Toffoli desiste de conduzir acareação no caso Banco Master
Pressões do BC, da PGR e do sistema financeiro pesaram contra a iniciativa do ministro, que deixará interrogatório à cargo da Polícia Federal
Foto: Andressa Anholete/STF
A mudança de posição do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso do escândalo do Banco Master evidencia as tensões políticas e institucionais que cercam uma das investigações financeiras mais sensíveis dos últimos anos. Após determinar a realização de uma acareação entre o ex-banqueiro Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB Paulo Henrique Costa e o diretor de fiscalização do Banco Central (BC), Ailton de Aquino Santos, Toffoli recuou e transferiu à Polícia Federal (PF) a decisão sobre a necessidade do procedimento. A nova estratégia prevê, inicialmente, depoimentos individuais dos envolvidos, com eventual acareação apenas se a delegada responsável identificar contradições objetivas.
O recuo ocorreu após forte reação institucional. O Banco Central avaliou recorrer da decisão por meio de um mandado de segurança, sob o argumento de que a presença de um diretor do BC – que não é investigado – em uma acareação com suspeitos poderia “enfraquecer” a autoridade técnica do órgão regulador. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também se posicionou contra a medida, classificando-a como “prematura”, já que ainda não havia inconsistências formais nos depoimentos a justificar o confronto. Para a PGR, a acareação, nesse estágio, poderia mais atrapalhar do que esclarecer.
Além disso, entidades que representam o coração do sistema financeiro brasileiro entraram em campo. Em nota conjunta, Febraban, ABBC, Acrefi e Zetta defenderam o Banco Central e afirmaram que “a presença de um regulador técnico e, sobretudo, independente do ponto de vista institucional e operacional, é um dos pilares mais importantes na construção de um sistema financeiro sólido e resiliente”. A leitura crítica, no entanto, é que o movimento buscou blindar o BC e conter danos reputacionais em meio a um escândalo que expõe a promiscuidade histórica entre grandes bancos, poder político e órgãos de fiscalização.
A iniciativa inicial de Toffoli também foi alvo de críticas por parte de juristas e investigadores, que viram na decisão de presidir uma acareação antes mesmo da coleta de depoimentos individuais um gesto atípico e potencialmente intervencionista. O próprio ministro justificou a medida afirmando que já havia “informações divergentes nos autos” e que os depoimentos serviriam como reforço probatório. Ainda assim, a pressão combinada do BC, da PGR e do mercado financeiro parece ter pesado para o recuo, revelando os limites impostos ao Judiciário quando investigações alcançam o núcleo do sistema financeiro.
O escândalo
O caso Banco Master envolve a tentativa de venda da instituição ao BRB, banco controlado pelo governo do Distrito Federal, e aponta para um esquema de fraude de grandes proporções. Segundo a investigação, antes mesmo da formalização do negócio, o Master teria forjado e vendido cerca de R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito consignado ao banco público: R$ 6,7 bilhões em contratos falsos e R$ 5,5 bilhões em “prêmios”, valor atribuído artificialmente às carteiras, acrescido de um bônus. O escândalo levou à liquidação do banco em 18 de novembro e à prisão de Daniel Vorcaro, controlador da instituição, que ficou detido por 12 dias e segue monitorado por tornozeleira eletrônica.
O episódio também lança luz sobre o envolvimento político no caso, já que o BRB é uma instituição estatal e a operação contou com aval de sua antiga gestão. Desde o início de dezembro, todas as diligências relacionadas ao caso passaram a depender de autorização de Toffoli, por decisão do próprio ministro, o que ampliou o debate público sobre a centralização das apurações no STF. Em um país marcado por recorrentes escândalos financeiros, o recuo de Toffoli expõe não apenas uma disputa processual, mas o peso das pressões exercidas quando investigações ameaçam desvelar a engrenagem que conecta bancos, política e poder.