Um mundo em movimento – Notas sobre a recente reunião da IV Internacional
Sobre nossas lutas em uma conjuntura internacional em ebulição
Acabo de regressar da reunião do Bureau da IV Internacional. O MES participa, desde o último congresso em fevereiro, como membro pleno, sendo parte da seção brasileira da organização.
Não querendo entrar na minúcia dos debates internos, trago algumas reflexões que passaram pela reunião e pela troca com as organizações e dirigentes presentes, organizadas de forma autoral. Pode-se ler aqui para maiores informações sobre a reunião bem como as declarações oficiais adotadas.
O elemento central, que atravessa o conjunto dos países, é a ofensiva da extrema direita contra os povos do mundo; com diferentes gradações, que vão desde o fechamento dos regimes tendo os imigrantes como alvo, até o maior genocídio em séculos, o que está sendo promovido na Palestina, a extrema direita quer impor seu programa. Em última instância é um programa renovado e com características contemporâneas, mas bebe nas fontes dos facínoras do século passado como Hitler e Mussolini, eivado de supremacismo racial, utilizando os métodos de guerra civil contra o povo. Gaza é a expressão máxima. E Trump é o chefe maior dessa orientação genocida.
Junto com tal ofensiva, a resposta do movimento de massas cresce e ganha novas formas e contornos, abrindo oportunidades para a ação dos revolucionários. Podemos citar a vitória de um socialista nas prévias para a prefeitura da talvez cidade mais conhecida do mundo, Nova York. Um socialista muçulmano de origem africana que não hesitou em defender a Palestina.
Nesse contexto, o colapso ambiental exige medidas práticas e efetivas por parte da maioria da população para proteger a vida em meio a novas marcações da catástrofe climática e a ofensiva dos países petroleiros diante da COP30. O cenário exige a coragem de Greta, dos que desafiaram as medidas restritivas em Budapeste, desafiando Orban e fazendo a maior marcha do orgulho LGBTQI+, ou das revoltas populares em curso, no Quênia e na Sérvia.
Diante da catástrofe múltipla que nos ameaça, da qual Trump e a extrema direita são seus portadores, verdadeiros comensais da morte, é preciso estar atento e forte. A reunião da IV Internacional trouxe elementos para o debate e nos armamos diante da conjuntura dos países. Trago cinco tópicos para ajudar no debate.
1. Genocídio no Tik Tok
Depois da ruptura unilateral do cessar-fogo que havia sido obtido há alguns meses, Israel orientou sua estratégia para defender abertamente a “solução final”. Já não era só o mapa do “Grande Israel” que Netanyahu expusera em 2023 numa sessão na ONU: agora estava com a cobertura de Trump, que já vem defendendo a expulsão dos palestinos e a instalação de um resort em Gaza.
Os genocidas foram além. Seguem sua ofensiva por várias frentes: bombardeiam a Síria, pressionam os governos do Oriente Médio, protagonizaram durante doze dias uma agressão sobre o Irã, com a infame parceria de Netanyahu e Trump, deslocam milícias de colonos para agredir a Cisjordânia.
A banalização do mal, a desumanização do povo palestino, o uso de todo tipo de armas, levou ao número de quase 60 mil mortos, além de gravíssimos problemas como a epidemia de fome e a falta de condições mínimas resultando em centenas de milhares de feridos e doentes, sendo ampla maioria crianças e idosos. Como afirmam os analistas, é um genocídio transmitido ao vivo, na tv, nas redes sociais, no Tik Tok.
De outra parte, a heróica resistência do povo palestino é cercada de uma solidariedade crescente. Pelos cinco continentes do mundo, a bandeira da palestina erguida é sinônimo de solidariedade de classe, humanismo e engajamento. Toda semana são centenas de manifestações, que envolvem de centenas de milhares a milhões, de jovens a adultos, num esforço internacional sem precedentes desde a segunda guerra mundial.
A reunião da IV Internacional emitiu a seguinte declaração, onde pode se ler que
Felizmente, em grande parte do mundo, milhões de pessoas se mobilizaram para exigir o fim dos massacres, o levantamento do bloqueio a Gaza e as sanções contra Israel. Elas enfrentaram repressão brutal, incluindo proibições, prisões, ataques policiais e judiciais, além de falsas acusações de antissemitismo.
