Ameaça à pesquisa científica, atentado contra o futuro

O anúncio de que a pesquisa, a ciência e a educação pública correm perigo imediato é um sinal de alerta que deve ser respondido com força.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 6 ago 2018, 14:51

Causou indignação e fúria nas universidades do país e nas redes sociais o ofício encaminhado pelo presidente da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Abilio Baeta Neves, ao MEC, no qual são informadas as consequências de mais um corte de verbas da instituição previsto nas discussões orçamentárias de 2019. Com previsão de corte mínimo de 11, 8% no orçamento para a pesquisa, o presidente da CAPES alertou que, em agosto de 2019, não haveria mais recursos para o pagamento de mais de 200 mil bolsistas, nas diferentes modalidades. Seriam atingidas bolsas de mestrado, doutorado, pós-doutorado, programas no exterior e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). O impacto seria direto e imediato sobre a graduação e a pós-graduação em instituições de ensino superior, públicas e privadas.

Imediatamente, a notícia espalhou-se. Com perplexidade e revolta, abaixo-assinados, notas das entidades representativas e algumas manifestações ocorreram. Na sexta-feira 3 de agosto, o ato no MASP levou centenas de estudantes e pesquisadores à Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, sob intensa chuva, também chegaram às centenas os estudantes que atenderam ao chamado autoconvocado das redes sociais para sair em protesto.

Horas depois, reuniram-se em Brasília os ministros da Educação e do Planejamento, que assinaram nota conjunta prometendo nesta semana analisar novas propostas para “evitar ao máximo” o corte anunciado nas bolsas de pesquisa. A celeridade da resposta indica o grau de indignação despertada e a potência da mobilização. Por outro lado, a resposta foi genérica e até aqui não há nenhuma indicação que contrarie o ataque em curso.

Às vésperas do início do pleito eleitoral, quando os partidos em suas convenções definem suas fórmulas e candidaturas, o anúncio de que a pesquisa, a ciência e a educação pública correm perigo imediato é um sinal de alerta que deve ser respondido com força.

O desmonte da ciência e da educação superior pública: um efeito do “teto”

Os cortes na CAPES são produto do regime fiscal que o governo Temer impôs com a aprovação do novo “teto de gastos”, estabelecido pela emenda 95. Se alguns achavam exagerada a definição de “PEC da morte”, estamos assistindo apenas ao início dos efeitos nocivos da emenda, aprovada em novembro de 2016 sob protestos na Esplanada dos Ministérios em Brasília.

A Constituição determinava, no caso da educação, que anualmente a União aplicasse, no mínimo, 18% da receita líquida de impostos (receita de impostos deduzida de transferências constitucionais a Estados e Municípios). A aprovação da PEC reformulou o gasto federal mínimo com educação, congelando-o no patamar de 2017. O próprio orçamento de 2017 já foi fruto do severo ajuste, reduzindo intensamente o orçamento. Algumas estimativas calculam que R$ 24 bilhões podem deixar de ser investidos na educação, após o novo modelo fiscal aprovado na PEC.

O regime fiscal adotado restringe os “gastos” ao corrigi-los, anualmente, de acordo com a inflação dos últimos 12 meses, até junho do ano anterior. Para calcular o orçamento de 2019 será utilizada a inflação medida entre julho de 2017 e junho de 2018. Assim, independentemente dos fluxos da economia geral, os gastos públicos seguirão estáticos. O orçamento público, assim, vai sendo esmagado e diminuído ano a ano. A participação do “público” na vida social está sob risco real.

Não apenas o orçamento do MEC, onde se localizam a CAPES e as universidades federais, foi reduzido. Nos últimos anos, um verdadeiro desastre aconteceu com nosso sistema de pesquisa e a política de ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Foram cortes drásticos nos governos de Dilma e Temer. Além da imposição da lei do teto, foi extinto o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, agora unido ao Ministério das Comunicações e sob comando de ninguém menos que Gilberto Kassab.

