Resolução do Secretariado Nacional do MES
As indefinições num cenários de crise política e indefinições sobre o processo de impeachment.
O Brasil vive uma situação de confusão, incertezas, insegurança, mas também há fatos claros e perspectivas evidentes. Não se sabe se vai ter impeachment ou não. Se tiver, o que ocorre? Se Dilma continuar, o que nos espera? Teremos um golpe?
Para pensar o quadro atual e as perspectivas é necessário partir do que é claro e distinto.
Primeiro, a crise econômica é brutal. O ajuste contra o povo tem sido executado pelo governo atual e pelos grandes empresários.
Segundo, há clareza também que os partidos políticos que surgiram e se fortaleceram na esteira do apogeu da Nova República estão agora desgastados ao extremo, desacreditados diante do povo, com divisões e sem perspectiva de retomar credibilidade e fortalecimento. Terceiro, e igualmente claro está que a extrema esquerda, as forças à esquerda do PT são fracas e/ou estão impotentes para se constituir como alternativa. Mas estas forças têm condições de crescer se acertarem na política e não ficarem a reboque do PT.
Quarto, a Rede de Marina Silva, embora não tenha força social, tende a se constituir como novidade e esperança para os que estão exaustos com a corrupção e os enganos. Por fim, e por outro lado, a direita mais reacionária, posições com a de Bolsonaro, terão algum crescimento, o que já é visível. Os limites deste crescimento, porém, serão dados pela luta política e são indefinidos.
O mais claro e evidente de tudo é que a crise econômica vai continuar. O desemprego que já atinge 10 milhões de pessoas aumentará ainda. A queda da produção não cessou. Este ano a recessão será maior do que em 2015 e somente em 2017 pode começar alguma recuperação que manterá a economia estagnada talvez por mais 2 anos.
Mas teremos um golpe? O governo disse e alguns dos seus blogueiros, jornais e revistas (carta capital, por exemplo) compararam a possibilidade de Dilma cair com o golpe de 64. Se isso fosse certo estaríamos diante da possibilidade de um novo regime que prenderia os opositores, fecharia os sindicatos e movimentos organizados, enfim, um regime centrado na repressão política. Não é o caso. É claro que o regime atual tem como método também a repressão. Basta ver a lei antiterrorista aprovada no Congresso, cujo objetivo é reprimir movimentos de massas que saiam do seu controle. Foi uma lei aprovada por PMDB, PSDB, PT. Foi uma resposta do regime ao movimento que o desafiou em junho de 2013. A preparação legal da repressão se combina já com a repressão em estado bruto. Que o digam os sem terra do Paraná, com suas duas vítimas fatais.
O regime pode ficar mais repressivo mas não porque estejamos na iminência de um novo 64 mas porque a burguesia não controla mais a situação como antes, não tem a estabilidade anterior e o povo está mais descontente. As lutas tendem a aumentar e a resposta da burguesia tende a ser mais dura. Isso tem ocorrido desde 2011, quando os bombeiros do Rio fizeram sua poderosa greve e foram violentamente reprimidos. Seu líder, cabo Daciolo, foi parar no presídio Bangu. Escutas telefônicas foram divulgadas contra líderes grevistas e contra uma deputada estadual do PSOL. Era Dilma a presidente. Não estávamos em 64. A Rede Globo não foi acusada pelo governo de divulgar escutas ilegais nem o PT disse que o estado democrático de direito estava sendo atacado. Aliás, nem a direção do PSOL disse isso.
Sobre a comparação com 64, o próprio governo percebeu que estava forçando no argumento e reajustou o discurso. Apenas a Carta Capital, que está para o PT como a Veja está para a burguesia, ou seja, a Veja do PT, continuou com a afirmação de que o impeachment era o equivalente ao 31 de março, ou 1/de abril de 64. O governo passou a propagar que impeachment não era golpe mas que impeachment sem crime de responsabilidade sim. Com esta aproximação do real a utilização do conceito passa a não ser apenas mera propaganda governamental para atrair adeptos e defensores.
Sim, impeachment sem crime de responsabilidade pode ser definido como golpe se aceitarmos alargar o conceito de golpe. Nada de golpe de estado para instaurar um novo regime. Nem mesmo um golpe a la Honduras e Paraguai. Trata-se, como definiu o amigo Roberto Ponge, de um golpe palaciano. O vice assume no lugar da presidente. O partido que esteve durante todo o governo numa posição subordinada na coligação, abocanhando mais cargos e esquemas de corrupção e dando menos as cartas na linha política passaria a ter ainda mais cargos e poder e ainda passaria a ditar os rumos da política. O partido dominante seria desalojado do governo. O PMDB agregaria no condomínio de poder o DEM, o PSDB e Paulinho da Força voltaria a ter lugar no governo como já teve nos governos do PT. Um golpe palaciano pode ocorrer e este parece ser o sentido do impeachment orquestrado por Temer, PSDB e Rede Globo.