A Marcha por Gaza e a Caravana Sumud tentaram romper o bloqueio a Gaza e levar ajuda ao povo palestino. A repressão que enfrentaram no Egito e na Líbia expôs a terrível cumplicidade desses regimes. Milhares de pessoas foram espancadas, intimidadas, detidas e deportadas para seus países de origem, com pouca ou nenhuma resposta de seus governos.
As Flotilhas da Liberdade, que transportavam figuras de renome mundial, também tentaram — de forma mais simbólica — romper o bloqueio. Isso destacou ainda mais o absoluto desrespeito do Estado sionista pelo direito internacional, seu desprezo pela verdade e seu desrespeito a quaisquer limites à sua jurisdição, simbolizando assim seu colonialismo irrestrito.
A luta de massas em favor do povo palestino, une os setores mais combativos da juventude do mundo, com os povos imigrantes e refugiados, que hoje protagonizam o enfrentamento a extrema direita e são o “inimigo” principal dos neofascista em todo mundo.
Estamos num ponto de inflexão: a barbárie está sendo levada adiante, a resistência de massas cresce mas se depara com limites, e poucos governos têm sido consequentes, passando das palavras de condenação à medidas que teriam impacto. Vale destacar a atitude de Gustavo Petro em convocar junto a África do Sul uma reunião de estados para avançar na denúncia no TPI de Haia.
De alguma forma, toda a conjuntura está articulada e conectada com o genocídio Palestino: Greta, a eleição de Mandami nas primárias, a luta e identidade dos imigrantes no mundo, a estratégia Trump.
Uma nova convocatória para o 7 de outubro deve organizar a maior manifestação internacional por Gaza, junto com a defesa de rupturas diplomática e comercial com Israel, além de celebrar pequenas vitórias dentro da barbárie como a libertação- depois de 41 anos preso nas masmorras francesas – do líder palestino Georges Abdallah. É preciso convocar o 7 de outubro, exigir dos governos a ruptura diplomática e comercial com Israel e a liberdade dos presos políticos, inspirandose em vitórias como a libertação de Georges Adballah.
Convocatória para o 7 de outubro, e exigir dos governos a ruptura diplomática e comercial com Israel- vitórias como a libertação de Georges Adballah.
2. MAGA, crise e fúria do Império
O ponto de apoio da extrema direita mundial e do sionismo é o governo Trump – que completa seis meses.
Por um lado, Trump está disposto a colocar em marcha mudanças de regime e uma destruição massiva de direitos em toda linha; por outra, seu projeto, o MAGA (Make America Greta Again/Faça a América Grande de Novo) começa a apresentar limites e fissuras, dentro de um período de resistência que já começou e se intensifica.
Já num editorial anterior da Revista Movimento começávamos a aventar as hipóteses ligados ao ataque tarifário e suas contradições, que começaria um período marcado por contradições internacionais geopolíticas, um trumpismo querendo ser mais agressivo, começo da reação do movimento de massas, e por fim, com se verificou essa semana, maiores “rachaduras” no projeto Trump.
Trump experimenta contradições que passam pelos BRICS e pela postura imperialista que ameaça imigrantes (dentro dos Estados Unidos) e a tomada de territórios. Ele sofreu dois reveses nas eleições do Canadá e Austrália, onde sua ingerência teve efeito contrário, levando a derrota dos candidatos da extrema direita. Mede um pulso sobre o México e Panamá (que teve uma importante jornada de lutas no primeiro semestre, com greves e politização de parcelas grandes da população), além de ameaçar de tomar a Groenlândia.
O ponto mais alto desse confronto é o embate em curso com o Brasil, uma semana depois da reunião dos BRICS, envolvendo ataques ao STF, interferência na política interna, defesa dos golpistas e tentativa de punição tarifária. A reação altiva do país, até agora, tem levado o Brasil a uma postura de resistência, comprando a briga e a queda de braço.
A resistência dentro dos Estados Unidos deu um salto, social e político, no últimos meses: tivemos a batalha de Los Angeles contra o sequestro de imigrantes, o protesto No Kings e a eleição de Mandami, coroando um ascenso da nova esquerda que busca alternativas para além da direção democrata tradicional. O clima após as primárias de Nova York vai contagiando o país.
