O “Gueto” de Rafah
2024-02-14t111030z_1_lynxnpek1d0co_rtroptp_4_israel-palestinians-gaza

O “Gueto” de Rafah

O ataque contra a cidade de Rafah representa uma escalada sem precedentes na atual agressão genocida contra a Palestina

Israel Dutra 15 fev 2024, 08:40

Foto: EBC

O cerco que o exército israelense faz à cidade de Rafah é mais um crime contra a humanidade. A sordidez da ação de Netanyahu foi tamanha que se calculou iniciar a operação contra Rafah no mesmo horário em que era transmitido o Super Bowl nos EUA como forma de encobrir as críticas que são crescentes na opinião pública mundial.

Rafah é uma cidade estratégica, fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito. Sua população estimada antes do genocidio em curso era de cerca de 300 mil pessoas. Com a destruição da infraestrutura da região norte da Faixa de Gaza, se calcula que 1,5 milhão de palestinos estejam em Rafah e nos seus entornos. O massacre de Rafah contou com uma escala de tanques israelenses na área leste da cidade, matando cerca de 170 pessoas em apenas dois dias, visando como alvo os civis e refugiados, improvisados em tendas e alojamentos precários. O terror é óbvio por conta de que a única saída da cidade, em direção ao Egito, permanecer como uma fronteira fechada.

A destruição de Gaza não tem precedentes na história recente. Em recente artigo, Gilbert Achcar enumerou alguns dados, avassaladores, para termos proporção da destruição massiva e do caráter do ataque israelense: já se lançaram duas vezes mais explosivos do que a bomba atômica que destruiu Hiroshima em 1945; 700 mil moradias foram destruídas em Gaza, tendo outras 290 mil parcialmente destruídas, chegando a um total de 70% dos domicílios do território. Se chega perto da cifra de 30 mil palestinos mortos, em sua maioria mulheres e crianças, além de 70 mil gravemente feridos.

Há cerca de 15 dias, alguns países, liderados pelos Estados Unidos, em aliança com o Reino Unido e a Austrália anunciaram o fim do financiamento à agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) em Gaza. A proliferação de doenças e a falta de água e de insumos básicos já é uma realidade desde dezembro.

O cerco à Rafah evoca na lembrança um dos piores capítulos da história humana: o gueto de Varsóvia. Após a invasão da Polônia, em 1939, o exército alemão isolou parte da comunidade judaica em um gueto em Varsóvia; submetidos às piores condições de vida, a população do gueto, era subjugada pelo exército alemão e pelos colaboracionistas poloneses num processo de terror que durou de 1940 a 1943. A coragem do destacamento de combate armado judaico, a Organização Combatente Judaica, levou adiante a resistência que iria se condensar no heróico levante de abril de 1943.

Estamos assistindo a uma brutalidade nesse patamar, aos olhos do mundo, nos dias que se seguem em Rafah.

Com a fome e as epidemias, o exército isralense, sob o comando de Netanyahu quer levar adiante o seu plano de transferência compulsória e limpeza étnica, “empurrando” as massas palestinas para o deserto do Sinai.

Há um esgotamento da política diplomática. A hipocrisia do imperialismo se nota quando do desconhecimento de quase todas as resoluções da ONU. Fred Henriques escreveu artigo detalhando a crise do papel das ditas organizações multilaterais. Nesse bojo, a decisão do Tribunal de Haia, que acatou apenas parcialmente a petição da África do Sul, é contraditória. Por um lado, isola a narrativa sionista abrindo caminho para a definição de Genocídio; por outro, é inerte ao não condenar de forma decisiva e sugerir o cessar-fogo imediato.

Também a política que Biden vem desenvolvendo tem esse caráter. É hoje o principal sustentáculo da ação genocida, em que pese tenha que se separar da linha de Netanyahu, criticando “excessos” e defendendo publicamente a necessidade de uma trégua “prolongada”.

Isso é uma expressão da crise internacional que envolve o tema da Palestina, cruzando conflitos e interesses entre diferentes alas do imperialismo, a organização militante da extrema direita, com Trump, diversas corporações e figuras como Milei sendo enfrentadas pela ação resiliente do movimento democrático de defesa da causa palestina.

Podemos ver cisões e crises nos principais países, como nos atos de campanha de Biden onde ele está sendo criticado por parcelas da juventude por seu apoio à Israel; ou na recente crise do Partido Trabalhista Inglês, com vereadores de importantes distritos sendo afastados pela direção partidária por tomarem posições a favor do cessar-fogo.

Não é qualquer coisa, dentro do contexto de crescimento do orçamento militar – mais de 9%, a maior cifra desde o fim da Segunda Guerra – a escalada que ameaça se expandir, com os Houtis resistindo militarmente e debilitando o tráfego de navios no Mar Vermelho, uma das grandes rotas do comércio marítimo internacional.

A extrema direita no mundo já escolheu o ataque à Gaza como grande cruzada ideológica, material e militar. O plano sobre Rafah é parte disso. E conta com o apoio vergonhoso, ainda que com contradições, de Biden, do Reino Unido e de parte dos países ocidentais.

A esquerda precisa caracterizar o papel de Netanyahu como um fenômeno histórico que busca superar limites impostos após a Segunda Guerra, para efetivar sua estratégia de uma nova Nakba.

É preciso conectar as lutas antifascistas, que levou, por exemplo, um milhão de alemães às ruas contra o partido neonazista AfD, com a luta em solidariedade ao povo palestino, apoiando o imediato cessar-fogo. A África do Sul protocolou nova petição em Haia, agora atualizando a denúncia da barbárie, a partir de Rafah.

Os governos dos países democráticos devem se empenhar para uma saída imediata, que envolva o cessar-fogo, a retomada da ajuda humanitária e a libertação dos presos políticos palestinos.

A crueldade de Netanyahu também é evidência de seu desespero, pois sabe que o tempo corre contra ele, mesmo dentro da sociedade israelense.

O “gueto” de Rafah pode significar um ponto de inflexão para as tropas israelenses. Sob os escombros da humanidade em Rafah, com o cheiro da morte por todo lado, a força da resistência do povo palestino se faz sentir. Nossa obrigação moral é seguir lutando com esse povo.


TV Movimento

Palestina livre: A luta dos jovens nos EUA contra o sionismo e o genocídio

A mobilização dos estudantes nos Estados Unidos, com os acampamentos pró-Palestina em dezenas de universidades expôs ao mundo a força da luta contra o sionismo em seu principal apoiador a nível internacional. Para refletir sobre esse movimento, o Espaço Antifascista e a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco realizam uma live na terça-feira, dia 14 de maio, a partir das 19h

Roberto Robaina entrevista Flávio Tavares sobre os 60 anos do golpe de 1º de abril

Entrevista de Roberto Robaina com o jornalista Flávio Tavares, preso e torturado pela ditadura militar brasileira, para a edição mensal da Revista Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 16 maio 2024

Tragédia no RS – Organizar as reivindicações do movimento de solidariedade

Para responder concretamente à crise, é necessário um amplo movimento que organize a luta pelas demandas urgentes do estado
Tragédia no RS – Organizar as reivindicações do movimento de solidariedade
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 49
Nova edição traz o dossiê “Trabalho em um Mundo em Transformação”
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição traz o dossiê “Trabalho em um Mundo em Transformação”