O regime político, entretanto, continuará se apoiando no Congresso, no judiciário e tendo como garantia de última instância as Forças Armadas. O governo, hoje disfuncional para o atual regime tentar se reordenar, seria substituído numa operação comandada no seio das instituições do próprio regime, não por fora delas.
Então, qual a natureza da ruptura em curso caso aprovem o impeachment? Será o pacto político da Nova República que será quebrado. Esta será a novidade. Um dos partidos que sustentaram o regime até aqui terá seu poder reduzido. O quanto será marginalizado ainda não se sabe, mas seu lugar no regime será outro. É uma mudança e tanto.
O PT nos anos 90 aceitou ser a oposição consentida do regime. A expressão disso foi em 92, quando ao invés de defender eleições gerais diante da queda de Collor, defendeu a posse de Itamar. Em 1995, quando o PT e o próprio Lula deixaram os petroleiros em greve isolados, enfrentando os tanques do exército, mostrou que o pacto estava vigor também no terreno da ação direta. Até nome ganhou, quando a CUT defendeu, primeiro com Collor e depois com FHC, o pacto social.
O pacto da Nova República teve um novo e poderoso teste em 2002, dez anos depois, do impeachment de Collor. A possibilidade de Lula vencer assustou os capitalistas. O governo do PT traria o que? Um novo regime seria inaugurado? A nova República, o regime burguês conservador estaria ameaçado? Na mesma hora Lula e o PT deram garantias de que não. Daí surgiu a carta ao povo brasileiro de agosto de 2002.
Embora mantendo o voto em Lula, nós do MES, então uma corrente do PT, percebemos que o PT, mesmo no governo, aceitaria ser parte do regime, desta vez não como oposição no seu interior mas como carro-chefe, reprodutor, gerente dos interesses capitalistas. Derivava desta conclusão que a construção de uma alternativa pela esquerda ao PT seria necessária caso ele vencesse e o pacto se confirmasse, o que estava bastante evidente. O PSOL estava nascendo como ideia.
Lula venceu e a carta, expressão do pacto, foi seguida à risca: aplicou a reforma da previdência e o ajuste do FMI. Só por isso o PT foi aceito. Por isso o ano de 2002, embora Lula tenha chegado a presidência da república, esteve longe de ser uma situação revolucionária. Muito diferente das experiências que levaram Chávez ao poder, Evo Morales e Rafael Corrêa. Nestes países um novo regime surgiu. No Brasil o PT aceitou ser o gerente de um regime corrupto, já com seus primeiros sinais de desgaste e que se re-fortaleceu com a chegada de um novo condômino nas altas esferas de poder nacional.
A ruptura atual é a ruptura desta aliança de sustentação do regime.
Está em curso a ruptura do pacto entre a burguesia e o PT. Não de toda a burguesia, é preciso ser dito, mas de partes majoritárias. Esta ruptura começou a ser gestada quando em 2013 ficou claro que o PT não podia mais controlar o movimento de massas. Sua funcionalidade principal para o regime burguês estava se desvalorizando.
Quando a crise econômica se agravou e partes fundamentais da burguesia passaram a exigir um ajuste maior, demandando que o governo acelerasse as medidas impopulares. O governo Dilma, fragilizado no Congresso e sem força nas bases sociais, não sentiu condições de ir tão longe. Para ganhar as eleições, teve que fazer um discurso mais à esquerda. Mesmo assim colocou Levy, o ministro que poderia ser do ministério de Aécio. Não conseguiu estabilizar o regime. O descontentamento popular só aumentou. Os escândalos de corrupção foram se sucedendo e ficou evidente que o governo era incapaz de gerenciar os negócios capitalistas. A isso se somou a vontade de poder do PMDB, incapaz de ganhar a presidência pela via eleitoral. A decisão pelo impeachment foi tomada depois de idas e vindas. Uma decisão que demorou a ser tomada porque também a burguesia que está pelo impeachment sabe o preço que pode ser pago, em termos de estabilidade do regime, a ruptura do pacto com o PT
Então, se Dilma cai, para onde vamos? É impossível saber ao certo. É claro que não será por um bom caminho. O ajuste econômico vai continuar. Medidas impopulares serão preparadas. Como a economia está no fundo do poço ou próximo dele, há possibilidade de melhorias nas condições econômicas para os capitalistas. Mas a possibilidade de crescimento capitalista, caso ocorra, não significará redução da desigualdade. Ao contrário. O plano dos capitalistas implica em redução dos direitos, aumento da idade para se aposentar, ataques aos servidores públicos, privatizações, e fim de tudo o que eles chamam de “economia da meia-entrada”.
