Entre a aparência, a essência e a ocultação
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Entre a aparência, a essência e a ocultação

Um debate com Jones Manoel sobre a história e situação atual do movimento comunista brasileiro.

Leandro Fontes 13 abr 2023, 10:39

Foto: Pedro Ribeiro Simões / Flick

Jones Manoel é militante do PCB e Youtuber que atua de modo profissional nas redes sociais promovendo propaganda de esquerda. Não faz muito tempo (30/03/2023) Jones publicou um vídeo com o seguinte tema: “Não existe esquerda reformista no Brasil”. O material teve minha atenção pelo fato de abrir uma reflexão conceitual sobre o caráter político e programático de partidos, organizações e figuras públicas que são classificados ou intitulados de “reformistas”.

O objetivo aparente do vídeo, segundo o autor, é buscar “recalibrar a linguagem e análise política”. De minha parte, me parece que o tema levantado se remete mais para a análise e caracterização das organizações de esquerda, dos governos do PT e de gestões locais comandadas por partidos classificados genericamente de “centro-esquerda”. Contudo, alguns elementos ditos e, principalmente, os não ditos me moveram para descrever a essência da proposta do vídeo referido e registrar de modo crítico o que julgo necessário, uma vez que as opiniões de Jones alcança parte da vanguarda de esquerda, assim como do PSOL.

Jones iniciou sua abordagem apresentando que inicialmente o movimento operário europeu se dividiu a partir da revolução russa. Desse acontecimento histórico, surgiram duas grandes alas, por um lado os bolcheviques (que depois constroem o movimento comunista) que defendiam a revolução como método e um programa radical para liquidar com capitalismo. E os socialdemocratas por outro, que optaram pelo caminho de reformas para mudar a condição de vida dos trabalhadores e do povo.

Nas palavras de Jones, essa divisão entre revolucionários e reformistas fazia sentido no mundo de 1917 até 1980, já que, a grosso modo, existiam três correntes ideológicas com maior destaque internacionalmente: a direita liberal, os comunistas (revolucionários e “as vezes” reformistas) e os socialdemocratas/socialistas (reformistas).

A partir da era do neoliberalismo tal configuração vai mudando, uma vez que os partidos socialdemocratas se tornam neoliberais e os partidos comunistas, mesmo mantendo o nome, mudam de programa ou simplesmente deixam de existir.

Não é à toa que nos anos 80 as organizações de origem stalinista no Brasil, como PCB e o PCdoB, além do MR8, defenderam posições liberais, que resultaram, por exemplo, no apoio a Moreira Franco contra Darcy Ribeiro. Todavia, no mesmo período histórico, surge o PT enquanto partido classista que conservava no seu interior organizações marxistas revolucionárias. Além deste, Jones ainda irá mencionar o lugar do PDT de Brizola e o PSB de Arrais.

Entretanto, a vitória de FHC em 1994 e, consequentemente, a consolidação do projeto neoliberal no brasil, colocou a classe trabalhadora brasileira na defensiva e provocou um “reordenamento” político-ideológico nas organizações de esquerda. É nessa janela que a direção majoritária do PT, comandada por Lula, vai dar um giro para adaptação do partido à ordem burguesa. Segundo Jones, esse período igualmente resultou na morte do brizolismo e na radicalização da degeneração ideológica do PCdoB e do PSB.

De tal maneira, a vitória de Lula em 2002 e “a carta ao povo brasileiro”, apenas consolidou todo um giro ideológico e programático à direita desses setores. Por isso, segundo Jones Manoel, o reformismo enquanto representação político partidário deixa de existir no Brasil. Assim sendo, a esquerda classificada como reformista não é reformista em seu conteúdo.

Para embasar empiricamente sua tese, Jones Manoel indaga: “qual foi a reforma, e não política pública, realizada nos governos Lula e Dilma?” A mesma indagação se estende para o PCdoB, PSB e PDT em casos de governos estaduais. Logo, fica fácil comprovar que em nenhum dos casos não ocorreu reformas ou algo digno de nota que se aproximasse do termo. Portanto, para Jones, a “linguagem” utilizada para definir esses partidos e governos como “reformistas” não faz mais sentido já que na prática são no máximo sociais-liberais.

Quer dizer, o que há atualmente no Brasil é um campo majoritário da esquerda que é, a rigor, social-liberal, que não impulsiona nenhuma reforma, que não impulsiona mobilização e politização da classe trabalhadora. Porém, defendem políticas públicas (que são importantes), como: defesa da participação popular, sem capacidade de decisão; valorização dos direitos humanos e da democracia no sentido jurídico.

Portanto, o que é chamado de “reformista” não é reformista. Não existe paralelo comparativo com governos progressistas latino-americanos que realizaram reformas como nacionalização do petróleo. Nesse sentido, o lulopetismo, o PCdoB, PSB, PDT, estão à direita de Hugo Chávez, Evo Morales, Kirchner, López Obrador, Brizola dos anos 80 e, sobretudo, do pré-Golpe de 64. Mas, Jones segue, emendando que no PSOL há organizações políticas e lideranças que são realmente reformistas. Além disso, há movimentos sociais ao redor do PT que são reformistas. Porém, esses setores são tão minoritários quanto às correntes marxistas revolucionárias.

Para finalizar sua análise, Jones Manoel reitera que a esquerda brasileira é majoritariamente social-liberal e que os reformistas são minoritários, para exemplificar sua tese, Jones afirma que o deputado federal Glauber Braga é um “reformista radicalizado”. E que este compõe a minoria, seja no parlamento, no partido e no “campo progressista” brasileiro. Nas palavras de Jones, estão faltando reformistas como Glauber na câmara dos deputados.

Pois bem, é público e notório que Jones Manoel é um militante e influencer que reivindica o stalinismo, talvez por essa razão o conteúdo do vídeo “Não existe esquerda reformista no Brasil” seja parcial e seletivo. Não que o mesmo não contenha reflexões importantes, como a caracterização que compartilhamos de que o lulopetismo não é reformista, mas, sim, social-liberal e que sempre esteve à direita das experiências progressivas na América Latina como o movimento bolivariano comandando por Chávez. Outros pontos de análise do conteúdo podem ser endossados, aprofundados e criticados.

No entanto, em que pese a diferença de matizes políticas, o que realmente me chamou atenção foi Jones Manoel ocultar a existência de correntes trotskistas no curso da trajetória da luta de classes e não mencionar que no parlamento há representação do campo marxista revolucionário. Não posso falar em nome de parlamentares ou por organização A ou B. Mas, após assistir o vídeo na íntegra, me sinto na obrigação de registrar que na câmara federal (raia demarcada por Jones) estão Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim, deputadas psolistas que compõem o MES, organização trotskista revolucionária. Além disso, outro ponto precisa ficar nítido, o PSOL é um partido de correntes que agrega em seu interior reformistas e revolucionários, com blocos não cristalizados, tendo pelo menos três alas subdividindo os principais debates e a luta política pelos rumos do partido. Portanto, é falso afirmar, sob a análise da atuação de um parlamentar (que respeitamos e temos unidade política), que o “reformismo” é minoria no PSOL sem qualificar tal afirmação, deixando subentendido que o partido tem maioria social-liberal. Não sei se de fato Jones Manoel tem essa caracterização ou se foi apenas um ato falho. Contudo, de um modo ou de outro, não é aceitável a ocultação e a falsificação da história. Já vimos o buraco que esse método nos levou.


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