E na última semana, o agravamento do caso Epstein, com a divulgação dos relatórios que implicam Trump como próximo ao magnata, levou a choque com a própria base do trumpismo. Foi a segunda grande demonstração: antes já Musk saíra do governo e prometera um novo partido, para dividir a base da extrema direita. Agora, ainda sem termos a noção do impacto total do escândalo, chamou a atenção ato onde apoiadores de Trump queimaram bonés MAGA. O encerramento do popular programa The Late Show mereceu protestos, pois muitos telespectadores associam a demissão de Sthepen Colbert à pressões do trumpismo.
Não apenas Trump, mas outros representantes da extrema direita têm sinais de dificuldade, como podemos ver com Milei, na Argentina. Depois de um período de alívio econômico, controlando a inflação, os fantasmas do endividamento e da liquidação de reservas assolam a Casa Rosada, que espera chegar até a eleição de outubro- onde se renova parte do parlamento- com capacidade de iniciativa política. O cenário é incerto e Milei não é júpiter real como tenta aparecer nas redes sociais.
3. O Momento Greta
Se alguém pode encarnar como liderança esse momento tão intenso, unindo a pauta ambiental com a luta anticolonial, podemos falar do nome da jovem Greta Thumberg.
Pioneira, ainda adolescente, no movimento ambiental, Greta ficou conhecida como liderança do movimento “Sextas Pelo Futuro”, quando junto a outros jovens protestou em frente ao parlamento sueco. Ao longo do tempo, Greta se notabilizou, sendo eleita em 2019 e 2020, por várias publicações como “personalidade do ano”.
Esteve nas COPs denunciando a irresponsabilidade dos governos e empresas que não lidam com a transição energética, atraindo a ira de figuras como Putin, líderes da OPEP, entre outros. A viragem contudo, viria diante do genocídio palestino, quando Greta começou a denunciar. Utilizando seu enorme prestígio, Greta levantou sua voz contra o massacre do sionismo, foi atacada por Trump e estava na Flotilha da Liberdade, um ponto alto do apoio à Palestina que mudou significativamente a situação sobre o tema em países como o Brasil
Um novo momento ao redor da juventude e das atividades mais radicalizadas – no qual a IV Internacional colabora programaticamente com seu Manifesto Ecossocialista – constrói a associação entre a luta anti-imperialista e a crise climática.
Greta exprime um “zeitgeist” ou espírito do tempo da juventude do mundo. Como foi a juventude que lutou contra a guerra no Vietnã, como foi a onda dos Indignados.
4. Uma novíssima esquerda ou “isso recém começa”
Além da “incrível Greta”, alguns novos fenômenos que começam a se dar. É importante observar para não cair em armadilhas formalistas: cresce a extrema direita, há recuos políticos e eleitorais, portanto, “recuamos de conjunto”. Essa conclusão pode levar a paralisia. A dialética é mais rica: buscar unidade e cordões anti extrema direita, sem deixar de lutar pelo novo, pela independência, pela alternativa Ecossocialista, pelo “inédito viável” que seria um mundo diferente.
Apenas agitar que vamos a um “longo inverno” é apostar na repetição, cheia de derrotas e profecias auto cumpridas. Os novos fenômenos estão aí, é preciso conhecer e intervir, entender suas contradições, as atuando sobre elas.
Não é qualquer coisa que a cidade mais conhecida e importante do mundo tenha escolhido nas prévias- e agora até com certo favoritismo- um jovem socialista, com programa concreto e avançado, com ascendência muçulmana e defensor da causa palestina. Mamdami surpreendeu a todos e recolocou o DSA no radar da esquerda mundial, antagonizando com Trump. A máquina do partido democrata, não satisfeita com a derrota, patrocina a candidatura de Cuomo como independente, a serviço da ordem e do neoliberalismo “progressista”. O efeito Mandami alcança várias cidades, com socialistas do DSA sendo eleitos em campanhas militantes como o caso de Milwaukee, NY e outras cidades. O DSA teve um incremento de quase 30% em seus membros em poucas semanas. Sua próxima convenção nacional será um acontecimento mundial para a esquerda radical.