Temer terá condições de chefiar este caminho burguês? Ninguém sabe. É certo que tratarão de controlar a Lava Jato. O controle da Lava Jato é condição para a sobrevivência do governo, caso Temer assuma. Este, e não a oposição do PT, será o maior problema. E neste ponto Temer, o PMDB, o PSDB e o PT estão de acordo. Todos têm interesse em liquidar com a Lava Jato. Este é o golpe mais claro, mais de acordo com o conceito de golpe, que está em curso, passando ou não passando o impeachment.
E se não passar o impeachment? Também a liquidação da Lava Jato será tentada. Também o fim da Lava Jato será condição para a continuidade do governo até 2018. Sabemos que ainda há um setor minoritário da grande burguesia sustentando o governo Dilma. Não apenas os fisiológicos que estão sendo comprados para votar contra o impeachment, mas setores econômicos fortes. Não apenas o PMDB do Rio de Janeiro com seus laços com os negócios locais. Kátia Abreu, por exemplo, é líder política do agronegócio, do setor, aliás, que esteve por trás do golpe contra Lugo no Paraguai. Kátia Abreu é uma ministra forte de Dilma. Estes setores burgueses, caso o impeachment não passe, sairão fortalecidos. A situação econômica talvez não seja tão diferente de um cenário Temer. Num primeiro momento, contudo, a sensação será oposta.
A situação econômica terá num primeiro momento um aceleração para o fundo do poço e uma deterioração de todas as expectativas. Mas em 2017 tende também a parar de cair e ficar estagnada. É um cenário horrível.
Mas a questão-chave é se o governo Dilma fará com sua sobrevida algo diferente do que fará Temer. Neste ponto há indefinição. Quem esperar, porém, um giro à esquerda do governo continuará aguardando uma ilusão. Mas a fraqueza do governo pode o levar a uma paralisia. Se sair da paralisia será oferecendo uma tentativa de renovação do pacto da Nova República. Difícil saber se os setores de oposição burguesa aceitarão um pacto que todos sabem ser de um regime decomposto chefiado por uma presidente impopular ao extremo.
É preciso ser dito também que a continuidade de Dilma levará a extrema-direita a ter mais protagonismo. Inconformados com a incapacidade dos políticos burgueses tradicionais e institucionais de resolver a questão, crescerão os grupos da direita anti-constitucional.
Se Dilma continuar, é claro também que Cunha ameaçará com novos processos de impeachment que estão em sua mesa, em primeiro lugar o da OAB, cuja peça, diferente do impeachment atual, tem no mínimo alguma consistência, já que sua base é a Delação Premiada de Delcídio do Amaral. Mas este caminho não irá prosperar. Eduardo Cunha não terá força para ditar os próximos passos da oposição burguesa. Os olhos se voltarão para o TSE. Só que agora, provavelmente não trabalhando por eleições gerais diretas. Mas para cassação da chapa e eleição indireta para presidente, via o congresso nacional. Mas estamos aqui no terreno das conjecturas.
O certo é que tanto no caso de Dilma continuar quanto no caso de Temer assumir, os sectores mais fortes da burguesia irão querer repactuar o contrato quebrado que até agora havia sustentado a Nova República. Este pacto, além de ir contra a Lava Jato, será contra a organização da esquerda. Não à toa a lei da mordaça, que ameaça o direito do PSOL, PSTU e PCB, ter sido aprovado durante o governo do PT.
Um pacto feito pelos partidos tradicionais -PT incluído – de sustentação de um regime que parece mais um cadáver não terá como oxigenar nem melhorar a política brasileira nem muito menos trará melhorias para a vida do povo. Ainda mais que, em qualquer cenário, a base deste pacto é a liquidação da operação Lava Jato. Este golpe, repetimos, está em curso seja qual for o cenário.
O único cenário que permitiria garantir oxigênio para a política e que não seria o jogo controlado por elites, é o da eleições gerais. Não nos iludimos de que as eleições resolveriam o problema. Mas seria um caminho novo, que colocaria um pouco mais perto do povo a decisão de quais escolhas devem ser feitas.