1° de maio: algo se move
As manifestações de 1° de Maio compõem um quadro mais geral com consequências de médio prazo para toda a esquerda radical e internacionalista no mundo
Foto: Lusa/Reprodução
“Eppur se mouve”. Com essa bela definição de Galileu, podemos saudar as manifestações que tiveram lugar no 1° de maio pelo mundo. Há um elemento novo, a disposição de luta em camadas amplas da classe, que buscam resistir aos planos de ajuste e oferecem iniciativas concretas de luta. Isso numa sociedade cada vez mais mundializada, num mundo onde crescem novas contradições e riscos.
Diferentemente de outros momentos, as concentrações que ocorreram mundo afora são um sintoma da lenta, porém decisiva, retomada das lutas sindicais e operárias no mundo.
Aqui no Brasil, no complexo quadro em que nos encontramos, tomamos parte em diversos atos, como no caso da Praça da Sé, onde setores minoritários da esquerda mantiveram em pé a luta pela independência de classe; ou em Porto Alegre, com a intervenção do PSOL sendo realizada pelos metroviários que lutam contra a privatização.
As manifestações de 1° de Maio compõem um quadro mais geral com consequências de médio prazo para toda a esquerda radical e internacionalista no mundo.
A França no epicentro
Segundo as centrais sindicais, mais de 2 milhões de trabalhadores participaram das marchas do dia dos trabalhadores na França. Foram manifestações em 300 diferentes cidades, na esteira da luta contra a reforma previdenciária de Macron.
Os números foram impressionantes: mais de 500 mil pessoas em Paris, sete vezes mais que a manifestação do ano anterior, configurando a maior concentração do 1° de Maio em décadas.
A raiva das ruas não arrefeceu. Ao contrário. Apesar de certa passividade da “Intersindical”, que convoca atos esparsos, sem um plano de lutas centralizado, o povo francês segue repudiando nas ruas a reforma, a inflação e a piora das condições de vida.
Há uma importante reorganização do movimento sindical; o último congresso da CGT indicou uma inflexão à esquerda, com forte presença das oposições combativas.
Foi expressivo o ato que aconteceu em La Havre, cidade operária. Marine Le Pen organizou um comício na data, nessa cidade, para capitalizar pela direita o descontentamento social. A manifestação do movimento operário unificou-se com os setores antifascistas, reunindo cerca de 7 mil pessoas para protestar contra a extrema direita, que tem uma agenda unificada com o governo para perseguir os imigrantes.
Em toda Europa, o dia foi marcado pelo contexto da retomada das greves. Na Alemanha, foram milhares que foram às ruas seguindo a “onda sindical” que toma conta dos países, com as recentes greves de transporte que paralisaram o país em duas datas. A tradicional manifestação de Atenas também contou com dezenas de milhares, numa situação em que o país volta a ter grande efervescência popular nas ruas. A presença de greves ocorre no Reino Unido e em outros países, apontando que a Europa segue o caminho da França, onde a mobilização tem aparecido no centro da cena política. Se registraram centenas de marchas na Espanha, Portugal, Letônia, Suíça, entre vários.
Um importante ato ocorreu na Georgia, em meio ao encontro “Labour Start” que agregou sindicalista de 30 países, para protestar contra a guerra e o regime autoritário de Putin. A presença do companheiro Alfons Bech foi importante para registrar que, mesmo numa situação adversa, começa a ter uma coordenação da resistência operária no leste europeu.
No resto do mundo, importantes protestos na Coreia do Sul contra o plano de ajuste do governo; enfrentamentos de rua na Turquia (às vésperas da eleição que pode derrotar Erdogan); na Austrália contra o giro armamentista; no Sri Lanka contra a austeridade. Em todo planeta, manifestações marcaram a data.
