Shadowban, poder privado e a urgência de construir autonomia comunicacional
A fragilidade estrutural da democracia quando sua circulação de informações depende quase inteiramente de plataformas privadas que operam com critérios próprios, opacos e orientados por interesses comerciais
Os episódios ocorridos em 9 de dezembro de 2025 no plenário da Câmara dos Deputados deveriam preocupar qualquer pessoa que minimamente defenda a democracia brasileira. O deputado Glauber Braga, conhecido por sua postura firme contra esquemas de corrupção e por denunciar ataques contra o povo brasileiro, foi retirado à força da Mesa Diretora enquanto realizava um protesto pacífico. Por ordens do presidente Hugo Motta, Glauber foi retirado à força da cadeira que ocupava. A transmissão institucional da TV Câmara foi interrompida exatamente no momento em que o deputado Glauber era arrastado brutalmente, assim como as deputadas Sâmia Bomfim e Célia Xakriabá. Ao mesmo tempo, jornalistas eram expulsos do plenário e impedidos de registrar a violência.
A gravidade das cenas foi acompanhada de um movimento ainda mais preocupante: perfis de parlamentares do PSOL passaram a não aparecer na busca do Instagram, justamente quando a população buscava informações diretas sobre os acontecimentos nas redes sociais. De repente, a voz de quem denunciava um abuso institucional era tornada menos visível.
Trata-se de um sintoma inegável de um problema mais profundo: a fragilidade estrutural da democracia quando sua circulação de informações depende quase inteiramente de plataformas privadas que operam com critérios próprios, opacos e orientados por interesses comerciais. É justamente por isso que o caso de Glauber, retirado à força do plenário e imediatamente seguido por sinais de invisibilização digital de parlamentares críticos, deveria ser lido como alerta.
A discussão sobre shadowban não é técnica. É política. Shadowban é um mecanismo de silêncio que não assume seu nome. Nada é derrubado, nada é comunicado, nada é explicado. O usuário continua existindo, mas deixa de ser encontrado. É como se o debate público fosse reorganizado por “mãos invisíveis”, e toda dissidência pudesse ser sufocada sem deixar rastros. No instante em que isso se aplica a pessoas eleitas, que têm o dever de prestar contas à sociedade e o direito de serem ouvidas, entramos em um território perigoso demais para ser normalizado.
A Meta, controladora do Instagram e do WhatsApp, é hoje uma das maiores intermediárias de comunicação política do planeta, mas não age como tal. Seu compromisso é com o lucro, e não com o acesso à informação. A transformação do Instagram em uma grande máquina de anúncios não foi um acidente. Foi uma escolha. O mesmo vale para o movimento do WhatsApp de cobrar por listas de transmissão, deslocando uma ferramenta popular de organização comunitária para um modelo comercial em que só alcança quem pode pagar. O resultado é simples: a comunicação orgânica se torna inviável, a comunicação política se torna cara e a democracia passa a operar sob o filtro do poder econômico.
Essa lógica explica porque episódios de apagamento seletivo nunca são aleatórios. Plataformas priorizam estabilidade mercadológica, não tensões políticas. É mais simples reduzir a visibilidade de quem denuncia violência do que arriscar conflitos com grupos econômicos ou anunciantes. E a experiência internacional mostra que o avanço da extrema-direita passa necessariamente pelo domínio do fluxo informacional gerido pelas Big Techs. Não há inocência possível em empresas com esse grau de poder
É nesse contexto que a defesa da regulação se torna essencial. Diversos pesquisadores, coletivos e entidades, como a Coalizão Direitos na Rede, têm insistido, com razão, que a sociedade precisa de regras claras, transparência e mecanismos públicos de responsabilização. Mas, mais do que citar princípios de terceiros, é importante afirmar que essa também é uma posição necessária para quem defende o direito à comunicação como fundamento democrático. O país não pode continuar à mercê de algoritmos que decidem quem aparece, quem se cala e quem se mantém relevante. Se o fluxo informacional é essencial para a democracia, então não pode ficar integralmente nas mãos de empresas cujo único critério é a rentabilidade.
A posição da EVAG é clara. Dependência absoluta das Big Techs é um risco para qualquer ator político comprometido com justiça social e transformação democrática. Movimentos progressistas não podem se sujeitar a um ecossistema em que a circulação de suas ideias está condicionada a decisões obscuras tomadas em escritórios corporativos internacionais. Precisam de autonomia, de canais próprios, de infraestrutura comunicacional que não dependa da oscilação do algoritmo de acordo com as conveniências da vez.
A internet já foi vista como espaço de liberdade e criação coletiva. Mas, na prática, tornou-se um ambiente concentrado, privatizado e hierarquizado, em que quem tem mais recursos compra mais visibilidade e quem desafia estruturas de poder corre o risco de desaparecer silenciosamente. Quando parlamentares como Glauber Braga são punidos no plenário e, logo depois, tornam-se difíceis de encontrar nas redes, o problema deixa de ser simplesmente político ou institucional. Passa a ser civilizatório.
Precisamos disputar a comunicação como campo estratégico. Isso inclui lutar pela regulação das plataformas, construir meios alternativos e fortalecer redes próprias. Quem depende exclusivamente das Big Techs perde a capacidade de falar justamente quando mais precisa ser ouvido. E quem perde a voz em momentos de crise perde também a possibilidade de mobilizar, defender direitos, pressionar instituições e expor arbitrariedades que não encontram espaço nos grandes meios tradicionais.
A democracia brasileira não sobrevive se a opinião pública for mediada por filtros privados que ninguém controla. E não haverá soberania informacional enquanto empresas estrangeiras puderem, com simples ajustes internos, reconfigurar o que é visível e o que é irrelevante. O shadowban aplicado contra parlamentares do PSOL apenas explicita um sistema já em funcionamento. Cabe a nós decidir se continuaremos reféns desse modelo ou se vamos construir alternativas baseadas em autonomia, transparência e compromisso real com o interesse público.
Por fim, reafirmamos nosso mais completo apoio e solidariedade ao deputado Glauber Braga e às deputadas Sâmia Bomfim e Célia Xakriabá, que foram agredidas fisicamente. Nossa solidariedade também aos profissionais da imprensa que tiveram seu trabalho censurado por ordens do deputado Hugo Motta.