Em valores atualizados, o orçamento da Ciência e Tecnologia era em 2010 de cerca de R$ 10 bilhões. Em 2017, o orçamento passou a menos de R$ 5 bilhões e em 2018 caiu ainda mais, a menos de R$ 1,5 bilhão!

A consequência são os cortes em bolsas, programas de inovação e projetos de pesquisa também em órgãos como o CNPq e a FINEP. Milhares de pesquisadores, mão-de-obra qualificada e capaz de contribuir para o desenvolvimento de nosso país, estão à deriva, em empregos precários e sem condições de pagar suas contas. Não à toa, muitos buscam sair do país em busca de oportunidades melhores.

Os ataques à educação inscrevem-se num plano geral de privatizações. As universidades públicas, federais e estaduais, estão em frangalhos, há anos sem verbas para investimentos e manutenção. Os concursos escasseiam e faltam professores. Trata-se de um projeto: em 2017, o Banco Mundial lançou um documento com “recomendações” para o Brasil combater a crise fiscal. Na educação, a “sugestão” previa privatizações, cobrança de mensalidades em universidades públicas e ampliação do FIES.

No ensino básico, a situação é a mesma: após a aprovação da trágica reforma do Ensino Médio, o governo Temer tenta impor à sociedade uma nova Base Nacional Comum Curricular, que transformará o Ensino Médio num verdadeiro escolão precarizado, no qual apenas Português e Matemática constarão como disciplinas obrigatórias. Trata-se de um ataque sem precedentes ao direito da criança e do adolescente à educação e à cultura. Ao mesmo tempo, um crime contra milhões de professores, cujos empregos estarão ameaçados.

O pior ainda está por vir

O verdadeiro cerco ao “público” não se restringe à educação e à ciência. “Projetos” como estes já encontram seus defensores na eleição: Geraldo Alckmin (PSDB) e seus consultores como Pérsio Arida (sócio do banco BTG Pactual) já falam abertamente em acabar com a gratuidade obrigatória do ensino público. Henrique Meirelles (PMDB), por sua vez, defende um “ProUni” do Ensino Médio para fazer os estudantes de baixa renda pagarem de algum modo pelo direito à educação. Ambos defendem de modo entusiasmado a continuidade do plano, iniciado por Temer, de desnacionalização das indústrias estratégicas, como a Embraer e a Braskem, e a “chuva de privatizações”, da Petrobrás, da Eletrobrás, dos Correios e dos bancos públicos. Neste quesito, também são acompanhados por Bolsonaro e Alvaro Dias.

Há uma relação direta entre o desmonte da pesquisa e da ciência e a entrega de nossas riquezas. Liquidando as primeiras, entrega-se mais fácil e com menor resistência as segundas.

Mobilizar para defender o futuro!

É preciso insistir na mobilização. Criar um ambiente para reverter os cortes e o desmonte do país. A luta pela ciência é uma luta internacional contra a ignorância. É uma arma para combater a intolerância e o obscurantismo de personagens como Bolsonaro, que recentemente negou o tráfico de milhões de escravos negros, promovido pelo colonialismo português na África, uma violência histórica que funda a sociedade brasileira, suas desigualdades e contradições.

Nas eleições, é preciso afirmar estas posições e defender um programa de denúncia e enfrentamento às imposições da globalização neoliberal e do rentismo, que pretendem abocanhar os fundos públicos, privatizar serviços essenciais e arrancar direitos trabalhistas e previdenciários. Nosso programa deve nomear claramente quem são os responsáveis pela espoliação de nosso país e da classe trabalhadora e apresentar medidas de emergência para reverter a tragédia social em que nos encontramos.

Imediatamente, é fundamental unir a luta pela educação em todos seus âmbitos. Da educação básica à pós-graduação e à pesquisa de ponta, há uma grande ameaça a nossos direitos e a nosso futuro. Trata-se de uma mobilização fundamental, que pode ampliar-se para o conjunto da comunidade científica e ganhar apoio das famílias e comunidades em defesa da educação de nosso povo.


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