Cessar-fogo: a solidariedade com a Palestina deve seguir
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Cessar-fogo: a solidariedade com a Palestina deve seguir

O acordo que põe fim ao ataque sionista contra a Faixa de Gaza é uma vitória que deve aprofundar a solidariedade à luta palestina

Israel Dutra 17 jan 2025, 11:49

Foto: Palestinos comemoram o anúncio de um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, em 15 de janeiro de 2025 (Abed Rahim Khatib/Flash90)

Foi anunciado em Doha, no dia 15 de janeiro, os termos do acordo de cessar-fogo, mediado por Estados Unidos, Catar e Egito, após 15 meses de genocídio em Gaza. O Hamas saudou os termos como uma vitória, parcial, da resistência, enquanto o gabinete de Netanyahu, consumido por crises internas, tardou a referendar o acordo. Apenas na sexta, dia 17, sob protestos das alas religiosas de ultra direita, Netanyahu aprovou em seu gabinete de segurança os termos finais. Durante esses dois dias, Israel seguiu atacando covardemente a Palestina, resultando em quase cem novas mortes.

Como disse o The Guardian, um acordo tardio, mas “desesperadamente necessário”. É um respiro no marco de um genocídio sem precedentes. Um dos maiores da história, comandadas pelo Estado de Israel, com a cumplicidade dos Estados Unidos. Podemos falar numa vergonha para humanidade. As comemorações se espalharam pelo mundo. Se compreende no marco de um alívio, pontual. A paz, temporária, não pode ser encarada, senão como parte de uma luta mais ampla por justiça, como bem evidenciou o colunista da Folha, Thiago Amparo, em sua coluna diária.

Enquanto Trump e Biden disputam o protagonismo, a tensão imposta pela linha colonialista no Oriente Médio vai seguir. Portanto, segue a necessidade da solidariedade ativa.

Um genocídio que marca a situação mundial

O saldo da agressão genocida de Israel sobre Gaza se conta em quase 48 mil mortos, boa parte da infraestrutura do país destroçada, 467 dias de fogo permanente. Um custo humano insuportável e incomensurável. O número de feridos com alguma gravidade chega a 110 mil pessoas. Dados da revista científica The Lancet indicam que, de forma direta e indireta, os índices de mortalidade superam 70 mil palestinos mortos nos quase 500 dias de massacre. O maior número de crianças mortas, proporcionalmente à população da história, superando, tragicamente, a II Guerra Mundial.

A destruição passou por acabar com diversas infraestruturas em Gaza, cortando inclusive a assistência humanitária promovida pela ONU. Foram destruídas todas as universidades de Gaza. Bombardeados hospitais e espaços de ONGs, como se constatou nas firmes e constantes denúncias dos “Médicos sem fronteiras”.

Os jornalistas, locais e internacionais, foram perseguidos como poucas vezes em outros conflitos militares. Com a imprensa internacional impedida de ter acesso à Gaza, se registraram 204 jornalistas mortos.

Quase 2 milhões de pessoas foram desterradas. A fome está sendo utilizada como arma de guerra, com a insegurança alimentar chegando a quase 90% da população. Isso somado com as condições sanitárias, com o racionamento de água e da eletricidade.

Israel abriu outras frentes de ocupação, ampliando sua presença na Cisjordânia, combinando um assédio militar com a organização de grupos paramilitares de colonos de extrema direita. Bombardeou a Síria nos últimos dias de 2024, para assegurar a expansão do domínio das colinas de Golã e destruir parte das capacidades de defesa militar, durante a transição de governo com a queda de Assad. E nos últimos meses, como parte da campanha para acabar com Hezbollah, fez do Líbano seu alvo constante, com incursões periódicas sobre Beirute e região.

Israel não concluiu seu objetivo manifesto de eliminar o Hamas, em seguida o Hezbollah; contudo, teve avanços militares e assassinou os principais dirigentes dos dois grupos beligerantes, nomes como Ismail Hanyeh, Sinwar e Nasrallah.

