Farsa eleitoral no Egito

Sete anos depois da revolução que derrubou o presidente Hosni Moubarak, uma camada de chumbo abateu-se sobre o Egito

Alain Gresh 31 mar 2018, 12:44

Os egípcios vão às urnas entre 26 a 28 de março para designar o presidente da República. Se fosse necessária uma palavra para caraterizar este processo, que dificilmente se pode qualificar de eleitoral, a que vem imediatamente ao espírito é “farsa”, uma representação teatral que mistura ridículo e hipocrisia. Pois a cena foi cuidadosamente limpa para eliminar qualquer ator que pudesse fazer sombra à estrela, o presidente Abdel Fattah Al-Sissi, candidato à sua própria sucessão.

Assim, inúmeros responsáveis políticos foram desqualificados sob os mais descabelados pretextos. E em primeiro lugar, o antigo primeiro-ministro Ahmed Chafik, que tinha obtido mais de 48% dos votos na segunda volta das presidenciais de 2012 – as únicas eleições democráticas da história do país – face a Mohamed Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana. Tendo anunciado a sua candidatura a partir de Abu Dhabi, onde estava refugiado, foi posto à força num avião para o Cairo. Foram precisas algumas semanas de “pressões amistosas” para o obrigar a renunciar.

O antigo chefe de estado-maior (2005-2012) Sami Annan afirmava por sua vez, no início de janeiro, querer concorrer, o que teve más consequências. Foi detido e metido num cárcere, o poder rompeu assim com uma regra não escrita, segundo a qual os antigos generais nunca seriam presos. O coronel Ahmed Konsouwa também foi condenado a seis anos de prisão por um tribunal militar, por se ter atrevido a se apresentar como candidato. Nestas condições, os últimos candidatos em disputa, Mohamed Anouar El-Sadate, sobrinho do antigo presidente – a quem foi até negada autorização para realizar uma conferência de imprensa – e Khaled Ali, um advogado de esquerda, anunciaram a retirada de uma competição manipulada.

Segundo ato da farsa, a alguns dias do fim do prazo de apresentação das candidaturas, Sissi encontrava-se na delicada situação de ter de concorrer sem qualquer adversário, o que podia conduzir à desmobilização de um eleitorado já pouco inclinado a ir às urnas. Durante a sua visita ao Cairo no mês de janeiro, o vice-presidente americano Mike Pence tinha confirmado o apoio dos Estados Unidos a um segundo mandato de Sissi, mas com a condição de que não fosse o único em disputa. Por conseguinte, assistiu-se, no final de janeiro, a uma série de manobras de bastidores que fizeram a alegria das redes sociais, mas que foram caladas pelos média oficiais (os únicos autorizados), ao lado dos quais o Pravda da época de Leonidas Brejnev parece uma ilha de pluralismo.

A escolha das autoridades, ou melhor dos moukhabarat, os serviços de polícia que se ocupam deste tipo de atividades, dirigiu-se primeiro para Al-Sayid Al-Badaoui, um dirigente do neo-Wafd, herdeiro de uma formação nacionalista. O homem aceitou, mas um vento de revolta soprou sobre o velho aparelho e a sua direção recusou este diktat, especialmente porque já tinha ratificado o presidente Sissi. Apertada pelos prazos, a polícia política dirigiu-se a Mussa Mostafa Mussa, um político obscuro, assegurando-lhe, alguns minutos antes do prazo regulamentar, as assinaturas de 27 deputados indispensáveis para se apresentar. E o novo candidato teve de apagar à pressa da sua página no Facebook o seu apelo a votar pelo… presidente Sissi.

Estas manobras levaram a uma reação de parte de uma oposição egípcia bastante moribunda, que decidiu unir-se pela primeira vez desde 2013. A 30 de janeiro, meia dúzia de partidos e cento e cinquenta responsáveis e militantes políticos, entre os quais Khaled Ali, Abdel Moneim Aboul Foutouh, dirigente do partido Por um Egito Forte, Hamdin Sabahi, dirigente de um partido nasseriano, e Mohamed Anouar El-Sadat apelaram ao boicote da farsa eleitoral. O resultado não se fez esperar: Aboul Foutouh1 foi preso a 14 de fevereiro, acusado de terrorismo, e o seu partido vai ser dissolvido em breve.

Para aqueles que não tinham entendido, Sissi em pessoa declarou a 1 de fevereiro: “Prestem atenção. O que se passou há sete ou oito anos [a revolução de 2011] não se repetirá. O que não funcionou então não funcionará. (…) Aqueles que querem arruinar o Egito terão em primeiro lugar de se confrontar comigo. À custa da minha vida, e da do exército“. Já em setembro de 2016, o presidente tinha ameaçado: “Temos um plano para mobilizar o exército em todo o país em seis horas para proteger a segurança do Estado”.

Eleito – ainda que este termo seja bastante inapropiado -, o presidente deverá alterar a Constituição que guarda ainda alguns traços do espírito do 25 de janeiro de 2011. Anuncia-se que suprimirá a proibição de dois mandatos para o presidente, o que abre a via à “presidência para a vida”. Anulará também sem dúvida a cláusula que previa que o ministro da defesa deveria permanecer no seu posto durante dez anos. Esta disposição, adotada então para preservar o exército do poder civil é já inútil, e mesmo perigoso: o atual ministro da defesa Sedki Sobhi seria um dos últimos altos cargos que obstaculizariam o poder pessoal de Sissi, quando empreendeu uma purga que vai da mudança do chefe do Estado Maior em outubro de 2017 à destituição do chefe dos serviços gerais de informação em janeiro de 2018, substituindo-o pelo seu próprio chefe de gabinete. O círculo de confiança do presidente minguou perigosamente.

Num editorial, o Washington Post de 24 de janeiro titulava: “O ditador egípcio não é um amigo dos Estados Unidos”. É, pelo contrário, um amigo da França, o seu primeiro fornecedor de armas. Ao receber Sissi a 24 de outubro de 2017 no Eliseu, Emmanuel Macron declarava que não queria “dar lições” ao seu homólogo em matéria de direitos humanos. Em 2005, após umas eleições presidenciais ganhas com 99% dos votos por Hosni Mubarak, Jacques Chirac enviava um telegrama de felicitações ao feliz eleito. Àqueles que o criticavam, fazia notar que Mubarak era “o grande homem de Estado do Médio Oriente” e que “o despotismo é a forma de organização política melhor adaptada à cultura árabe” 2. Decididamente, o novo mundo de Emmanuel Macron parece-se como duas gotas de água ao antigo.

Tradução de Carlos Santos para esquerda.net.


1 Aboul Foutouh, depois de ter rompido com a Irmandade Muçulmana, foi candidato nas presidenciais de 2012. Conseguiu o quarto lugar na primeira volta com 17,47% dos votos.

Citado por Guy Sorman, J’aurais voulu être français, Grasset, 2016.


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