Dois caminhos
Como disputar os milhões que se inclinam à extrema direita, como assistimos no caso chileno, mesmo após um enorme levante democrático em 2019?
A extrema direita está articulada em vários países para impor sua agenda de destruição de direitos, de liberdades democráticas e ataques contra as conquistas da classe trabalhadora. A eleição chilena do último domingo (7) acendeu um alarme, com a vitória nas urnas do Partido Republicano.
Nos Estados Unidos, o debate eleitoral se antecipa, com Trump intensificando a disputa. No Brasil, o retorno de Bolsonaro foi celebrado pelo setor mais atrasado do agro. Ao contrário de 2020, quando sua atuação nas eleições foi mais incidental e localizada, o bolsonarismo se postula para a próxima eleição municipal, com plano de disputar e polarizar várias capitais.
Na Colômbia, por sua vez, o governo dobra a aposta contra a oposição de direita. Diante do boicote parlamentar e da crítica nas redes à reforma de saúde proposta pelo governo, o presidente Gustavo Petro convocou à população a sair às ruas. Estamos convencidos de que não há outra saída para lutar contra a extrema direita, seja no Brasil ou no mundo, senão apostar na mobilização para garantir sólidas maiorias sociais a serviço de mudanças populares.
Enfrentar a extrema direita é a tarefa mais urgente
Está consolidado o lugar da extrema direita com peso de massas em boa parte dos países, em muitos em condições de disputar inclusive a hegemonia eleitoral, como Itália, Turquia, Brasil e Estados Unidos, os últimos já mencionados. Trata-se de uma disputa global, que envolve luta de ideias, disputa nas ruas, peso eleitoral e controle de redes comunicacionais ao redor de um programa.
A extrema direita, no seu viés neofascista, organiza milhões com suas bandeiras e sua perspectiva diante do desencanto quanto às alternativas “convencionais”. Pautas como imigração, negacionismo científico e climático, contra o direito reprodutivo das mulheres, exclusão da comunidade LGBTQIA+ são parte do repertório desses grupos políticos, por vezes disfarçado de “populismo de direita” como no caso francês, com Marine Le Pen aproveitando-se do desprestígio da reforma da previdência de Macron para disputar apoio eleitoral. Como já dito, atrás da aparência e da prédica falsa “antissistema”, se esconde o lado mais brutal e violento do capitalismo em sua fase de crise.
Diante desses acontecimentos, nos colocamos a questão: como disputar os milhões que se inclinam à extrema direita, como assistimos no caso chileno, mesmo após um enorme levante democrático em 2019?
Em primeiro lugar, é preciso tomar o problema do crescimento do neofascismo como central. Em seguida, compreender que a base social da extrema direita nasce do desencanto com os governos “democrático-liberais”, sejam eles de centro, direita liberal ou sociais-liberais. Então, construir táticas para confrontar os polos mais conscientes e militantes do neofascismo, constrangendo, derrotando e desmoralizando-os. Por isso, é tão urgente a prisão de Bolsonaro!
É fundamental disputar as camadas sociais que são arrastadas demagogicamente para esses projetos, combinando táticas de frente única com a necessidade de novas expressões políticas capazes de suplantar alternativas supostamente “democráticas” que geram frustrações no movimento de massas.
Chile e Colômbia, caminhos distintos
Tomando um exemplo, com cuidado para não sermos mecânicos, temos duas respostas que estão sendo dadas para o acosso da extrema direita por governos que foram eleitos com expectativas de cumprirem demandas populares. Ambos são de alguma forma expressões (com mediações) de levantes populares que ocorreram na onda de manifestações nos últimos anos: o Chile, com o levante de outubro de 2019 contra o conservador e milionário Piñera e a Colômbia, com a greve geral de caráter insurrecional que quebrou o velho regime uribista representado por Iván Duque.
Gabriel Boric escolheu caminhar para o “centro”. Depois de ser eleito na expectativa de mudanças e de renovação, Boric buscou exibir moderação, retirou pautas centrais da agenda, como a estatização da previdência e privilegiou o diálogo com o senso comum e com a direita nas leis de “gatilho fácil” e de militarização do território mapuche.
Já Gustavo Petro, recentemente, fez um chamado à mobilização e um forte discurso no 1º de maio após denunciar as travas no interior da própria coalizão, que foi desfeita por não levar adiante propostas, como a da reforma na saúde, prometidas na campanha eleitoral.
No Brasil, construir um caminho nas lutas é o papel do PSOL
Lula está optando por governar dentro da “normalidade”, propondo enquadrar-se ao “arcabouço” fiscal e tornar o movimento social passivo. Essa é uma receita para desgastar sua base social, preparando o terreno para uma nova ofensiva do bolsonarismo.
Devemos nos preparar para construir uma saída que combine a luta em frente única dos movimentos sociais para derrotar a extrema direita e construir pontos de inflexão para agendas e demandas mais avançadas com a preservação de uma alternativa com independência para defender um programa para além da realpolitik lulista.
No caso do “arcabouço” fiscal, com os acenos claros do Ministério da Fazenda ao mercado, temos a imposição da doutrina fiscalista, sendo o próprio governo o motor do ajuste contra o povo pobre. Vale citar um dos textos mais recentes do economista David Decacche que, nas redes e na sociedade, vem denunciando o caráter regressivo do novo regime fiscal proposto pelo governo:
“É fundamental dizer em alto e bom som que a austeridade fiscal destruirá o salário mínimo, a saúde, a educação e o futuro das nossas crianças. Que a austeridade significa menos dinheiro para o povo e mais lucro para os bancos e super-ricos. Que precisamos derrotar a austeridade para garantir um teto para quem não tem e empregos para os que querem construir esses tetos.”
Nosso programa de ação deve ser amplo: como tarefa essencial, deve construir a campanha pela prisão de Bolsonaro; aproveitar a ampla margem de apoio para baixar os juros na batalha do BC; revogar a reforma do ensino médio; rechaçar o “arcabouço” fiscal, buscando ampliar as fontes receitas, como a taxação de grandes fortunas, dos lucros, dividendos e heranças, além de uma séria auditoria da dívida pública, entre outras medidas, para sair da lógica de algum tipo de teto de gastos.
Para defender essas bandeiras, precisamos de um PSOL forte, independente e anticapitalista, que vote contra o ajuste fiscal e apoie o conjunto das mobilizações sociais.