal, a sede da ABI ficou pequena para a plenária convocada pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do estado do Rio de Janeiro (Sepe-RJ0, na terça-feira (2). Movimentos sociais, sindicatos, parlamentares e educadoras do estado lotaram o auditório para denunciar a resolução da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc), de 19 de novembro, que instituiu a aprovação automática nas escolas estaduais a partir de um decreto do governador Cláudio Castro, editado apenas dois dias antes.
A mensagem central do encontro foi clara: a educação pública fluminense não aceitará uma política que sacrifica o aprendizado para inflar artificialmente números às vésperas das eleições de 2026.
“É fraude pedagógica”: professores reagem ao projeto de Cláudio Castro
O manifesto lançado pelo Sepe e lido na abertura do evento aponta que Castro tenta “maquiar o fracasso do Rio no Ideb empurrando a aprovação automática goela abaixo: o aluno passa devendo até 6 matérias!”. Segundo o texto, trata-se de “uma fraude pedagógica que ataca diretamente a juventude negra e pobre”, ao tratar a reprovação como tabu e transformar a progressão em simples mecanismo estatístico.
A crítica não é nova: educadores afirmam que, sem investimento, estrutura e condições de trabalho, a aprovação automática significa menos aprendizagem, mais desigualdade e um profundo desrespeito ao ofício docente.
“Avançar, sim. Mas com critério”, diz o deputado Professor Josemar
Presente ao ato, o deputado estadual Professor Josemar (PSOL) foi direto ao denunciar o caráter meramente eleitoral da medida:
“A Seeduc coloca a chamada progressão automática que permite que alunos sejam aprovados com até seis disciplinas em atraso. Nós queremos que os alunos avancem, mas que avancem dentro de critérios e não da desqualificação educacional para atender a números mascarados, que escondem a falta de estrutura da educação fluminense.”
O parlamentar lembrou que não defende a reprovação como solução fácil – mas tampouco aceita que o governo elimine qualquer parâmetro pedagógico para atingir metas estatísticas de aprovação. Para ele, a política de Castro representa “irresponsabilidade”:
“A educação carioca e fluminense não precisa desse tipo de mecanismo. Precisamos de investimento, de escola em horário integral, do pagamento do Piso Nacional, de democracia escolar com eleição de diretores, de merenda de qualidade, de creches equipadas, de inclusão e de currículos que integrem debate racial, de gênero e de opressões.”
O interesse do governo: inflar indicadores, não melhorar a educação
Segundo o Sepe, a resolução atende exclusivamente ao projeto político de Cláudio Castro: elevar artificialmente a taxa de aprovação para elevar o IDEB. A coordenação do sindicato lembrou que o governo está “inteiro mobilizado” para bater a meta de 95% de aprovação, ignorando que a qualidade não melhora por decreto.
E o problema é real. Dados oficiais do Ideb mostram que o Rio de Janeiro amarga estagnação e queda nos últimos anos:
- No Ensino Médio, o estado registrou Ideb 3,7 em 2021, abaixo da meta projetada (4,6) e abaixo da média nacional (3,9).
- Nos anos finais do Ensino Fundamental, o Ideb fluminense caiu de 4,6 (2019) para 4,5 (2021).
Os indicadores revelam justamente aquilo que os educadores repetem há anos: há déficit de infraestrutura, falta de professores, evasão crescente e condições precárias de ensino. A aprovação automática não resolve nada disso – apenas esconde os sintomas.
Mobilização cresce e sociedade é convocada para a luta
A plenária lançou o “Manifesto por novos horizontes nas escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro”, disponível no site do Sepe, e anunciou que o documento será entregue ao governo nesta quinta-feira (4), às 14h, no ato em frente ao Palácio Guanabara.
O sindicato afirmou que denunciará a resolução ao Ministério Público e ao Conselho do Fundeb, destacando que se trata de uma violação profunda do direito à educação.
Diversas entidades, além de mandatos parlamentares, participaram do encontro. Movimentos sociais reforçaram que a medida se insere em um projeto mais amplo de desmonte, que envolve pejotização, arrocho salarial, ausência de reposição e restrições crescentes às condições de trabalho.
Educação não se faz com decreto
A tentativa de Cláudio Castro de mudar a realidade da educação fluminense com canetadas ignora tudo o que especialistas e professores acumulam há décadas: aprovação automática não melhora o aprendizado, não reduz desigualdades e não corrige a falta de estrutura. Apenas empurra para os ombros dos alunos – em especial os mais pobres – a conta da precarização.
Em contraste, a plenária mostrou o que o estado tem de melhor: professoras, estudantes, sindicatos e movimentos organizados que sabem que educação de qualidade exige investimento, valorização profissional, gestão democrática e compromisso real com o futuro da juventude.
A luta está aberta, e a sociedade fluminense está sendo convocada a se posicionar. Como destacou o manifesto lido no encontro:
“Precisamos sim de qualidade real. Precisamos sim de dignidade para professores e alunos. Precisamos sim de futuro, não de maquiagem.”