E não se restringe aí. Um novo partido acaba de ser anunciado no Reino Unido, em choque com os trabalhistas, que a partir do governo Stamer são cúmplices do genocídio palestino, e aplicam um severo ajuste contra a classe trabalhadora. Com a deputada de origem paquistanesa, Sultana Zarhir e o líder consagrado da esquerda trabalhista, Jeremy Corbin, o novo partido já nasce robusto, chegando a ultrapassar o Labour em algumas pesquisas de opinião. Novos parlamentares já começam a estudar a adesão ao novo partido. E a central sindical UNITE ameaça suspender a filiação ao Labour.
Poderíamos citar a retomada eleitoral do Die Linke alemão, diante do crescimento da extrema direita e da fragilidade programática de Sarah Wakhgnetch. Die Linke obteve a maior votação entre os jovens de 18 a 24 anos e teve uma importante votação em Berlim. Voltou ao parlamento, com um discurso crítico e renovador, enquanto SW ficou fora e amargou uma derrota. Isso mostra os limites do populismo de esquerda que se confunde com a direita e que chega a encantar alguns incautos, que se expressou nesse partido, também em Galloway na Inglaterra.
O novo se mostra ainda de forma incipiente na radicalização dos votos na esquerda na França, nos deputados imigrantes e palestinos- em que pese a dificuldade de LFI por sua linha hegemonista e sectária com outros setores de esquerda; apareceu na consolidação de People Before Profit na Irlanda, uma coalizão da esquerda radical que mantém deputados no parlamento como o caso de Paul Murphy, que esteve no congresso da IV e foi parte do comboio sumud no Cairo. Outra parlamentar, a grega Georgia Kefala, esteve no mesmo comboio e é ilustrativa da novidade chamada “Curso da Liberdade”, novo partido grego de Zoe Constatipoulos, que disputa o segundo lugar nas pesquisas, oscilando ente 16 e 12%.
Sem olhar para o mundo de conjunto, nossa análise fica débil. As revoltas populares na África ganham terreno, vide o enorme movimento de massas que percorre o Quênia. Além das revoltas no leste europeu, que mostram o espaço para uma esquerda não campista, como o caso da Sérvia, ou das revoltas que tiveram lugar no sul da Ásia, em anos anteriores e derrubaram governos pro FMI como o caso de Bangladesh e Sri Lanka.
Mobilizações contra governos e regimes de extrema direita conseguiriam evitar retrocessos maiores: a Turquia teve protestos grandes contra Erdogan; a Coreia do Sul viu um golpe ser derrotado por mobilizações e agora elegeu um governo de centro contra o trumpista da vez; Modi não pode tudo, sem maioria absoluta no parlamento enfrenta resistências, uma greve geral paralisou a Índia, há cerca de 10 dias.
O que vai passar com Trump e a resposta de massas vai condicionar os novos eventos, onde há espaço para uma esquerda combativa, classista e Ecossocialista.
5. Por um Ecossocialismo para milhões
A crise climática só cresce. Foram centenas de mortes nas enchentes do Texas, milhares de desterrados na Coreia do Sul, isso para pegar os exemplos do jornal da semana. Ou seja, o aquecimento global e seus efeitos atingem milhões a cada novo evento climático. Isso sem falar nos efeitos lentos da destruição de biomas, do calor insuportável ou das nevascas fora de época, cada vez mais frequentes.
Um dos debates prioritários dentro da IV é como difundir o documento aprovado no último congresso, o Manifesto Ecossocialista, atualização programática que reafirma a defesa da luta de classes perante a questão ambiental e serve de plataforma para uma revolução necessária, que pare a tragédia e sirva como freio de emergência.
É hora de aproveitar a coragem de Greta é multiplicar a luta ambiental, ligada à luta de classes, entre as parcelas mais interessadas da juventude. O lugar do Brasil com a realização da COP30 em Belém será estratégico. É hora de abrir uma nova etapa, dando centralidade para a pauta ambiental no seio da esquerda, e fazendo com que o ecossocialismo se converta numa ferramenta massiva, rompendo os círculos intelectuais e fundindo-se com a vanguarda do movimento de massas. Para tanto, é preciso um “ecossocialismo” para milhões, com extrato popular, didatismo e conectado com a luta de classes.
O Ecossocialismo para milhões é o melhor antídoto ao “realismo capitalista”, que desde a queda do Muro de Berlim coloniza a esquerda – moderada e radical – como via de justificativa para sua própria adaptação.
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