Para tanto, contou com a parceria ativa dos Estados Unidos e a cumplicidade de maior parte dos governos ocidentais. Isso valeu a alcunha para o presidente que encerra seu mandato, Biden, de “genocida Joe”. Trump venceu a eleição prometendo mais e maior apoio à linha colonialista da direita sionista. Seu mandato que inicia na semana que vem deve preparar novas agressões à Palestina e aos povos do mundo.

Os termos do acordo de cessar-fogo

Há que se verificar se Israel aprovará o acordo, o que deve ser feito dado o comprometimento de todas as partes, mas os termos principais envolvem a libertação gradual dos cerca de cem reféns em poder do Hamas, a retirada imediata das tropas israelenses de Gaza, a libertação de vários presos políticos palestinos. Isso será feito em três fases.

Na primeira fase, libertados 33 reféns nos primeiros 42 dias, os militares israelenses se retirarão das várias áreas sob seu controle em Gaza. A libertação dos primeiros prisioneiros israelenses se dará sete dias após o início do cessar-fogo. Serão libertados os prisioneiros palestinos; na segunda etapa, entram em cena negociações mais amplas, para contemplar o conjunto dos presos israelenses, com prazo para serem concluídas até a quinta semana da primeira fase. Nessa troca seriam libertados mais de 1000 presos palestinos. Na terceira e última fase, a discussão sobre a reconstrução e estabilidade em Gaza, onde ainda reina o impasse sobre o futuro, mas com a promessa de um aumento substantivo da ajuda humanitária, em retrocesso desde o início do massacre. Vão ser reabertos corredores humanitários, como o Netzarim, que divide o norte e sul de Gaza, e o Filadelfia, que leva à fronteira Gaza- Egito.

Seguir a solidariedade ao povo palestino

Não se pode baixar a guarda quando se trata de um terrorista de Estado com Netanyahu. Vale lembrar que foi expedida há alguns meses a ordem do Tribunal Penal Internacional em favor de sua prisão e de Yoav Gallant, por crimes de guerra e contra a humanidade.

A situação segue tensa, e a condenação do genocídio e da luta política em favor da Palestina deve seguir com toda força.

A trégua não é o fim da guerra. Como vai seguir depende de como reagirá a dita comunidade internacional, a própria sociedade israelense e suas contradições. Afinal, Netanyahu vai conseguir manter a coalizão de poder que o sustenta?

Interrogantes como essa e com a capacidade de articulação da resistência palestina após o cessar-fogo, ainda estão por ser vistos. Uma coisa, a ser vista, por exemplo, é se uma liderança como Barghoutti finalmente sai da cadeia, que seria capaz de forjar a unidade entre as diversas facções palestinas. A questão da gestão de Gaza será central para as próximas semanas. A instabilidade percorre o Líbano, de outra parte. Ou como dizem alguns prognósticos, Israel aceita o cessar-fogo apenas para preparar novos ataques futuros, na sanha de manter sua ocupação colonial.

Em meio a essa nova fase, contudo, uma certeza permanece: é preciso intensificar a luta e a solidariedade com o povo palestino.

Mais do nunca reforçar tal solidariedade, agora em três frentes: na luta política, apostando nas mobilizações que comoveram o mundo, desde o Oriente Médio até os acampamentos da juventude em países centrais, como nos Estados Unidos; na solidariedade material e campanhas concretas para a reconstrução de Gaza e acolhimento dos refugiados; e na luta para isolar o governo israelense – agora com o apoio ainda mais incondicional de Trump e da extrema direita pelo mundo- a fim de uma saída duradoura para o povo palestino. Isso passa por denunciar as atrocidades e cobrar dos governos a ruptura diplomática, militar e comercial com o Estado de Israel.

Nos preparamos para enfrentar a extrema direita no mundo, às vésperas da posse de Trump, sabendo que a polarização vai aumentar.

Celebramos o respiro do povo de Gaza, nos marcos de uma tragédia histórica, sabendo que é apenas uma parte de uma luta mais ampla pela liberdade, paz, justiça e dignidade para o povo palestino. Essa é uma luta dos oprimidos e dos povos de todo mundo, que só termina com a vitória da resistência palestina, livre do rio ao mar e que os genocidas como Netanyahu e seu bando sejam levados ao banco dos réus e paguem (com seus cúmplices, como os Estados Unidos) por seus crimes.


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Pedro Micussi