Mortes evitáveis expõem colapso no sistema prisional do DF
Em audiência proposta por Fábio Felix (PSOL), famílias denunciam negligência, racismo estrutural e falta de transparência nas 46 mortes registradas desde 2019
Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
As mortes dentro do sistema prisional do Distrito Federal cresceram 21% entre 2019 e 2024, passando de 38 para 46 casos. Os dados, apresentados em audiência pública nesta terça-feira (21) na Câmara Legislativa do DF (CLDF), revelam um cenário de negligência médica, falta de transparência e desumanização da população carcerária.
O debate foi proposto pelo deputado distrital Fábio Felix (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos, e reuniu especialistas, gestores públicos e familiares de detentos mortos. De acordo com as secretarias de Saúde (SES-DF) e de Administração Penitenciária (Seape-DF), doenças evitáveis como tuberculose, pneumonia e sepse respondem por mais de 60% dos óbitos.
Para Fábio Felix, os números revelam uma crise estrutural no sistema prisional, marcada pela omissão do Estado e pela ausência de políticas públicas eficazes.
“A gente está falando dessa falta de transparência, dessa falta de explicação sobre as situações que acontecem ali dentro e de um sistema que não revela para as famílias a real motivação das mortes”, afirmou o deputado.
Ele também criticou a precariedade da vigilância nas unidades prisionais.
“Hoje, nós temos câmeras precárias, muitas delas instaladas pelos próprios profissionais. O acesso às imagens não é disponibilizado, e até aqui não foi implementado o regime de monitoramento interno. Estamos em 2025, onde tudo é digitalizado e ainda assim não conseguimos apurar as 18 mortes registradas neste ano. Isso é muito grave”, denunciou.
Sistema desigual e seletivo
Fábio Felix apontou que o problema vai além da gestão penitenciária, refletindo as desigualdades estruturais do sistema de justiça brasileiro.
“É um sistema que tem uma série de problemas, que vão desde a defesa técnica até a atuação do Ministério Público e as decisões judiciais. As pessoas em situação de vulnerabilidade social são as mais criminalizadas. Enquanto isso, crimes de colarinho branco não são punidos. É um sistema absolutamente desigual e que precisamos refletir sobre ele”, afirmou o parlamentar.
Vozes que clamam por justiça
Durante a audiência, familiares de detentos mortos relataram a dor e a falta de respostas das autoridades.
“Meu filho de dois anos pergunta pelo pai, e eu ainda não sei o que falar para ele. A gente só quer saber o que realmente aconteceu, porque ele entrou lá vivo e saiu morto, todo machucado. Eles entram para se ressocializar, não para morrer”, desabafou Débora, companheira de um dos internos.
Estado ausente e direitos violados
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF) não enviou representantes à audiência. Em nota, a pasta alegou impossibilidade de comparecimento, mas afirmou estar à disposição “para responder às demandas levantadas” e aguardará o relatório final da audiência.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLIX, garante que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Para Fábio Felix, o aumento das mortes e os relatos de negligência mostram que o Estado tem falhado em garantir saúde, segurança e dignidade às pessoas privadas de liberdade.
“A responsabilidade do Estado não é apenas manter as pessoas presas, mas garantir que elas vivam – e vivam com dignidade. Cada morte é uma tragédia que poderia ter sido evitada”, concluiu o deputado.
Propostas e próximos passos
Ao final da audiência, Felix anunciou que pretende propor novas medidas legislativas para fortalecer a fiscalização, garantir acesso à informação e amparo às famílias das vítimas e exigir transparência nos dados de mortalidade prisional.
O parlamentar defendeu que a vida e a dignidade de quem está sob custódia do Estado são direitos inegociáveis – e que combater o descaso institucional é parte da luta por uma sociedade verdadeiramente democrática.
“Enquanto o Estado tratar a população carcerária como descartável, continuará violando a própria Constituição. Precisamos romper com essa lógica de abandono e construir uma política prisional baseada em direitos humanos”, afirmou Felix.