Uma nova Revolta do Busão em Natal
A capital potiguar foi vanguarda antes de 2013 do movimento que questionou o direito ao transporte público no país inteiro e posteriormente todo o sistema político. A Revolta do Busão deixou uma herança de lutas importante, que passa agora por um novo fôlego em 2022.
Há cerca de dez anos atrás eram gestadas na capital potiguar as condições políticas para uma revolta popular dirigida do começo ao fim – um fim parcial, melhor dizendo – por estudantes. À juventude exaurida que todos os dias é depositada em latas de sardinha, circulando horas a fio para chegar nas escolas e nas Universidades, pagando caro para acessar um direito extraviado no caminho, coube converter a indignação de maioria social com o transporte público de péssima qualidade em luta dilacerante nas ruas.
Na época, a gestão de Micarla de Sousa (PV) acumulava uma série de escândalos de corrupção à frente da Prefeitura, chegando a despertar a onda de protestos que culminou na ocupação da Câmara Municipal em junho de 2011, tendo sido determinante para o seu afastamento. Em 2012 uma tentativa de aumento no preço da passagem de ônibus foi derrotada pelo movimento e há exatos dois anos da ocupação, em 2013, durante o que parece ser o apelo revolucionário do mês de junho, o Brasil fervia de mobilizações vanguardeadas por essa fagulha rebelde despontada no Nordeste.
Uma década é suficiente para uma criança nascer e concluir os primeiros anos do ensino fundamental. Digamos que seja uma criança natalense que depende do SETURN (sindicato patronal das empresas de transporte urbano) e da STTU (secretaria que sela da parte da Prefeitura os acordões com os empresários) para se deslocar. É o período de tempo razoável para que ela alimente muito ódio sempre que tiver que pegar um ônibus e participe do ato convocado pelo DCE da UFRN no último dia 20 de abril, como fizeram tantos secundaristas que também estiveram lá e se somaram aos quase mil protestantes.
A verdade é que desde a primeira Revolta do Busão os sujeitos são substituídos nominalmente, mas permanece o mesmo esquema de máfia gerida pelo SETURN, pela Prefeitura e também pela maioria de vereadores igualmente beneficiada financeiramente para fechar os olhos na Câmara. Não há sequer uma licitação que regulamente em marcos básicos o serviço. Recentemente diversas linhas, incluindo as que passavam no campus central da UFRN, foram retiradas, e o que esses senhores argumentam é que se trata de “uma medida necessária para recuperar o prejuízo que a pandemia causou”. E o prejuízo do povo mais pobre que foi nocauteado pela crise? Quem recupera?
Uma vida de privações pode arrancar gradualmente a nossa capacidade de respondê-los a altura, mas quando brechas históricas são abertas, quem já tem muito pouco também perde o medo. Foi com essa força que fomos bombardeados de spray de pimenta há alguns meses quando reivindicávamos que o circular da UFRN continuasse gratuito. Fomos vitoriosos, o método da luta é sempre o mais eficaz. É através dele que decidimos agora reabrir uma disputa prolongada em defesa do trânsito digno do povo na cidade do Natal.
O próximo 25 de abril marcará a construção de um calendário maior de mobilizações. Álvaro Dias (PSDB), detentor atualmente do segundo maior salário de Prefeito no país e guardião afinco dos lucros dos empresários de toda ordem, que se cuide! A Revolta do Busão está de volta!