Em nosso continente não foi diferente. México, Equador, Peru, Chile, manifestações com milhares ocuparam espaço na mídia e na sociedade. No Uruguai, a tradicional central PIT-CNT conduziu ato em meio a processo de luta contra a reforma previdenciária. A esquerda radical argentina, da sua parte, lotou a Praça de Maio.
Elementos de recomposição na consciência
O processo de greves na Europa, com a França à cabeça, coloca novamente o problema da classe trabalhadora pautar o centro da política de seus países. Ainda que o detonador do caso francês seja a reforma da previdência, há uma luta mais geral contra o mal-estar social, oriundo da piora nas condições de vida. A inflação corrói os salários e rebaixa o nível de vida, em efeito dominó. O novo ataque, agora contra os imigrantes, pelo direito à assistência social é parte dessa piora. Essa é a base para uma recomposição política da ação da classe. Como escreve Miguel Salas, para “Sin Permiso”:
“Na tradição do movimento operário, o 1º de maio, além de ser uma jornada de mobilização, é a ocasião para passar revista à situação das lutas a nível internacional. Parece claro qual é o caminho: organizar e liderar as respostas à deterioração da vida das famílias trabalhadoras, lutar contra a crescente desigualdade social, fazê-lo com ações massivas e unitárias, independente dos governos no poder e ir criando e fazendo parte de movimentos mais amplos de transformação social.”
Isso demonstra, além de uma necessidade mais geral de organização e associação, um deslocamento ainda inicial dos níveis de consciência.
Ao longo das últimas décadas, a destruição neoliberal das condições de trabalho teve como correspondente ideológico, um forte retrocesso no nível da consciência geral da classe trabalhadora.
A onda de greves europeia, que interpela um sujeito social mais “orgânico” do que as mobilizações cidadãs dos indignados da década passada, pode representar um ponto de inflexão na consciência geral da classe trabalhadora, arrastando setores da classe média e da juventude.
Palavras como greve, piquete e sindicato estavam “fora de moda” voltam agora a estar no centro da situação política, justo num período em que a sociedade como um todo sente a onda inflacionária quando vai às compras ou quando chegam os boletos no final do mês.
Enfrentar a extrema direita, com a força do programa
Há uma série de questões que começam a ser postas, nessa nova situação que está se abrindo; reforçar os laços de associação e solidariedade de classe, também numa perspectiva internacionalista é um dever inadiável. São centenas de milhões de pessoas que acompanham pelas redes sociais e pela imprensa as greves na França e na Europa.
Uma condição para a esquerda radical é buscar apoiar com todas suas forças esses processos. E a partir daí, dessa localização, ponderar uma atualização programática, que passa por três grandes eixos, além da defesa dos direitos e da luta para repor os salários diante da inflação galopante.
a) Como enfrentar a extrema direita, que avança eleitoral e politicamente sobre setores mais confusos da classe? Isso significa disputar o descontentamento com a democracia liberal, a partir dos métodos da classe, incorporando a unidade indivisível entre precários, setores estratégicos da classe e trabalhadores imigrantes, para buscar a hegemonia de classe sobre a maioria social
b) O problema ambiental deve ser encarado pela classe, como forma de universalizar a discussão sobre o conjunto agravado da crise social. Um sujeito social, múltiplo, diversificado e plural deve encarar o tema programático da transição energética, adaptando a questão ambiental para cada um dos países, levando em conta a enorme desigualdade entre eles e suas particularidades
c) Ter um programa para assimilar, repartir e socializar os avanços tecnológicos, com a nova revolução das forças produtivas que pode significar a inteligência artificial e um novo salto na automação de funções humanas
Diante da crise de sentido que ameaça a humanidade, apenas o despertar da consciência da classe trabalhadora pode ser o freio de emergência, aproveitando as brechas entre países e divisões da burguesia. Para tanto, derrotando a extrema direita, vamos apelar a nossa força, a da classe, a força do programa.
Contra os céticos de toda ordem, respondemos, no entanto, “ela se move”.